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©Irving Penn | Photo of Igor Stravinsky | 1948 |
"Só as palavras rompem o silêncio, tudo o resto se calou. Se eu me calasse, não deixaria de ouvir fosse o que fosse. Mas, se eu me calasse, voltariam outros ruídos, os ruídos que as palavras não me deixam ouvir, ou que deixaram realmente de se ouvir. Mas calo-me, acontece, não, nunca, nem por um segundo. Também choro, sem parar. É uma torrente ininterrupta, de palavras e lágrimas. Tudo sem reflectir. Mas falo mais baixo, de ano para ano um pouco mais baixo. Talvez. Mais devagar também, de ano para ano mais devagar. Talvez, não dou conta. As pausas seriam portanto mais longas, entre as palavras, as frases, as sílabas, as lágrimas, confundo as palavras com as lágrimas, as minhas palavras são as minhas lágrimas, os meus olhos são a minha boca. E deveria ouvir, a cada breve pausa, se há silêncio como eu digo, ao dizer que só as palavras o rompem. Mas não, é sempre o mesmo murmúrio, fluido, sem hiato, como uma única palavra sem objectivo e portanto sem significado, porque é o objectivo que dá significado às palavras. Sendo assim, com que direito, não, desta vez sei onde quero chegar, e paro, dizendo, Nenhum, nenhum."
Samuel Beckett (1958) | Novelas e Textos para Nada | Assírio&Alvim | 2006