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dezembro 28, 2014

"Não quero que as pessoas ergam os olhos de admiração quando entro. Quero dar e receber e quero a solidão onde possa desdobrar em paz tudo o que possuo."

Virginia Woolf,  As ondas, Relógio D'Água
"É estranho verificar que em cada crise que atravesso, aparece sempre uma frase incongruente que insiste em vir em meu socorro (é o castigo por se viver numa velha civilização e possuir um caderno onde anoto frases. Esta gota que está a cair nada tem a ver com a minha juventude perdida. A queda desta gota é o tempo adelgaçando-se até formar um ponto. O tempo, esse prado ensolarado em que dança uma luz, o tempo, essa extensão plana como um campo ao meio dia, começa a inclinar-se. Adelgaça-se até formar um único ponto. O tempo escoa-se, como se escoa o líquido para fora do vaso deixando ficar um depósito. Estes são os verdadeiros ciclos, os verdadeiros acontecimentos da minha vida. Pois, como se toda a luminosidade da atmosfera refluísse subitamente como uma vaga, vejo o fundo das coisas tal como ele é. Vejo tudo aquilo que os hábitos recobrem. Preguiçosamente, deixo-me ficar na cama dias inteiros. Janto fora e fico com a boca aberta como um bacalhau. Não me dou ao trabalho de terminar as frases, e os meu actos, em geral muito imprecisos, adquirem uma precisão mecânica. Desta vez, ao passar por uma agência de viagens, entrei e, com gestos de autómato, comprei um bilhete para Roma."

Virginia Woolf,  As ondas, Relógio D'Água
"Vou de casa em casa como os monges da Idade Média que distraíam viúvas e donzelas com rosários e baladas. Sou um peregrino, um vendedor ambulante pagando a hospedagem com uma canção, um convidado pouco exigente que facilmente se contenta. Muitas vezes, aceito o melhor quarto e durmo sob um dossel, outras durmo num palheiro. As pulgas não me incomodam e também não me queixo das sedas.  Sou muito tolerante. Nada tenho de moralista. Sou demasiado consciente da brevidade da vida e da sua complexidade, para me dedicar a traçar linhas de demarcação a tinta vermelha. E, no entanto, não sou tão desprovido de rigor como vocês pensam, ao julgarem-me pela facilidade com que falo. Escondo na manga um pequeno punhal de desprezo e severidade. Mas é fácil desviarem o golpe. De qualquer coisa faço brincadeiras. Uma rapariga está sentada à entrada de uma cabana. A rapariga espera. Quem espera ela? Terá sido seduzida? O reitor vê um buraco no tapete. Suspira. A sua mulher passando os dedos pelas ondas da cabeleira ainda abundante, reflecte, etc. Mãos que acenam, pessoas que hesitam nas esquinas das ruas, alguém que lança um cigarro na valeta, outras tantas histórias. Mas qual será a verdadeira? Não sei. É por isso que as minhas frases se mantêm suspensas, como as roupas num armário, aguardando que alguém as vista. Ocupado nessa espera, nas minhas meditações, e no meu caderno de notas, vivo desligado da vida. Serei afastado, como se afasta uma abelha do girassol. A minha filosofia acumula-se e espalha-se em todas as direcções como o mercúrio. Mas Louis, o severo Louis de olhos loucos, chegou no seu sótão e no seu escritório a conclusões definitivas sobre a verdadeira natureza do conhecimento."


Virginia Woolf,  As ondas, Relógio D'Água