Mostrar mensagens com a etiqueta #Paul.Celan. Mostrar todas as mensagens
Mostrar mensagens com a etiqueta #Paul.Celan. Mostrar todas as mensagens

dezembro 20, 2020

O rosto da voz




ALLERSEELEN

(TODOS-OS-SANTOS)

Que fiz
eu?
Inseminei a noite, como se outras
pudessem vir, mais nocturnas que
esta.

Voo de ave, voo de pedra, mil
trajectórias descritas. Olhares,
pilhados e colhidos. O mar,
provado, sorvido, absorto. Uma hora,
obscurecida de almas. A seguinte, uma luz outonal,
ofertada a um sentimento
cego, que tomou o caminho. Outras, muitas,
sem lugar e pesadas de si mesmas: avistadas e contornadas.
Rochas erráticas, estrelas,
negras e plenas de linguagem: nomeadas
por jura de silêncio rasgado.

E certa vez (quando? também isto se esqueceu):
o pulso sentiu o gancho,
quando ousava desprender-se.

Paul Celan, Não Sabemos mesmo O Que importa, Relógio D'Água, 2014

outubro 01, 2020

©Robert Mapplethorpe

PLAY João Berhan | Roupa Nova

"Ingeborg,

Este ano chego "indefinidamente"e tarde. Mas talvez só seja assim porque não quero que ninguém além de ti esteja presente quando eu puser papoilas, muitas papoilas, e memória, também muita memória, dois ramos grandes e brilhantes na tua mesa de aniversário. Há semanas que antecipo com alegria esse momento.

Paul"

(Paris, 20 de Junho de 1949)

março 17, 2017

©Josef Koudelka | Lebanon (Beirut) From the series Chaos |1991

GRELHA DE LINGUAGEM

O círculo dos olhos entre as barras.

Animal vibrátil a pálpebra
rema para cima,
descobre um olhar.

Íris, nadadora, sem sonhos, e turva:
o céu, cinzento-coração, deve estar perto.

Oblíqua, no bico de ferro,
a apara fumegante.
Pelo sentido da luz
adivinhas a alma.

(Fosse eu como tu. Fosses tu como eu.
Não estivemos nós
sob uma mesma monção?
Somos estranhos.)

Os ladrilhos. Sobre eles,
bem juntas, as duas
poças cinzento-coração:
duas
bocas cheias de silêncio.


SPRACHGITTER

Augenrund zwischen den Stäben.

Flimmertier Lid
rudert nach oben,
gibt einen Blick frei.

Iris, Schwimmerin, traumlos und trüb:
der Himmel, herzgrau, muß nah sein.

Schräg, in der eisernen Tülle,
der blakende Span.
Am Lichtsinn
errätst du die Seele.

(Wär ich wie du. Wärst du wie ich.
Standen wir nicht
unter einem Passat?
Wir sind Fremde.)

Die Fliesen. Darauf,
dicht beieinander, die beiden
herzgrauen Lachen:
zwei
Mundvoll Schweigen.

Paul Celan (1959) in As Escadas não têm Degraus  3 | Cotovia | 1990
 

dezembro 07, 2016

----DIANTE DO TEU ROSTO TARDIO 
so-
litário entre
noites que também me transformam,
algo se imobilizou
que já outrora estivera connosco, in-
tocado por pensamentos. 


----ESTAR À SOMBRA
da chaga no ar.

Não-estar-por-nada-nem -ninguém.
Incógnito,
para ti
somente.

Com tudo o que cabe lá dentro,
também sem
fala.


---- VON DEIN SPÄTES GESICHT
allein-
gägerisch zwischen
auch mich verwandelnden Nächten,
kam etwas zu stehn,
das schon einmal bei uns war, un-
berührt von Gedanken.



---- STEHEN, IM SCHATTEN
des Wundenmals in der Luft.

Für-niemand-und-nichts-Stehn.
Unerkannt,
für dich
allein.

Mit allem, was darin Raum hat,
auch ohne
Sprache. 
  
Paul Celan (1955) | Sete Rosas Mais Tarde | Cotovia | 1996

julho 25, 2016

----PELO TRILHO ENSOPADO DE CHUVA
o pequeno sermão ilusório do silêncio.
É como se pudesses ouvir,
como se eu ainda te amasse. 

