Mostrar mensagens com a etiqueta #Johannes.Bobrowski. Mostrar todas as mensagens
Mostrar mensagens com a etiqueta #Johannes.Bobrowski. Mostrar todas as mensagens

janeiro 22, 2021

©raquelsav | 2020

Há palavras que não dizemos
e que pomos sem dizê-las nas coisas.
E as coisas guardam-nas,
e um dia respondem-nos com elas
e salvam-nos o mundo,
como um amor secreto
em cujos dois extremos
há uma só entrada.
Não haverá uma palavra
dessas que não dizemos
que tenhamos colocado
sem querer no nada?

******************************
O ser começa entre as minhas mãos de homem.
O ser,
todas as mãos,
qualquer palavra que se diga no mundo,
o trabalho da tua morte,
Deus, que não trabalha.

Mas o não ser também começa entre as minhas mãos de homem.

O não-ser,
todas as mãos,
a palavra que se diz fora do mundo, 
as férias da tua morte,
a fadiga de Deus,
a mãe que nunca terá filho,
meu não morrer ontem.

Mas as minhas mãos de homem onde começam?

Roberto Juarroz | Poesia Vertical | Campo das letras| 1998


******************************

A PALAVRA HOMEM
A palavra Homem, como vocábulo
no lugar que é o seu
no dicionário Morais:
entre hombridade e homenagem.

A cidade
velha e nova,
muito animada, com árvores
também
e carros, aqui

ouço a palavra, o vocábulo
ouço-o muitas vezes aqui, podia
dizer em que bocas, podia começar
a contá-las.

Onde não há amor
não pronuncies essa palavra.
Johannes Bobrowski | Sinais de tempo in Como um Respirar- Antologia poética | Edições Cotovia| 1990


dezembro 17, 2016

Martine Franck | FRANCE Paris | 1977.

COM A TUA VOZ
Com a tua voz
fala pela noite
adentro o salgueiro, luzes
voam em seu redor.
No alto, uma flor-de-água
atravessa a escuridão.
Com os seus animais
respira o rio.

Levo para os cálamos
a minha casa entrançada.
O caracol
inaudível passa pelo meu telhado.
Gravado
na palma das minhas mãos
encontro o teu rosto.

MIT DEINER STIMME
Mit deiner Stimme
bis in die Nacht
redet der Weidenbusch, Lichter
fliegen um ihn.
Hoch, eine Wasserblume
fährt durch die Finsternis.
Mit seine Tieren
atmet der Fluß.

In den Kalmus
trage ich mein geflochtenes Haus.
Die Schnecke
unhörbar
geht über mein Dach.
Eingeszeichnet
in meine Handflächen
finde ich dein Gesicht.              

        
Johannes Bobrowski (1917 - 1965) | Como um respirar - antologia poética | 1990 | Edições Cotovia |Tradução João Barrento

agosto 19, 2016


Enfim temos
as duas mãos cheias de luz -
as estrofes da noite, as agitadas
águas batem de novo nas orlas
da margem, no sono cru,
sem olhos, dos animais no canavial
depois do abraço - então
voltamo-nos para a encosta
lá fora, contra o céu
branco que desce
frio sobre o
monte, a cascata de brilhos,
e cristaliza, gelo,
como caído de estrelas.

Na tua fronte
quero viver o pequeno
tempo, esquecido, deixar
passar silencioso
o meu sangue pelo teu coração


Einmal haben
wir beide Hände voll Licht -
die Strophen der Nacht, die bewegten
Wasser treffen den Uferrand
wieder, den rauhen, augenlosen
Sclaf der Tier im Schilf
nach der Umarmung - dann
stehen wir gegen den Hang
draußen, gegen den weißen
Himmel, der kalt
über den Berg
kommt, die Kaskade Glanz,
und erstarrt ist, Eis,
wie con Sternen herab

Auf deiner Schläfe
will ich die kleine Zeit
lebeb, vergeßlich, lautlos
wandern lassen
mein Blut durch dein Herz.
  
Johannes Bobrowski (1917 - 1965) | Como um respirar - antologia poética | 1990 | Edições Cotovia |Tradução João Barrento

março 24, 2016

BEGEGNUNG
Vom  überhängenden Baum
mit Namen
rief ich den wütenden Fisch.
Ich schrieb um den weißen Mond
eine Figur, geflügelt.
Aufträumt ich des Jägers Traum
es beschlafe ein Wild.

Gewölk zieht über dem Strom,
das ist meine Stimme,
Schneelicht über den Wäldern,
das ist mein Haar.
Über den finsteren Himmel
kam ich des Wegs,
Gras im Mund, mein Schatten
lehnte am Holzzaun, er sagte:
Nimm mich zurück.       

ENCONTRO
Da árvore vergada
chamei
pelo nome o peixe irado.
Tracei à volta da luz branca
uma figura, alada.
Veio-me o sonho do caçador
que sonha cobrir a presa.

Castelos de nuvens sobre o rio,
é a minha voz,
luz de neve sobre as florestas,
é o meu cabelo.
Pelo céu sombrio
cheguei,
erva na boca, a minha sombra,
encostada à cerca de madeira, disse:
Leva-me de volta.
        
Johannes Bobrowski (1917 - 1965) | Como um respirar - antologia poética | 1990 | Edições Cotovia |Tradução João Barrento

fevereiro 14, 2015

PLAY Patti Smith Gloria

ABANDONADOS

Abandonados
os espaços em que chegam as respostas, quando
as paredes desabam e desfiladeiros, das árvores
voam as sombras, quando se abandona
a erva debaixo dos pés,
solas brancas pisam o vento - 

a sarça chameja,
ouço-lhe a voz,
onde não havia perguntas águas
passam, mas eu não tenho sede.

Johannes Bobrowski, Sinais de Tempo in Como um Respirar- Antologia poética, Edições Cotovia, 1990
PLAY Tindersticks A Night In 

A NOMEAR, SEMPRE

A nomear, sempre:
a árvore, o pássaro em voo,
o rochedo avermelhado por onde passa
o rio, verde, e o peixe
no fundo branco, quando desce a noite 
sobre as florestas.

Sinais, cores, é 

um jogo, receio
que o resultado possa ser in-
justo.

E quem me ensina 

o que esqueci? - O sono
das pedras, o sono
dos pássaros em voo, o sono
das árvores, a sua fala
anda pelo escuro - 

Houvesse aí um deus

e incarnado,
e que me pudesse chamar, eu andaria
por aí, eu esperaria
um pouco.

Johannes Bobrowski Terra de Sombras. Rios in Como um Respirar- Antologia poética, Edições Cotovia, 1990