"(...) o engenho do primeiro romancista consistiu em compreender que no aparelho das nossas emoções, como a imagem é o único elemento essencial, a simplificação que consistiria em suprimir pura e simplesmente as personagens reais seria um aperfeiçoamento decisivo. Um ser real, por muito profundamente que simpatizemos com ele, é em grande parte apreendido pelos nossos sentidos, o que quer dizer que permanece para nós opaco, que apresenta um peso morto que a nossa sensibilidade não pode levantar. Se é atingido por uma infelicidade, só numa pequena parte da noção total que dele temos é que ele mesmo pode comover-se. O achado do romancista foi ter a ideia de substituir essas partes impenetráveis à alma por uma quantidade igual de partes imateriais, isto é, que a nossa alma pode assimilar a si mesma. Que importa então que as acções, que as emoções desses seres de uma nova espécie, nos surjam como verdadeiras, visto que as tomámos nossas, visto que é em nós que acontecem, que mantêm sob o seu domínio, enquanto viramos febrilmente as páginas do livro, a rapidez da nossa respiração e a intensidade do nosso olhar?"
Marcel Proust (1871 -1922) | Em busca do tempo perdido - Do lado de Swann | 3ª Ed. | Relógio D'Água | Trad. Pedro Tamen | p. 93