---- AUF ÜBERREGNETER FÄHRTE
die kleine Gauklerpredigt der Stille.

Es ist, als könntest du hören,
als liebt ich dich noch 

Paul Celan (1955) | Sete Rosas Mais Tarde | Cotovia | 1996 


--------MEIO-DIA, CEDO
(...)
O indizível passa, sussurado, sobre esta terra:
é já meio-dia. 

--------FRÜHER MITTAG
(...)
Das Unsägliche geht, leise gesagt, übers Land:
schon is Mittag
Ingeborg Bachmann (1953) | O tempo aprazado | Assírio&Alvim | 1992 


julho 22, 2016

©André Kertész (1894-1985)


---------------------------------------PRAIA BRETÃ
Reunido está o que vimos,
para despedida de ti e de mim:
o mar, que nos lançava noites por terra,
a areia, que as atravessou connosco,
a urze vermelho-ferrugem além
onde o mundo nos aconteceu.

BRETONISCHER STRAND
Versammelt ist, was wir sahen,
zum Abschied von dir und vom mir:
das Meer, das uns Nächte an Land warf,
der Sand, der sie mit uns durchflogen,
das rostrote Heidekraut droben,
darin die Welt uns geschah.

Paul Celan (1955) | Sete Rosas Mais Tarde | Cotovia | 1996 



--------------------------------------UMA ESPÉCIE DE PERDA
Usámos a dois: estações do ano, livros e uma música.
As chaves, as taças de chá, o cesto do pão, lencóis de linho e uma cama.
Um enxoval de palavras, de gestos, trazidos, utilizados, gastos.
Cumprimos o regulamento de um prédio. Dissémos. Fizémos. E estendemos sempre a mão.

Apaixonei-me por Invernos, por um septeto vienense e por Verões.
Por mapas, por um ninho de montanha, uma praia e uma cama.
Ritualizei datas, declarei promessas irrevogáveis,
idolatrei o indefinido e senti devoção perante um nada,

(- o jornal dobrado, a cinza fria, o papel com um apontamento)
sem temores religiosos, pois a igreja era esta cama.

De olhar o mar nasceu a minha pintura inesgotável.
Da varanda podia saudar os povos, meus vizinhos.
Ao fogo da lareira, em segurança, o meu cabelo tinha a sua cor mais intensa.
A campainha da porta era o alarme da minha alegria.

Não te perdi a ti,
perdi o mundo.


EINE ART VERLUST
Gemeinsam benutzt: Jahreszeiten, Bücher und eine Musik.
Die Schlüssel, die Teeschalen, den Brotkorb, Leintücher und ein Bett.
Eine Aussteuer von Worten, von Gesten, mitgebracht, verwendet, verbraucht.
Eine Hausordnung beachtet. Gesagt. Getan. Und immer die Hand gereicht.

In Winter, in ein Wiener Septett und in Sommer habe ich mich verliebt.
In Landkarten, in ein Bergnest, in einen Strand und ein Bett.
Einen Kult getrieben mit Daten, Versprechen für undkündbar erklärt,
angehimmelt ein Etwas und fromm gewesen vor einem Nichts,

(- der gefalteten Zeitung, der kalten Asche, dem Zettel mit einer Notiz)
furchtlos in der Religion, denn die Kirche war dieses Bett.

Aus dem Seeblick hervor ging meine unerschöpfliche Malerei.
Vom dem Balkon herab waren die Völker, meine Nachbarn, zu grüßen.

Am Kaminfeuer, in der Sicherheit, hatte mein Haar seine äußerste Farbe.
Das Klingeln an der Tür war de Alarm für meine Freude.

Nicht dich habe ich verloren,
sondern die Welt.

Ingeborg Bachmann (1953) | O tempo aprazado | Assírio&Alvim | 1992 


julho 20, 2016

[#1] "furibunda melancolia" | "ironia furibunda"

fotograma de "Nostalgia" | Andrei Tarkovsky (1983)


"Uma gota, mais uma gota fazem uma grande gota, não duas gotas." ("Nostalgia")



------------------------------------------------------------------- 4.

