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junho 13, 2015


ERIGIDAS SOBRE AS NOSSAS FÁBULAS
UMA SUMPTUOSA MORADA

V
Encontrei-te no caminho imaculado que leva para além dos cumes.
Sabíamos nós, no topo das nossas forças, que deveríamos deixar-nos cair, dolorosos diamantes, na água regeneradora?

Edmond Jabès
A obscura palavra do deserto - uma antologia, Edições Cotovia, 1991 

ERIGIDAS SOBRE AS NOSSAS FÁBULAS
UMA SUMPTUOSA MORADA

IV
(Há que admitir a nossa ausência do mundo, a nossa confortável segurança perante as marionetas inspiradas com que as crianças sonham. Há que admitir a nossa irrealidade que respeita deambulações dessas criaturas incómodas.)

Edmond Jabès
A obscura palavra do deserto - uma antologia, Edições Cotovia, 1991 

junho 11, 2015


Josef Koudelka. CZECHOSLOVAKIA. Prague. 1964.
Theatre On the Balustrade. "King Ubu", a play written by the French playwright Alfred JARRY


ERIGIDAS SOBRE AS NOSSAS FÁBULAS

UMA SUMPTUOSA MORADA

III
Avancei mais do que me permitiam as pupilas. (Lá onde a obscuridade se torna em degraus gratuitos, vertigem roubada à vigilância.)

A idade da transparência habita a memória dos homens.
As guerras contribuem para o seu prestígio.

O teu cabelo é o halo alongado do meu desespero. (Será o teu rosto o astro de que a manhã nasceu?)

As mãos trepavam, selvagens, até à boca do abismo de que ninguém suspeitava ao passar, distraído pelas dobras ondulantes das horas iluminadas que estriam o céu.


Edmond Jabès
A obscura palavra do deserto - uma antologia, Edições Cotovia, 1991 

junho 08, 2015

"Ao respirar fazemos sombra" *

"RESPOSTA
É assim que respiro,
Não te sei dizer mais:
Respiro como me ensinaste."**
____________________________
*Edmond Jabès
A obscura palavra do deserto - uma antologia, Edições Cotovia, 1991 

**Nuno Rocha Morais,
Últimos Poemas, Quasi Edições, 2009


ERIGIDAS SOBRE AS NOSSAS FÁBULAS

UMA SUMPTUOSA MORADA

II
Os passos são telhados esperados. Ao andar, privo de calor o chão que os meus pés abandonam.


Edmond Jabès
A obscura palavra do deserto - uma antologia, Edições Cotovia, 1991 

junho 05, 2015




ERIGIDAS SOBRE AS NOSSAS FÁBULAS

UMA SUMPTUOSA MORADA

I
Uma sumptuosa morada, as aves por janelas.
(Cor de floresta virgem, aroma raiado de embriagues de asa.)

A noite está na concha da mão. (E também no brilho dos olhos.)

Limites do universo: cada um é germe de infinito.

(Deitada, ela escutava, num ruído de água que se quebra, por cima do seu leito, a onda desenrolando as suas correntes e lançando sobre a praia os sóis decaídos da liberdade ofendida.)

Ao respirar fazemos sombra.

(Em menina, transtornavam-na as manhãs sem mãos, no meio da roda, com a sua imperícia de aleijadas.

Da terra, lembrar-se á do riso do arco esbaforido, oscilando no caminho, e do suspiro das cortinas poeirentas que erguia até à aurora?)

A pouco e pouco as paredes afrouxaram o seu abraço, porque não há amor eterno entre as pedras. Uma a uma redescobriram, nas ruínas, o anonimato do seu destino.


Edmond Jabès
A obscura palavra do deserto - uma antologia, Edições Cotovia, 1991 

junho 02, 2015

ESCREVO-TE DE UM PAÍS QUE PESA

Tão bela como a mão da amada
sobre o mar.
Tão sozinha.

Escrevo para ti. A dor é uma concha. Nela se ouve o coração perlar.
Escrevo para ti no limiar do idílio, para a planta das folhas
de água, dos espinhos de chamas, para a rosa de amor.
Escrevo para nada, para as palavras luzentes que a minha morte
traça, para o instante de vida eternamente devido.

Tão bela como a mão da amada
sobre o sinal.
Tão sozinha.

Escrevo para todos. Escrevo-te de um país que pesa como os
passos do forçado, de uma cidade igual às outras onde os gritos camuflados 
se torcem nas montras; de um quarto onde as 
pestanas a pouco e pouco destruíram o silêncio.
Tu és, predestinada destinadora, a minha razão de escrever;
alegre inspiradora do dia e da noite.
Tu és o colo de cisne sedento de azul.

Tão bela como a mão da amada
sobre os olhos.
Tão doce.

Eu escrevo com a carne das palavras que chegam, ofegantes
e vermelhas.
É a ti, de facto, que elas cercam. Eu sou todas as palavras
que me habitam e cada uma na minha voz te magnifica.

Eu preciso de ti para amar, para ser amado pelas palavras que 
me elegem. Preciso de sofrer as tuas garras para sobreviver
às feridas do poema.
Flecha e alvo, alternadamente. Preciso de estar à tua mercê
para de mim me libertar.
As palavras ensinaram-me a desconfiar dos objectos que
encarnam.
O rosto é o refúgio do olhos acossados. Aspiro à cegueira.

Tão bela como a mão da amada 
sobre o sorriso da criança.
Tão transparente.

Penso nos brinquedos dos meus cinco anos. Uma vez meus,
foram eles os mestres. Antes de mos darem, julgava poder 
manejá-los segundo a minha fantasia. Depressa vi que os podia
destruir segundo o meu humor; mas se os queria vivos, teria
de respeitar a sua mecânica, a sua alma imortal.
É como a linguagem.
Devo às palavras a alegria e as lágrimas dos meus cadernos
de estudante e dos meus canhenhos de adulto.
E também a minha solidão.
Devo às palavras a minha inquietação. Tento responder às suas
questões, que são as minhas ardentes interrogações.

Edmond Jabès
A obscura palavra do deserto - uma antologia, Edições Cotovia, 1991