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julho 31, 2015

©Francesca Woodman

Caminho com passos ébrios, 
embriagados pelas tintas do mundo,
cega ao vislumbre do meu sangue 
- tinta única capaz de me pintar.
Por isso, descrevo um corpo difuso,
sem anunciar as vésperas da minha nudez.
O melhor que sei pintar é um rasto, 
ou uma sombra, um esquisso das memórias
do dia em que nos despimos 
e desenhámos a denúncia da pista jugular.
No dia em que nos pertencemos, 
o mais que existiu foi pó.
E não há tinta ou sangue que jorre sobre a tela,
que o saiba pintar.

julho 29, 2015

©Francesca Woodman

PLAY Patti Smith Birdland

Entre nós, tudo o que devemos: as almas - o excesso delas.
Almas que sobram aos corpos.
Almas que procuramos.
Almas incomportáveis.
Almas adicionadas e subtraídas: como cancros que se disseminam no momento da extracção.

julho 13, 2015

©Francesca Woodman, On Being an Angel, 1977
"Enquanto Reiting falava, Törless ouvira calado, de olhos fechados. De vez em quando sentia um arrepio até à ponta dos dedos, e as ideias subiam-lhe à cabeça descontroladas e desordenadas, como bolhas em água a ferver. Diz-se que é assim quando vemos pela primeira vez a mulher que está destinada a envolver-nos numa paixão devastadora. Afirma-se que há momentos desses, em que nos dobramos sobre nós mesmos, ganhamos forças, sustemos a respiração, momentos de extremo silêncio e concentração interior de grande tensão entre duas pessoas. Ninguém pode dizer o que acontece em tais momentos. É como a sombra antecipada da futura paixão, uma sombra orgânica, um alívio de todas as tensões anteriores e ao mesmo tempo um estado de súbita e nova dependência em que está contido já todo o futuro; uma incubação concentrada na ponta de uma agulha... E é ao mesmo tempo um nada, uma sensação dúbia e indefinida, uma fraqueza, um medo."

Robert Musil
As perturbações do Pupilo Törless, Dom Quixote, 2005
(Trad. João Barrento)

julho 03, 2015

©Francesca Woodman- House #3, Providence, Rhode Island, 1976


Imagino um Corpo edificante,
louca inocência consentida:
mecânica pura,
engrenagem de corpo:
corpo a corpo
talhada.

Imagino um verbo,
e um poema:
O-poema inscrito,
espelho-Corpo,
Corpo-ricochete
queda amparada.

Imagino
um Corpo,
um tempo,
uma palavra,
uma voz infantil:
    [onde o crepúsculo não se esgote.]

junho 23, 2015

©Francesca Woodman
PLAY Wim Mertens Gerausch
Pintar o mundo é talhar o orto ao elemento,
é fabricar o pigmento primário: 
da textura da terra;
do aroma da água;
da aurora do fogo;
na distância do ar.

Pintar o mundo é erguer a essência da mão
ao fulgor do éter,
é pintar de branco e dar cor,
é lançar a vogal à terra, amanhá-la...
é vê-la crescer.

Pintar o mundo é beber do silêncio,
com que se desenha o poema e se escreve a pintura.

Pintar o mundo é abrir a mão à paisagem 
e confiar que tudo, nela, se transfigura.



junho 22, 2015

©Francesca Woodman
PLAY Dead can Dance Anastasis

ESTES VERSOS HERÓICOS
Se tivesse uma cabeça cintilante
e as pessoas se voltassem para me olhar
nos eléctricos
e pudesse espreguiçar o meu corpo
na água luminosa
e nadar com os peixes e as serpentes de água;
se pudesse destruir as minhas penas
voando diante do sol;
pensas que ficaria neste quarto
recitando-te poemas
e construindo sonhos excessivos
com os menores movimentos da tua boca?

Leonard Cohen
Poemas e Canções, Vol I,  Relógio D'Água, 1999

maio 26, 2015

©Francesca Woodman
PLAY Nick Cave & Bad Seeds Stranger than Kindness
"Era um homem que banalizava o mundo para poder ser nele acolhido sem drama, que transformava o horror e a maldade em lugares-comuns, para não sentir remorsos. E, apesar do meu ódio, também eu o amava, porque a indiferença que ele introduzia na sua vida e na dos outros me dava uma paz intensa, por isso estava prestes a segui-lo numa viagem, numa deserção, ou num crime. Assim me tornava a cúmplice perfeita, colada aos seus passos, fascinada pela sua voz. Perto dele, as palavras regressavam com uma fluência mentirosa, como se tivéssemos voltado da morte e tudo pudesse ser dito. Todos os gestos pudessem ser feitos"

Rui Nunes,
Os Olhos de Himmler, Relógio d'Água, 2009