Coloca uma palavra
no vale da minha mudez
e planta florestas de ambos os lados,
para que a minha boca
fique toda à sombra.

In die Mulde meiner Stummheit
leg ein Wort
und zieh Wälder groß zu beiden Seiten,
daß mein Mund
ganz im Schatten liegt.

Ingeborg Bachmann (1953) | O tempo aprazado | Assírio&Alvim | 1992 

-------------------------------------------------AQUELE QUE NOS CONTAVA AS HORAS
Aquele que nos contava as horas
continua a contar.
Que estará ele a contar, diz?
Conta e torna a contar.

Não faz mais frio,
nem mais noite,
nem mais húmido.

Só aquilo que nos ajudava a escutar
agora escuta 
para si sozinho


DER UNS DIE STUNDEN ZÄHLTE
Der uns die Stunden zählen, sag?
Er zählt und zählt.

Nicht hühler wirds,
nicht nächtiger,
nicht feutchter.

Nur was uns lauschen half:
es lauscht nun
für sich allein

Paul Celan (1955) | Sete Rosas Mais Tarde | Cotovia | 1996 


31.10.1951, Paris

Meine liebe Inge,
dieses Leben scheint nun einmal aus Versaumnissen gemacht, und man tut vielleicht besser daran, nicht allzu lange an diesen herum- zuraetseln, sonst will kein Wort von der Stelle. 
(...)
Lass mich alles wissen, was mitteilbar ist, und darueber hinaus vielleicht manchmal eines von den leiseren Worten, die sich einfinden, wenn man allein ist und nur in die Ferne sprechen kann. Ich tue dann dasselbe.
Das Lichtest dieser Stunde!
Paul


Ingeborg Bachmann & Paul Celan  | Herzzeit: Briefwechsel | 2015 | 4. Ed | Suhrkamp

maio 26, 2016

"Na nossa língua, denken (pensar) e danken (agradecer) são palavras da mesma raiz. Quem lhes seguir o sentido, depara com o campo semântico de gedenken (lembrar), eingedenke sein (rememorar), Andenken  (recordação), Andacht (devoção). Permitam-me que vos agradeça a partir daqui."

Paul Celan (1958) | Arte Poética: O Meridiano e outros textos | Cotovia | 1996 | Trad. João Barrento e Vanessa Milheiro

maio 17, 2016

#16 , #17

PLAY Jeff Buckley | You & I

16) Liebe Ingeborg,
es ist halb fünf, und ich muß nun zu meinem Schüler. es war unser erstes Rendezvous in Paris, mein Herz klopft ganz laut, und Du bist nicht gekommen. ich muß heute noch zwei Stunden geben, habe weit zu fahren und bin erst gegen drei Viertel neun zurück.  
Der Steckkontakt für Dein Bügeleisen steckt in der Lampe; sei aber vorsichtig und schließ die Tür gut zu, damit sie im Hotel nicht merken, daß Du bügelst. Schreibe auch Deine Briefe. Auf Briefe warten ist schwer.
Und denk ein wenig an das, was über mich strich, als ich zu Dir sprach.
 Paul

 17)
Liebe Inge,
ich [bin] ungefähr 1 Uhr 45 um zurück - kannst Du bitte so lange warten 
Paul

14.10.1950, Paris

Ingeborg Bachmann & Paul Celan 
Herzzeit: Briefwechsel, 2015 (4. Ed), Suhrkamp

abril 12, 2016

NACH DEM LICHTVERZICHT:
der vom Botengang helle,
hallende Tag.

Die blühselige Botschaft,
schriller und schriller,
findet zum blutenden Ohr.

AFTER THE LIGHTWAIVER:
the day, bright, re-
sounding from the errand.

The flowersome message,
shriller and shriller,
finds to the bleeding ear.

