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outubro 11, 2017

[#1] Diálogo

"- A razão não é o único meio de dois seres se entenderem."
Robert Musil (1880-1942) | O Homem sem Qualidades |Dom Quixote | 2014 (4.ª Ed.)
(Trad. João Barrento)

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"Uma coisa fiquei a saber: é falso que alguém se entenda falando." 
Adolfo Bioy Casares (1914 -1999) | Dormir ao sol | Editorial Estampa |1980

dezembro 29, 2016

"(...) quem quiser falar de estupidez ou tirar algum benefício de tais intenções deve partir da hipótese de que ele próprio não é estúpido; quer dizer, proclamar que se julga inteligente, ainda que isso passe geralmente por um sinal de estupidez!"           
Robert Musil (1937) | Da Estupidez | Relógio D´Água |1994

outubro 22, 2016

"Dou-te conhecimento da ocorrência do meu falecimento"

©Cartier Bresson | Brooklyn New York | 1947
"Este jazia no catafalco conforme as ordens que deixara: de fraque, a mortalha até meia altura do peito, a camisa engomada sobressaindo, as mãos postas, sem crucifixo, as condecorações ao peito. Sobrolhos pequenos e duros, faces encovadas, bios retraídos. Fechado na sua pele de cadáver, assustadora e sem olhos, que é ainda parte do ser e já lhe é estranha: o saco de viagem da vida. "

Robert Musil (1880-1942) | O Homem sem Qualidades - Livro Segundo | Dom Quixote | 2008 | 2.ª Ed. |Trad. João Barrento

agosto 04, 2016

"Se o pai é pobre, os filhos gostam de dinheiro, se o papá tem dinheiro, os filhos amam a humanidade."

Robert Musil (1880-1942) | O Homem sem Qualidades - Livro Segundo | Dom Quixote | 2008 | 2.ª Ed. | Trad. João Barrento
"apadrinha-o com tanto zelo maternal que é capaz de caminhar sobre cadáveres para defender o pacifismo."

(...)
"O pacifismo é um negócio de armamento duradouro e seguro, enquanto a guerra é um risco!

Robert Musil (1880-1942) | O Homem sem Qualidades - Livro Segundo | Dom Quixote | 2008 | 2.ª Ed. | Trad. João Barrento
"Na cultura, o mais importante é aquilo que ela proíbe, o que não faz parte dela, e pronto. Um homem de cultura nunca comerá o molho com a faca, sabe Deus porquê. "

Robert Musil (1880-1942) | O Homem sem Qualidades - Livro Segundo | Dom Quixote | 2008 | 2.ª Ed. | Trad. João Barrento
"Não estamos em condições de nos salvar a nós próprios, sobre isso não restam dúvidas. Falamos em democracia, mas ela é apenas a expressão política para um estado de ‹‹Pode ser assim, mas também pode ser de outro modo››. Vivemos na época do boletim de voto. Até votamos todos os anos no nosso ideal sexual, a rainha da beleza, e o facto de termos transformado a ciência no nosso ideal intelectual não significa mais do que pôr na mão dos chamados factos um boletim de voto, para que eles escolham por nós. Este tempo é antifilosófico e cobarde: não tem coragem para decidir o que tem ou não tem valor, e a democracia, reduzida à sua expressão mais simples, significa: Fazer aquilo que acontece! Diga-se de passagem que é um dos mais desonestos círculos viciosos que alguma vez existiu na história a nossa raça."

(...)

"Se quisermos traduzir isso para a linguagem chã e profana de hoje, podemos chamar-lhe a percentagem, que actualmente é assustadoramente baixa, da participação dos indivíduos nas suas experiências e nos seus actos. No sonho ficamos com a impressão de que ela é de cem por cento, nos estados de vigília nem a meio por cento chega! (...) Chamei a isso um dia-(...)- a acústica do vazio."
Robert Musil (1880-1942) | O Homem sem Qualidades - Livro Segundo | Dom Quixote | 2008 | 2.ª Ed. | Trad. João Barrento
"Parece-me que a verdade, no sentido em que a usas, é uma força que trata mal as pessoas."

