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março 19, 2015


A   F   A   S   T   A   R
rima como 
A   P   R   O   F   U   N   D   A   R


©raquelsav. Łódź - Polónia  20 Março 2015 (Alexandre Farto (Vhils),    
  
 PLAY Frédéric Chopin- Arthur Rubinstein Noctunes

março 05, 2015

Alexandre Farto (Vhils), Alfama, maio de 2012,

PLAY Einstürzende Neubauten - Kollaps

Caderno Azul N.º 10
     Era uma vez um homem ruivo, sem olhos nem orelhas. Também não tinha cabelos, e só por convenção lhe chamávamos ruivo.
     Não podia falar porque não tinha boca. E nariz também não.
     Nem sequer tinha braços e pernas. Também não tinha barriga, nem coluna vertebral, nem mesmo entranhas. Não tinha coisa nenhuma! Por isso pergunto de quem estamos nós a falar.
     Dessa forma é preferível nada acrescentarmos a seu respeito.

Daniil Harms, Crónicas da Razão Louca, Hiena, 1994

fevereiro 26, 2015

©Alexandre Farto (Vhils)
PLAY David Bowie Space Oddity

     "Você incomoda-me, disse eu, quando aqui está não posso estender-me. Faz assim tanta questão em estender-se?, perguntou. O nosso mal é dirigir a palavra às pessoas. Basta pôr os pés nos meus joelhos, disse ela. Não me fiz rogado. Eu sentia as suas coxas roliças debaixo das barrigas-das-pernas. Começou a fazer-me festas nos tornozelos. E se eu mandasse uma sapatada na cona, disse comigo mesmo. Falamos em entender-nos e as pessoas vêem logo um corpo deitado. Aquilo que a mim, rei sem súbditos, me interessava, aquilo que o feitio da minha carcaça só denunciava no seu mais longínquo e fútil dos reflexos, era a supinação cerebral, o adormecimento da ideia do eu e da ideia deste pequeno resíduo de ninharias que envenenam, à qual damos o nome de não-eu e, por preguiça, até chamamos mundo. Mas ele, o homem moderno, ainda tem tesão aos vinte e cinco anos, de vez em quando mesmo física, é a cruz de cada um de nós, eu próprio me sujeitava a ela, se àquilo podemos chamar tesão. Como é natural ela notou, as mulheres farejam um falo no ar a mais de dez quilómetros e a si próprias perguntam Como é que o fulano conseguiu localizar-me? Nessas condições deixamos de ser nós mesmos, e é doloroso quando já não somos nós mesmos, apesar do que se diz ainda mais doloroso do que nas alturas em que o somos. Porque quando o somos, sabemos o que fazer para passarmos a sê-lo menos, ao passo que nas alturas em que já o não somos, somos outro qualquer, não há meio de nos apagarmos. O que se chama amor é exílio, de vez em quando com um postal ilustrado lá do sítio, esta noite deu-me para pensar assim. Quando ela acabou e o meu verdadeiro eu, o que está domado, se reconstituiu com ajuda de uma inconsciência rápida, dei comigo sozinho. Pergunto a mim próprio se tudo isto não passa de invenção, se as coisas não se passaram, de facto, de uma forma completamente diferente, de acordo com um esquema que tive de esquecer."

Samuel Beckett, Primeiro Amor, Hiena Editora, 1994