junho 05, 2015




ERIGIDAS SOBRE AS NOSSAS FÁBULAS

UMA SUMPTUOSA MORADA

I
Uma sumptuosa morada, as aves por janelas.
(Cor de floresta virgem, aroma raiado de embriagues de asa.)

A noite está na concha da mão. (E também no brilho dos olhos.)

Limites do universo: cada um é germe de infinito.

(Deitada, ela escutava, num ruído de água que se quebra, por cima do seu leito, a onda desenrolando as suas correntes e lançando sobre a praia os sóis decaídos da liberdade ofendida.)

Ao respirar fazemos sombra.

(Em menina, transtornavam-na as manhãs sem mãos, no meio da roda, com a sua imperícia de aleijadas.

Da terra, lembrar-se á do riso do arco esbaforido, oscilando no caminho, e do suspiro das cortinas poeirentas que erguia até à aurora?)

A pouco e pouco as paredes afrouxaram o seu abraço, porque não há amor eterno entre as pedras. Uma a uma redescobriram, nas ruínas, o anonimato do seu destino.


Edmond Jabès
A obscura palavra do deserto - uma antologia, Edições Cotovia, 1991