Robert Musil (1880-1942) | O Homem sem Qualidades - Livro Segundo | Dom Quixote | 2008 | 2.ª Ed. | Trad. João Barrento

julho 01, 2016

PUMBA!

PLAY Savages | Shut up
"- Para o entenderes tens primeiro de saber o que é aquilo a que se chama normalidade, criatura minha irmã - explicou Ulrich, tentando travar com o gracejo as ideias galopantes. - O normal é uma manada não significar para nós mais do que carne de vaca a pastar. Ou então é um cenário idílico digno de ser pintado. Ou nem sequer reparamos nela. Vacas nos caminhos de montanha fazem parte dos caminhos de montanha, e só saberíamos verdadeiramente o que sentimos ao vê-los se, em seu lugar, ali estivesse um relógio eléctrico ou um prédio de rendimento. Geralmente pensamos: ficamos ou levantamo-nos? Queixamo-nos das moscas que zunem em volta da manada; tentamos perceber se há um touro no meio dela; perguntamo-nos se o caminho continua ou se acaba ali. Um sem-número de pequenos propósitos, preocupações, cálculos e percepções que, todos juntos, formam o papel sobre o qual se pinta a imagem de uma manada. Nada sabemos do papel, apenas vemos a manada em cima dele...
- E de repente o papel rasga-se! - exclama Agathe.
- É isso mesmo. Quer dizer: rasga-se uma qualquer trama de convenções que trazemos em nós. E subitamente o que ali anda a pastar deixa de ser alimento, motivo pictórico, nada me barra o caminho. Já nem sequer és capaz de formar as palavras ‹‹pastar›› ou ‹‹erva››, porque as associas a uma série de ideias úteis e pragmáticas que de um momento para o outro perdeste. Aquilo que fica à superfície do quadro poderia quando muito descrever-se como um ondular de sensações que sobem e descem ou respiram e cintilam como se preenchessem, sem contornos precisos, todo o campo de visão. É claro que o quadro contém muitas percepções isoladas, cores, chifres, movimentos, cheiros e tudo o que faz parte da realidade: mas isso deixa de ser reconhecido, apesar de darmos por essas coisas. O que quero dizer é que os pormenores estão despossuídos do egoísmo por meio do qual chamam a nossa atenção: passaram a estar ligados uns aos outros fraternalmente, literalmente de forma ‹‹‹íntima››. E evidentemente, nesta altura já não existe qualquer ‹‹superfície do quadro››, porque de algum modo todas as coisas extravasaram os seus limites e se passaram para dentro de nós.
E Agathe prosseguiu com a descrição:
-Agora só precisas de substituir o egoísmo dos pormenores pelo egoísmo do ser humano - exclamou -, para chegares àquilo que é tão difícil de exprimir: ‹‹Ama o próximo!›› não significa ama-o tal como és, mas define uma espécie de estado onírico!
-Todos os postulados da moral - confirmou Ulrich - definem uma espécie de estado onírico que já estão para lá das regras com que os formulamos!
- Sendo assim, não existe bem e mal, mas apenas a fé e... dúvida!- exclamou Agathe, que sentia agora como muito próximo, com toda a sua autonomia, e igualmente a sua perda, o estado de fé original assimilado pela moral, de que o irmão falara ao dizer que a fé não tem tempo para envelhecer.
-Pois é - concordou Ulrich -, no momento em que nos libertamos da vida não essencial, tudo entra em novas relações. Quase me apetecia dizer: tudo sai das relações. De facto, a nova relação é absolutamente desconhecida, não temos qualquer experiência dela, e todas as outras relações se apagam. Mas esta outra, apesar da obscuridade, é tão nítida que ninguém a pode negar. É intensa, mas de uma intensidade inapreensível. Poderia também dizer: geralmente olhamos para uma coisa e o olhar é como um pauzinho ou um fio esticado em que se apoiam os olhos e o objecto olhado, e há uma qualquer grande trama deste tipo que sustenta cada segundo. Mas naquela relação de tipo único há, pelo contrário, qualquer coisa de dolorosamente suave que separa as incidências do olhar.
-Não possuímos nada do que há no mundo, nada é sustentado por nós, não somos sustentados por nada - disse Agathe. "


