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agosto 04, 2016

Em Der Mann ohne Eigenschaften [O homem sem qualidades], de Musil, encontramos uma das mais fascinantes, originais, espirituosas e ricamente abastecidas mentes da literatura alemã. (...) O seu romance serve o liberalismo ao focar-se na consciência de Ulrich, cuja aguda percepção da possibilidade e da contingência o distancia ironicamente das estreitas ideologias que a maioria das pessoas confunde com a realidade. Encarando a realidade como provisória, ele tira um ‹‹sabático em relação à vida›› e observa uma rica série de falsos profetas, polímatos e descontrolados entusiastas de coisas superiores, exigindo ou proclamando novas certezas. Hostil por igual à verborreia deles e à violência latente nos sistemas filosóficos, Ulrich pratica uma abordagem à experiência chamada ‹‹ensaísmo››, que é em simultâneo experimental e rigorosa. Um matemático experimentado (como Musil), ele deseja aplicar a precisão científica a realidades tão evanescentes como as emoções e o misticismo. Longe de ser redutor, Musil emprega uma riqueza de metáforas para captar as mais fugazes tonalidades emocionais. O seu romance funciona da melhor maneira quando as reflexões ensaísticas se entrelaçam com a comédia social"
 
Ritchie Robertson | Do naturalismo ao nacional-socialismo (1890-1945) in História da Literatura Alemã de Helen Watanabe-O'Kelly | EditorialVerbo | 2003

julho 25, 2016

----PELO TRILHO ENSOPADO DE CHUVA
o pequeno sermão ilusório do silêncio.
É como se pudesses ouvir,
como se eu ainda te amasse. 

---- AUF ÜBERREGNETER FÄHRTE
die kleine Gauklerpredigt der Stille.

Es ist, als könntest du hören,
als liebt ich dich noch 

Paul Celan (1955) | Sete Rosas Mais Tarde | Cotovia | 1996 


--------MEIO-DIA, CEDO
(...)
O indizível passa, sussurado, sobre esta terra:
é já meio-dia. 

--------FRÜHER MITTAG
(...)
Das Unsägliche geht, leise gesagt, übers Land:
schon is Mittag
Ingeborg Bachmann (1953) | O tempo aprazado | Assírio&Alvim | 1992 


julho 22, 2016

©André Kertész (1894-1985)


---------------------------------------PRAIA BRETÃ
Reunido está o que vimos,
para despedida de ti e de mim:
o mar, que nos lançava noites por terra,
a areia, que as atravessou connosco,
a urze vermelho-ferrugem além
onde o mundo nos aconteceu.

BRETONISCHER STRAND
Versammelt ist, was wir sahen,
zum Abschied von dir und vom mir:
das Meer, das uns Nächte an Land warf,
der Sand, der sie mit uns durchflogen,
das rostrote Heidekraut droben,
darin die Welt uns geschah.

Paul Celan (1955) | Sete Rosas Mais Tarde | Cotovia | 1996 



--------------------------------------UMA ESPÉCIE DE PERDA
Usámos a dois: estações do ano, livros e uma música.
As chaves, as taças de chá, o cesto do pão, lencóis de linho e uma cama.
Um enxoval de palavras, de gestos, trazidos, utilizados, gastos.
Cumprimos o regulamento de um prédio. Dissémos. Fizémos. E estendemos sempre a mão.

Apaixonei-me por Invernos, por um septeto vienense e por Verões.
Por mapas, por um ninho de montanha, uma praia e uma cama.
Ritualizei datas, declarei promessas irrevogáveis,
idolatrei o indefinido e senti devoção perante um nada,

(- o jornal dobrado, a cinza fria, o papel com um apontamento)
sem temores religiosos, pois a igreja era esta cama.

De olhar o mar nasceu a minha pintura inesgotável.
Da varanda podia saudar os povos, meus vizinhos.
Ao fogo da lareira, em segurança, o meu cabelo tinha a sua cor mais intensa.
A campainha da porta era o alarme da minha alegria.

Não te perdi a ti,
perdi o mundo.


EINE ART VERLUST
Gemeinsam benutzt: Jahreszeiten, Bücher und eine Musik.
Die Schlüssel, die Teeschalen, den Brotkorb, Leintücher und ein Bett.
Eine Aussteuer von Worten, von Gesten, mitgebracht, verwendet, verbraucht.
Eine Hausordnung beachtet. Gesagt. Getan. Und immer die Hand gereicht.

In Winter, in ein Wiener Septett und in Sommer habe ich mich verliebt.
In Landkarten, in ein Bergnest, in einen Strand und ein Bett.
Einen Kult getrieben mit Daten, Versprechen für undkündbar erklärt,
angehimmelt ein Etwas und fromm gewesen vor einem Nichts,

(- der gefalteten Zeitung, der kalten Asche, dem Zettel mit einer Notiz)
furchtlos in der Religion, denn die Kirche war dieses Bett.

Aus dem Seeblick hervor ging meine unerschöpfliche Malerei.
Vom dem Balkon herab waren die Völker, meine Nachbarn, zu grüßen.

Am Kaminfeuer, in der Sicherheit, hatte mein Haar seine äußerste Farbe.
Das Klingeln an der Tür war de Alarm für meine Freude.

Nicht dich habe ich verloren,
sondern die Welt.

Ingeborg Bachmann (1953) | O tempo aprazado | Assírio&Alvim | 1992 


julho 20, 2016

[#1] "furibunda melancolia" | "ironia furibunda"

fotograma de "Nostalgia" | Andrei Tarkovsky (1983)


"Uma gota, mais uma gota fazem uma grande gota, não duas gotas." ("Nostalgia")



------------------------------------------------------------------- 4.

