- CVIII -
nasce no espelho
que não imita a vida
|Assim repito o nome e sinto ainda o incêndio no rosto :|| paul celan |Porque é com nomes que alguém sabe | onde estar um corpo| por uma ideia, onde um pensamento | faz a vez da língua.| herberto helder
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©Rene Burri | 1964 | Beijing-China |
O nascimento do mundo (Teogonia 116-138)
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©Inge Morath | 1962 | From the Mask Series with Steinberg |
A nossa moral é um mecanismo psicossocial para permitir cooperação (...) surgiu sob certas condições, no nosso ambiente de adaptabilidade evolutiva (...) Este meio ambiente tornou-nos flexíveis, inteligentes e cooperativos, mas também nos tornou tribalistas e propensos à violência. p.43
Hanno Sauer | Moral - A invenção do bem e do mal | Edições Saída de Emergência | 2023
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©raquelsav |
“Alexandra sentou-se na cama e acendeu o primeiro cigarro da manhã. Diante dela, no espelho da porta do quarto, via uma mulher de queixo apoiado nos joelhos, os braços a envolverem as pernas, e a pensar que uma coisa tinha aprendido pelo menos com o Steve: o medo de amar. É que toda a ânsia com que ele queria legalizar a situação não podia ter outro nome. Medo, qualquer estúpida saberia. Ou insegurança, se assim quiserem chamar.”
José Cardoso Pires | Alexandra Alpha | Publicações Dom Quixote
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©raquelsav | 2024 | Sintra |
PLAY J.S. Bach | Suite Francesa, n.º 5 | Interpretada por András Schiff
"J.S. Bach nunca terá saído do seu país natal, a Alemanha. Mas o facto de não ter viajado pela Europa não o terá impedido de contactar com as tradições musicais de outras culturas. Do estilo francês, conhecia os trabalho de Couperin e Rameau, que usou nas suas composições. Bach compôs, as Suites Francesas, incorporando vários elementos representativos de estilos usados por toda a Europa. A Allemande tem origem alemã, mas a Courante é uma dança proveniente de França, a Sarabande alude a uma dança espanhola e a Gigue tem origem escocesa / irlandesa. E que harmoniosas soam todas juntas! Que bom seria, nesta complexa conjuntura mundial em que vivemos, que os políticos partilhassem deste espírito de Bach. Imagine-se, que por via do Brexit, excluíamos a Gigue da Suite Francesa, seria uma pena."
[Transcrição livre, de um momento introdutório ao seu recital, do pianista húngaro-britânico András Schiff, Sintra, Centro Cultural Olga Cadaval, 23/06/2024, 11:00-13:40]
©Nan Goldin, do livro The Ballad of sexual dependency |
"Sex itself is only one aspect of sexual dependency. Pleasure becomes the motivation, but real satisfaction is romantic... Sex isn't about performance; it's about a certain kind of communication founded on trust and exposure and vulnerability that can't be expressed any other way...You become dependent on the gratification." . p.8
Nan Goldin | The Ballad of sexual dependency | Aperture | 2012
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©Werner Bischof | 1947 | After the War A figure stands in silhouette at a circus | Hungary |
PLAY Karol Szymanowski | 9 Preludes, Op. 1: N.º 1 in B minor | Krystian Zimmerman
Wislawa Szymborska | Um inconcebível acaso | Edições do Saguão | 2023
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©Werner Bischof | 1948 | Finland |
A primeira transformação moral fundamental do ser humano terá porventura consistido na descoberta da moral. A maioria das espécieis animais conhecem regularidades de comportamentos que permitem e promovem a coesão de grupo. Os cardumes de peixes, que parecem seguir de forma fantasmagórica um ritmo inaudível, cooperam através da conformidade; insectos sociais como as abelhas ou formigas aperfeiçoaram uma divisão de tarefas que exige, muitas vezes, o autossacrifício total do indivíduo em benefício, repectivamente, da colmeia ou colónia. A especial forma de cooperação, que moldou a moral dos seres humanos, consiste em relegar para segundo plano o interesse da pessoa singular em benefício de um maior bem comum com o qual todos lucram. p.23
Hanno Sauer | Moral - A invenção do bem e do mal | Edições Saída de Emergência | 2023
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©raquelsav | jun 2024 |
PLAY Joaquín Rodrigo | Concierto de Aranjuez
Farei como Shiva me ensinou:
- alimentarei de dança suave o ímpeto destruidor;
- procurarei o movimento perpétuo dos braços, na busca do equilíbrio das mãos.
E, na esperança do reencontro, conservarei intacto o Cioran.
©raquelsav | 2014 | Lodz |
Nuno Júdice | Fórmulas de uma luz inexplicável
©raquelsav | 2022 | Somiedo |
©raquelsav | 2022 | Astúrias |
“NÓS SOMOS
Como uma pequena lâmpada subsiste
e marcha no vento, nestes dias,
na vereda das noites, sob as pálpebras do tempo.