Robert Musil (1880-1942) | O Homem sem Qualidades - Livro Segundo | Dom Quixote | 2008 | 2.ª Ed. |Trad. João Barrento


 PLAY Chopin & Martha Argerich | Andante Spianato & Grande Polonaise Brillante Op.22
"Um ‹caso limite››, como Ulrich mais tarde lhe chamaria, com um alcance limitado e particular, e que lembrava a liberdade com que a matemática por vezes se serve do absurdo para chegar à verdade".

Robert Musil (1880-1942) | O Homem sem Qualidades - Livro Segundo | Dom Quixote | 2008 | 2.ª Ed. | Trad. João Barrento

junho 15, 2016

PLAY Teho Teardo + Blixa Bargeld | The Beast


"-Então não é bom ser-se bom? - perguntou ao irmão, com um brilho nos olhos semelhante ao de uns dias antes, ao manipular as condecorações do pai de um modo que provavelmente não seria visto como bom por toda a gente.
-Tens razão - respondeu ele com vivacidade. - É preciso realmente formar de novo uma frase como essa para lhe sentir o sentido original! Mas as crianças ainda gostam de ser boas, como gostam de gulodices...
- Mas também de ser más - completou Agathe.
- MAs será que ser bom é uma das paixões dos adultos? - perguntou Ulrich. - É um dos seus princípios! Não são bons, porque isso lhes soaria infantil, mas praticam o bem. Um homem bom é aquele que tem bons princípios e pratica boas acções: mas isso não impede - e este é um segredo sem segredos - que possa ser a mais repugnante das pessoas!
- Como o Hagauer - finalizou Agathe.
- Há nessas pessoas boas um paradoxo absurdo: transformam a situação em exigência, a graça em norma, o ser em objectivo. Nesta família dos bons só se comem restos durante toda a vida, enquanto corre o boato de que em tempos houve um dia festivo do qual todos descendem! É certo que de tempos a tempos aparecem algumas virtudes que se tornam moda, mas assim que isso acontece elas perdem logo a frescura.
- Uma vez disseste que uma acção pode ser boa ou má, dependendo do contexto - inquiriu Agathe.
  Ulrich concordou. A sua teoria era a de que os valores morais não são grandezas absolutas, mas conceitos funcionais. Mas quando nos pomos a moralizar e a generalizar arrancamo-los ao seu todo natural.
- E provavelmente é esse o ponto em que, no caminho da virtude, alguma coisa está errada - disse ele.
- Se não fosse assim, como é que os moralistas podiam ser tão aborrecidos - continuou Agathe - , quando o seu propósito de serem bons devia ser a coisa mais deliciosa, difícil e divertida que se possa imaginar?
   O irmão hesitou. Mas de repente saiu-lhe a afirmação que em breve os iria levar a uma relação inusitada.
  - A nossa moral - explicou - é a cristalização de um movimento interior completamente diferente dela. Nada do que dizemos faz sentido. Pensa numa frase qualquer, ocorre-me, por exemplo, esta: ‹‹Numa prisão deve imperar o arrependimento!›› É uma frase que se pode pronunciar com a melhor das consciências, mas ninguém a toma à letra, senão estávamos a pedir o fogo do inferno para os encarcerados! Como é que a entendemos, então? Há com certeza muito poucos que saibam o que é o arrependimento, mas todos dizem onde ele deve imperar. Ou então pensa em algo exaltante: como é que isso se mistura com a moral? Quando é que estivemos com o rosto tão mergulhado no pó que isso nos faça sentir a bem-aventurança do arrebatamento? Ou então toma à letra uma expressão como ‹‹ser assaltado por um pensamento››: no momento em que sentisses no corpo tal contacto já estarias no limiar da loucura! Cada palavra quer então ser lida na sua literalidade para não degenerar em mentira, mas não podemos tomar nenhuma à letra, sob pena de o mundo se transformar num manicómio! Há uma qualquer grande embriaguez que se eleva daí sob a forma de uma obscura recordação, e de vez em quando imaginamos que todas as nossas experiências são partes soltas e destruídas de uma antiga totalidade que um dia se foi completando de maneira errada.".

