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junho 29, 2024

©Gustave Marissiaux | 1905 (oder früher) | Interior

PLAY Meredith Monk | Cow Song 

NATUREZA MORTA COM UM BALÃO

Em vez do regresso das recordações
na hora da minha morte
peço o regresso 
das coisas perdidas.

Por portas e janelas: sombrinhas,
malas, luvas, um casaco -
para que eu possa dizer:
Para que preciso eu de tudo isto?

Alfinetes, este pente e aquele,
uma rosa de papel, um cordel, uma faca,
para que eu possa dizer:
Nada disto me faz falta.

Chave, onde quer que estejas,
trata de chegar a horas
para que eu possa dizer:
Ferrugem, minha cara ferrugem.

Caia uma chuva de certificados,
licenças e questionários,
para que eu possa dizer:
O sol está a pôr-se.

Relógio, sai desse rio
e deixa-me pegar-te na mão,
para que eu possa dizer:
Tu finges ser a hora.

Há-de aparecer também um balão
arrebatado pelo vento
para que eu possa dizer:
Aqui não há crianças.

Voa pela janela aberta!
Voa pelo mundo afora!
Possa alguém exclamar: Oh!
Para que eu possa chorar.

Wislawa Szymborska | Um inconcebível acaso | Edições do Saguão | 2023

dezembro 31, 2014

Cornell Capa © International Center of Photography PARAGUAY. 1955. Political prisoner.

PLAY Meredith Monk Travel Dream Song

Trânsito
Mas quanto tempo e quando
ficávamos ali vogando
em brancas nuvens do esquecimento?

Fechávamos os livros
que lêramos ou fizéramos
e as taças que não bebêramos partíamos.
Numa agonia de ecos
os risos se calavam
e sacavam-se os prantos.
E os violinos adormeciam
sobre divãs de flores pálidas e murchas
que surgiam
nos recantos
daquela sala estepe oceano
ou monte anode estávamos
sob uma luz de estrelas moribundas
fatais pulverizando o nosso barro humano.

As dores e as misérias,
sempre guerreiras e instantes,
mesmo quando adormecidas,
despertavam cansadas
e ficavam por terra palpitantes...

Seguíamos, voltávamos, seguíamos
em indomáveis ziguezages lentos,
para nunca chegarmos,
pois chegar
era a absurda ameaça de um vazio
entre dois pensamentos!

Mas quanto tempo e quando?

E cerrando-se no ar,
sempre mais uma vez,
a cegueira das imagens,
o silêncio crepitante da surdez:
-os gritos paralisados da memória
clamando em vão por uma História!

Edmundo de Bettencourt, Poemas de, Assírio&Alvim