Paul Celan
Eingedunkelt in
Breathturn into timestead: the collected later poetry, FSG, 2014
(Translated by Pierre Joris)

abril 05, 2016


1) Paul Celan an Ingeborg Bachmann, Gedicht und Widmung in Mattisse-Bildban, Wien 24.(?)6.1948

In Aegypten

Für Ingeborg

Du sollst zum Aug de Fremden sagen: Sie das Wasser!
Du sollst, die du im Wasser weißt, im Aug de Fremden suchen.
Du sollst sie rufen aus dem Wasser: Ruth! Noemi! Mirjam!
Du sollst sie schmücken, wenn du bei der Fremden liegst.
Du sollst sie schmücken mit dem Wolkenhaar der Fremden.
Du sollst zu Ruth, zu Mirjam und Noemi sagen:
Seht, ich schlaf bei ihr!
Du sollst die Fremde neben dir am schönsten schmücken.
Du sollst sie schmücken mit dem Schmerz um Ruth, um Mirjam und Noemi.
Du sollst zur Fremden sagen:
Sieh, ich schlief bei diesen!

Wien, am 23. Mai 1948

Der peinlich Genauen,
22 Jahre nach ihrem Geburtstag,
Der peinlich Ungenaue


Ingeborg Bachmann & Paul Celan 
Herzzeit: Briefwechsel, 2015 (4. Ed), Suhrkamp

março 22, 2016

"Ele ensinava as leis da gravidade, produzia prova sobre prova, mas só encontrava orelhas moucas. Elevou-se então nos ares e ensinou as leis, pairando - agora já acreditavam nele, mas ninguém se admirou quando ele não regressou do ar."

Paul Celan
Arte Poética - O Merediano e outros textos, 1996, Cotovia
(Tradução de João Barrento)

março 20, 2016

ES IST NICHT MEHR
diese

zuweilen mit dir
in die Stunde gesenkte
Schwere. Es ist
eine andre.

Es ist das Gewicht, das die Leere zurückhält,
die  mit-
ginge mit dir. 

Es hat, wie du, keinen Namen. Vielleicht
seid ihr dasselbe. Vielleicht
nennst auch du mich einst
so.  

JÁ NÃO É
esta 
pesadez por vezes
afundada contigo até à 
hora. É
uma outra.

É o peso que detém o vazio
que te a-
companharia.

Como tu, não tem nome. Talvez
sejais um e o mesmo. Talvez
um dia também tu me chames
assim.  

Paul Celan
Sete Horas Mais Tarde, 1996, Edições Cotovia
(Tradução João Barrento e Y. K. Centeno)

março 17, 2016

©Ben Benowski

FADENSONNEN
über der grauschwarzen Ödnis.
Ein baum-
hoher Gedanke
greift sich den Lichtton: es sind
noch Lieder zu singen jenseits
de Menschen.

SÓIS DESFIADOS
sobre o deserto cinzento-negro.
Um pensamento alto-
-como-árvore
capta o tom da luz: ainda
há canções para cantar do outro lado
dos homens.

Paul Celan
Sete Horas Mais Tarde, 1996, Edições Cotovia
(Tradução João Barrento e Y. K. Centeno)

março 16, 2016

EINE HUND
Der Tisch, aus Stundenholz, mit
dem Reisgericht und dem Wein.
Es wird
geschwiegen, gegessen, getrunken.

Eine Hund, die ich küßte,
leuchtet den Mündern.


UMA MÃO
A mesa, feita da madeira das horas, com
o prato de arroz e o vinho.
Em silêncio
comemos e bebemos.

Uma mão que eu beijei
alumia as bocas.

Paul Celan
Sete Horas Mais Tarde, 1996, Edições Cotovia
(Tradução João Barrento e Y. K. Centeno)

novembro 23, 2015

©raquelsav

QUEM ARRANCA de noite o coração do peito deseja a rosa.
Pertencem-lhe a sua folha e o seu espinho.
A esse põe ela a luz no prato,
com o seu sopro enche-lhe os copos,
só para ele sussurram as sombras do amor.
Quem arranca de noite o coração do peito e o arremessa ao alto:
não falha o alvo,
apedreja a pedra,
a esse bate-lhe o sangue fora do relógio,
o tempo faz-lhe soar na mão a sua hora:
pode brincar com bolas mais bonitas 
e falar de ti e de mim.

Paul Celan (23/11/1920 - 20/04/1970)
Sete Rosas Mais Tarde, Edições Cotovia, 1993)