Caminhamos, um país sussurra,
dificilmente nas calçadas, nos quartos,
um país puro existe, homens escuros,
uma sede que arfa, uma cor que desponta no muro,
uma terra existe nesta terra,
nós somos, existimos
Como uma pequena gota às vezes no vazio,
como alguém só no mar, caminhando esquecidos,
na miséria dos dias, nos degraus desconjuntados,
subsiste uma palavra, uma sílaba de vento,
uma pálida lâmpada ao fundo do corredor,
uma frescura de nada, nos cabelos nos olhos,
uma voz num portal e a manhã é de sol,
nós somos, existimos.
Uma pequena ponte, uma lâmpada, um punho,
uma carta que segue, um bom dia que chega,
hoje, amanhã, ainda, a vida continua,
no silêncio, nas ruas, nos quartos, dia a dia,
nas mãos que se dão, nos punhos torturados,
nas frontes que persistem,
nós somos,
existimos.”
António Ramos Rosa
©raquelsav | 2024 | Tomar PLAY Sitiados | Soldado |
“SOLDADO
Ai, esta eterna guerra
Ai, que me obriga a ser soldado
Já vejo a bandeira erguida
Já sinto a dor companheira
Ai, neste mar fico tão só
Por este mar
Liberdade onde vais?
Liberdade onde cais?
Esta luta é por te amar
Ai, este soldado que cerco
Ai, este soldado sou eu, sou eu!
Nos olhos a mesma dor
No peito um medo igual
Ai, sinto queimar este fogo, dentro de mim!
Liberdade onde vais?
Liberdade onde cais?
Esta luta é por te amar
Este sangue é por te amar
É por te amar”
Sitiados
©msvgon |2024 |
Padre: Sentes alegria com o suicídio da tua madrasta?
Hipólito: Não. Ela era humana.
Padre: Então onde é que vais buscar essa alegria?
Hipólito: Cá dentro.
Padre: Acho difícil de acreditar.
Hipólito: Claro que achas. Tu pensas que vida não tem sentido a menos que haja outra pessoa para nos torturar.
Padre: Não tenho ninguém para me torturar.
Hipólito: Tu tens o pior amante de todos. Não só pensa que é perfeito, como é. Sinto-me satisfeito por estar só.
Padre: A auto-satisfação é uma contradição logo à partida.
Hipólito: Eu posso confiar em mim. Nunca me desiludo.
Padre: A verdadeira satisfação vem com amor.
Hipólito: E quando o amor morre? O despertador toca é hora de acordar, o que é que se faz então?
Padre: O amor nunca morre. Evolui.
Hipólito: Tu és perigoso.
Sarah Kane | O amor de Fedra
PLAY Squid | Pamphlets
Legs still but the herd is in motion
©raquelsav | 2023 | Lagoa de Maiorca |
Olhamos tudo em silêncio na linha da praia
De olhos na noite suspensos do céu que desmaia;
Ai lua nova de Outubro, trazes as chuvas e ventos,
A alma a segredar, a boca a murmurar tormentos!
Descem de nuvens de assombro taínhas e bagres
Se as aves embalam os peixes em certos milagres;
Levita-se o corpo da alma, no choro das ladainhas,
Na reza dos condenados, nas pragas dos sitiados,
Na ilha dos ladrões, quem sai?
E leva este recado ao cais:
São penas, são sinais. Adeus.
Livra-me da fome que me consome, deste frio;
Livra-me do mal desse animal que é este cio;
Livra-me do fado e se puderes abençoado
Leva-me a mim a voar pelo ar!
Como se houvesse um encanto, uma estranha magia,
O sol lentamente flutua nas margens do dia.
Despe o meu corpo corsário, seca-me a veia maruja,
Morde-me o peito aos ais, das brigas, dos punhais,
Da ilha dos ladrões, quem sai?
E leva este recado ao cais:
São penas, são sinais. Adeus.
Andamos nus e descalços, amantes, sedentos
Se o véu da noite se deita na curva do tempo.
Ai lua nova de Outubro,
Os medos são medos das chuvas e ventos,
Da alma a segredar, da boca a murmurar
Adeus
Fausto Bordalo Dias
©raquelsav | 2023 |
Na Terra, não havia imunidade a ideias parvas… Na Terra, as ideias são como emblemas de amizade ou de inimizade. O seu conteúdo não importa. Os amigos concordam com amigos para expressar a sua amizade. Inimigos discordam de inimigos para expressar a sua inimizade… As ideias, como os emblemas, não puxava carroças… para ele, só havia uma maneira de a Terra ser: tal como era.”
Kurt Vonnegut | Pequeno-almoço de campeões
©raquelsav |
Quando eu morrer
Não me dêem rosas
Mas ventos
Quero as ânsias do mar
Quero beber a espuma branca
Duma onda a quebrar
E vogar
Ah, a rosa dos ventos
A correrem na ponta dos meus dedos
A correrem, a correrem sem parar.
Onda sobre onda infinita como o mar.
Como o mar inquieto
Num jeito
De nunca mais parar.
Por isso eu quero o mar.
Morrer, ficar quieto,
Não.
Oh, sentir sempre no peito
O tumulto do mundo
Da vida e de mim.
E eu e o mundo.
E a vida.
Oh mar
O meu coração
Fica para ti
Para ter a ilusão
De nunca mais parar
Fausto Bordalo Dias