Mostrar mensagens com a etiqueta #Jorge.Luís.Borges. Mostrar todas as mensagens
Mostrar mensagens com a etiqueta #Jorge.Luís.Borges. Mostrar todas as mensagens

fevereiro 01, 2015

©Ferdinando Scianna. ITALY. Sicily. Palermo. Argentinian writer Jorge Luis BORGES. 1984
Poema


ANVERSO
Dormias. Eu acordo-te.
A manhã imensa oferece-nos a ilusão de um princípio.
Esqueceras-te de Virgílio. Aqui estão os hexâmetros.
Trago-te muitas coisas.
As quatro raízes dos gregos: a terra, a água, o fogo, o ar.
Um só nome de mulher. A amizade da lua.
As claras cores do atlas.
O esquecimento, que purifica.
A memória que escolhe e redescobre.
O hábito, que nos ajuda a sentir que somos imortais.
A esfera e as agulhas que dividem o intangível tempo.
A fragrância do sândalo.
As dúvidas a que chamamos, não sem vaidade, metafísica.
A curva do bastão que a tua mão aguarda.
O sabor das uvas e do mel.

REVERSO
Recordar quem dorme
é um acto vulgar e quotidiano
que poderia fazer-nos tremer.
Recordar quem dorme
é impor ao outro a interminável
prisão do universo
do seu tempo sem ocaso nem aurora.
É revelar-lhe que é alguém ou algo
que está sujeito a um nome que o expõe
e a um acervo de ontens.
É inquietar a sua eternidade.
É carregá-lo de séculos e estrelas.
É devolver a tempo um outro Lázaro
carregado de memória.
É desonrar a água do Letes.

Jorge Luís Borges, A Cifra in Obras Completas III (1975-1985), Teorema, 2010