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agosto 13, 2015

©Angelo (Funk Pál) Idõzavar, 1965 
POEMA
(para Mário Cesariny)

Moveu-se o automóvel - mas não devia mover-se
não devia!

Ontem à meia-noite três relógios distintos bateram:
primeiro um, depois outro e outro:
o eco do primeiro, o eco do segundo, eu sou o eco do terceiro

Eu sou a terceira meia-noite dos dias que começaram

Pregões de varina sem peixe
- o peixe morreu ao sair da água
e assim já não é peixe

Assim como eu que vivo uma VIDA EXTREMA

António Maria Lisboa (1928-1953)
Poemas, Biblioteca Editores Independentes (Assírio&Alvim), 2008

agosto 08, 2015

    "Nunca o caminho percorrido é o mais acertado logo que reavemos a nossa capacidade de autocrítica e nos imaginamos pelo outro que não percorremos. O percurso que não fizemos é sempre melhor, e o melhor que teríamos feito, só porque se pensa que se se pensasse não se faria. Nós sabemos: somos um erro - mas a consciência disso isola-nos do erro alheio. Qualquer que seja a conduta humana não é falsa nem verdadeira - É (embora se possa pensar e sentir sempre errada).
    Assim, também, a existência do Universo não necessita de demonstração, porquanto ele existe e mesmo que não existisse, era assim que existia. A investigação deste Universo, de que falo, e há tal como o vou descobrindo e não como os outros o encontraram, fá-la-ei como me aprouver, sem ter que dar contas a ninguém, nem ter de pedir licença para o que possa dizer, pois desde o início é para mim mesmo que afirmo e que afirmo, antes de mais, para meu uso pessoal.
    Não me peça, grandes explicações os que, tímidos, ignoram ou temem a afirmação exaltada, o erro e a verdade requerida; não me perguntem os timoratos pelos fundamentos das minhas afirmações, porque se perguntam é porque não são Livres! porque não Amam! Os que não afirmam não estão - fora disso não há ignorantes. A verdade não se pensa - sabe-se; o que se pensa é a explicação da verdade."

António Maria Lisboa [1928-1953]
in Edoi Lelia Doura: antologia das vozes comunicantes da poesia moderna portuguesa
organizada por Herberto Helder, Assírio&Alvim, 1985

agosto 07, 2015

RÊVE OUBLIÊ
Neste meu hábito surpreendente de te trazer de costas
neste meu desejo irreflectido de te possuir num trampolim
nesta minha mania de te dar o que tu gostas
e depois esquecer-me irremediavelmente de ti

Agora na superfície da luz a procurar a sombra
agora encostado ao vidro a sonhar a terra
agora a oferecer-te um elefante com uma linda tromba
e depois matar-te e dar-te vida eterna

Continuar a dar tiros e a modificar a posição dos astros
continuar a viver até cristalizar entre a neve
continuar a contar a lenda duma princesa sueca
e depois fechar a porta para tremermos de medo

Contar a vida pelos dedos e perdê-los
contar um a um os teus cabelos e seguir a estrada
contar as ondas do mar e descobrir-lhes o brilho
e depois contar um a um os teus dedos de fada

Abrir-se a janela para entrarem estradas
abrir-se a luz para entrarem olhos
abrir-se o tecto para cair um garfo no centro da sala
e depois ruidosa uma dentadura velha

E no CIMO disto tudo uma montanha de ouro

E no FIM disto tudo um Azul-de-Prata

António Maria Lisboa [1928-1953]
in Edoi Lelia Doura: antologia das vozes comunicantes da poesia moderna portuguesa
organizada por Herberto Helder, Assírio&Alvim, 1985