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abril 03, 2015

©Christopher Anderson. VENEZUELA. Caracas. 2006. Reflection in window in Altamira.   
"As minhas tias, aquelas numerosas semi-mães, que se esforçavam por me levar a reboque, mas que me amavam de verdade, tentaram por anos a fio influenciar-me para que eu estabilizasse como alguém que se visse, ou seja, como advogado ou burocrata - a minha indefinição era-lhes profundamente incómoda, não sabiam como conversar comigo, nem quem eu era e, no máximo, remoíam coisas como:
   -Józio - remoíam - Já está mais do que na hora, meu querido! O que dirão as pessoas? Se tu não queres ser médico, pelo menos sê ao menos um mulherengo ou um especialista em cavalos, mas torna-te em alguma coisa... em algo de concreto..."

"Recordações!  A maldita da humanidade reside no facto de a nossa existência neste mundo não tolerar uma hierarquia fixa e definida, visto que tudo flui e reflui em movimento permanente e que cada um de nós tem de ser percebido e avaliado pelos demais, e que a percepção que têm de nós os menos esclarecidos, os mais limitados e burros é-nos tão importante quanto a dos inteligentes, esclarecidos e subtis. Porque o homem, no fundo do seu ser, depende da imagem impressa na alma de outro homem, mesmo que a alma em questão seja a de um cretino. (...) Oh, estes julgamentos humanos, este abismo de conceitos e opiniões sobre a tua inteligência, o teu coração, o teu carácter, sobre todos os pormenores do teu organismo - que agora se expõem face àquele descarado que vestiu os seus pensamentos com letra impressa e os distribuiu aos homens em folhas de papel, oh, papel e mais papel, letras e mais letras.  (...) Na verdade, no mundo do intelecto, a violação é constante, não conseguimos fazer-nos valer por nós mesmos, mas vivemos em função dos outros, temos que ser como os outros nos vêem. (...) Ah a sensação de (...) ser ingénuo porque um ingénuo acha que sou ingénuo-, de ser estúpido porque um estúpido acha que sou estúpido-, de ser verde porque outro imaturo me mergulha e me banha no seu verdor-  ah, isto tudo poderia endoidecer-nos não fosse uma palavra - "mas" - que torna a vida tolerável!

Witold Gombrowicz,
Ferdydurke, 7Nós, 2011