Robert Musil (1880-1942) | O Homem sem Qualidades - Livro Segundo | Dom Quixote | 2008 | 2.ª Ed. |Trad. João Barrento

junho 08, 2016


"-De resto - continuou -, quanto mais velho fico, mais vezes me acontece ter odiado uma coisa que mais tarde, e por outras vias, acaba por seguir na mesma direcção do meu próprio caminho, de modo que de repente já não posso negar-lhe o direito à existência; ou então acontece descobrirem-se os lados negativos de ideias ou acontecimentos nos quais antes me empenhei. Se virmos as coisas a uma escala maior, parece então indiferente entusiasmarmo-nos, e o sentido para que orientamos esse entusiasmo. Tudo tem o mesmo fim, e tudo está sujeito a uma evolução que é impenetrável e infalível."

"Qualquer hábito humano, quando é desenvolvido até ao extremo, traz em si a semente da mudança, e toda a excitação que ultrapasse a rotina logo se cobre de um véu de tristeza, de absurdo e de excesso".

Robert Musil (1880-1942) | O Homem sem Qualidades - Livro Segundo | Dom Quixote | 2008 | 2.ª Ed. |Trad. João Barrento

maio 28, 2016

©Heinrich Kühn (1866 -1944)*
"Ulrich fixava a irmã, com a testa enrugada. ‹‹Um homem que não sente a necessidade de alisar um poema antigo, preferindo deixá-lo ecoar na decrepitude de um sentido meio destruído, assemelha-se àquele que jamais aplicará um nariz de mármore novo a uma velha estatueta a que falta o nariz››, pensou. ‹‹Podia chamar-se a isso ter sentido do estilo, mas não é disso que se trata. Nem do facto de o homem ter a imaginação tão viva que a falha não o incomoda. Estamos, isso sim, perante alguém que não dá qualquer valor à perfeição e por isso também não exigirá que os seus sentimentos sejam "totais".›› E, numa transição brusca, concluiu: ‹‹Ela deve beijar sem perder logo o domínio de si!›› Nesse momento, parecia-lhe que não precisava de conhecer a irmã para lá daqueles versos ditos com paixão, para saber que ela ‹‹nunca se entregava completamente a uma coisa››, que também ela era, como ele, um ser de ‹‹paixões fragmentadas››. Até se esqueceu da outra metade de si próprio, aquela que lhe pedia medida e contenção.
(...)
Ela continuava a abraçar a ombreira, com o braço erguido, e um segundo a mais estragaria certamente toda a cena. Ulrich detestava as mulheres que se comportam como se tivessem sido criadas por um pintor ou um encenador, ou que, depois de uma excitação como a de Agathe, acabam num piano artificial. ‹‹Talvez ela pudesse deslizar do seu climax de entusiasmo com a expressão um pouco idiota e sonâmbula de um médium que desperta; não terá outra saída, e também isso vai ser penoso!›› - pensou. Mas Agathe parecia saber disso, ou adivinhara no olhar do irmão o perigo que espreitava: deixou-se cair das alturas do seu entusiasmo com um salto e deitou a língua de fora a Ulrich! Mas depois ficou séria e calada..."

Robert Musil (1880-1942) | O Homem sem Qualidades - Livro Segundo | Dom Quixote | 2008 | 2.ª Ed. |Trad. João Barrento

[*sugestionada e gentilmente roubada dos ponteiros parados]