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outubro 16, 2018

Fuga

©raquelsav | setembro 2018
Não foi outro o nosso amor
fugia tornava a voltar e trazia-nos
uma pálpebra descida muito longínqua
um sorriso marmóreo, perdido
dentro da erva matutina
uma concha bizarra explicá-la
procurava insistentemente nossa alma.

O nosso amor não foi outro tenteava
quietamente entre as coisas em redor de nós
para explicar porque não queremos morrer
com tanta paixão.

E se nos agarrámos a quadris e se abraçámos
outras nucas com toda a noss força
e se unimos o nosso hálito com o hálito
dessa pessoa
e se fechámos os nossos olhos, não foi outro
apenas este anseio mais profundo de nos agarrarmos
dentro da fuga.      


Yorgos Seferis | Poemas Escolhidos | Relógio D'Água | 1993

outubro 13, 2018

Narração

©raquelsav | Carrasqueira | Setembro 2018

PLAY Nick Cave | Magneto

Este homem caminha a chorar
ninguém sabe dizer porquê
às vezes pensam que são amores perdidos
como aqueles que tanto nos atormentam
à beira-mar no verão com os gramofones.

A outra gente cuida dos seus trabalhos
papéis intermináveis crianças que crescem, mulheres 
com dificuldade em envelhecer
ele tem dois olhos como papoilas
como primaveris papoilas cortadas
e duas pequenas fontes na cavidade dos olhos.

Caminha pelas estradas nunca se deita
galgando pequenos quadrados no dorso da terra
máquina de um tormento infindo
o qual acabou por não ter importância.

Alguns outros ouviram-no falar
sozinho enquanto passava
de espelhos quebrados dentro dos espelhos
que já ninguém pode juntar.
Outros ouviram-no dizer do sono
imagens de horror no limiar do sono
rostos insuportáveis de ternura.

Habituámo-nos a ele bem arranjado e tranquilo
acontece apenas que caminha a chorar continuamente 
como os salgueiros à beira do rio que vês do comboio
quando acordas mal disposto numa alba cheia de nuvens.

Habituámo-nos a ele não representa nada
como todas as coisas às quais vocês se habituaram
e falo-vos dele porque não encontro
nada a que vocês não estejam habituados;
as minhas vénias. 

Yorgos Seferis | Poemas Escolhidos | Relógio D'Água | 1993

dezembro 11, 2014

Yorgos Seferis

©Josef Koudelka CZECHOSLOVAKIA. 1963
                             
                             III
                                      Lembra-te dos banhos em que foste afogado

Acordei com esta cabeça de mármore nas mãos
que extenua os meus cotovelos e não sei onde
     pousá-la.
Ela tombava no sonho enquanto eu saía do sonho
a nossa vida uniu-se e será muito difícil separar-se
     de novo.

Vejo os olhos; nem abertos nem fechados
falo à boca que continuamente procura falar
seguro as maçãs do rosto que ultrapassam a pele.
Já não tenho força;

as minhas mãos perdem-se e aproximam-se de mim
mutiladas.

"Poemas Escolhidos"
Yorgos Seferis
Relógio D'Água