Coloca uma palavra
no vale da minha mudez
e planta florestas de ambos os lados,
para que a minha boca
fique toda à sombra.

In die Mulde meiner Stummheit
leg ein Wort
und zieh Wälder groß zu beiden Seiten,
daß mein Mund
ganz im Schatten liegt.

Ingeborg Bachmann (1953) | O tempo aprazado | Assírio&Alvim | 1992 

-------------------------------------------------AQUELE QUE NOS CONTAVA AS HORAS
Aquele que nos contava as horas
continua a contar.
Que estará ele a contar, diz?
Conta e torna a contar.

Não faz mais frio,
nem mais noite,
nem mais húmido.

Só aquilo que nos ajudava a escutar
agora escuta 
para si sozinho


DER UNS DIE STUNDEN ZÄHLTE
Der uns die Stunden zählen, sag?
Er zählt und zählt.

Nicht hühler wirds,
nicht nächtiger,
nicht feutchter.

Nur was uns lauschen half:
es lauscht nun
für sich allein

Paul Celan (1955) | Sete Rosas Mais Tarde | Cotovia | 1996 


31.10.1951, Paris

Meine liebe Inge,
dieses Leben scheint nun einmal aus Versaumnissen gemacht, und man tut vielleicht besser daran, nicht allzu lange an diesen herum- zuraetseln, sonst will kein Wort von der Stelle. 
(...)
Lass mich alles wissen, was mitteilbar ist, und darueber hinaus vielleicht manchmal eines von den leiseren Worten, die sich einfinden, wenn man allein ist und nur in die Ferne sprechen kann. Ich tue dann dasselbe.
Das Lichtest dieser Stunde!
Paul


Ingeborg Bachmann & Paul Celan  | Herzzeit: Briefwechsel | 2015 | 4. Ed | Suhrkamp

julho 01, 2016

PUMBA!

PLAY Savages | Shut up
"- Para o entenderes tens primeiro de saber o que é aquilo a que se chama normalidade, criatura minha irmã - explicou Ulrich, tentando travar com o gracejo as ideias galopantes. - O normal é uma manada não significar para nós mais do que carne de vaca a pastar. Ou então é um cenário idílico digno de ser pintado. Ou nem sequer reparamos nela. Vacas nos caminhos de montanha fazem parte dos caminhos de montanha, e só saberíamos verdadeiramente o que sentimos ao vê-los se, em seu lugar, ali estivesse um relógio eléctrico ou um prédio de rendimento. Geralmente pensamos: ficamos ou levantamo-nos? Queixamo-nos das moscas que zunem em volta da manada; tentamos perceber se há um touro no meio dela; perguntamo-nos se o caminho continua ou se acaba ali. Um sem-número de pequenos propósitos, preocupações, cálculos e percepções que, todos juntos, formam o papel sobre o qual se pinta a imagem de uma manada. Nada sabemos do papel, apenas vemos a manada em cima dele...
- E de repente o papel rasga-se! - exclama Agathe.
- É isso mesmo. Quer dizer: rasga-se uma qualquer trama de convenções que trazemos em nós. E subitamente o que ali anda a pastar deixa de ser alimento, motivo pictórico, nada me barra o caminho. Já nem sequer és capaz de formar as palavras ‹‹pastar›› ou ‹‹erva››, porque as associas a uma série de ideias úteis e pragmáticas que de um momento para o outro perdeste. Aquilo que fica à superfície do quadro poderia quando muito descrever-se como um ondular de sensações que sobem e descem ou respiram e cintilam como se preenchessem, sem contornos precisos, todo o campo de visão. É claro que o quadro contém muitas percepções isoladas, cores, chifres, movimentos, cheiros e tudo o que faz parte da realidade: mas isso deixa de ser reconhecido, apesar de darmos por essas coisas. O que quero dizer é que os pormenores estão despossuídos do egoísmo por meio do qual chamam a nossa atenção: passaram a estar ligados uns aos outros fraternalmente, literalmente de forma ‹‹‹íntima››. E evidentemente, nesta altura já não existe qualquer ‹‹superfície do quadro››, porque de algum modo todas as coisas extravasaram os seus limites e se passaram para dentro de nós.
E Agathe prosseguiu com a descrição:
-Agora só precisas de substituir o egoísmo dos pormenores pelo egoísmo do ser humano - exclamou -, para chegares àquilo que é tão difícil de exprimir: ‹‹Ama o próximo!›› não significa ama-o tal como és, mas define uma espécie de estado onírico!
-Todos os postulados da moral - confirmou Ulrich - definem uma espécie de estado onírico que já estão para lá das regras com que os formulamos!
- Sendo assim, não existe bem e mal, mas apenas a fé e... dúvida!- exclamou Agathe, que sentia agora como muito próximo, com toda a sua autonomia, e igualmente a sua perda, o estado de fé original assimilado pela moral, de que o irmão falara ao dizer que a fé não tem tempo para envelhecer.
-Pois é - concordou Ulrich -, no momento em que nos libertamos da vida não essencial, tudo entra em novas relações. Quase me apetecia dizer: tudo sai das relações. De facto, a nova relação é absolutamente desconhecida, não temos qualquer experiência dela, e todas as outras relações se apagam. Mas esta outra, apesar da obscuridade, é tão nítida que ninguém a pode negar. É intensa, mas de uma intensidade inapreensível. Poderia também dizer: geralmente olhamos para uma coisa e o olhar é como um pauzinho ou um fio esticado em que se apoiam os olhos e o objecto olhado, e há uma qualquer grande trama deste tipo que sustenta cada segundo. Mas naquela relação de tipo único há, pelo contrário, qualquer coisa de dolorosamente suave que separa as incidências do olhar.
-Não possuímos nada do que há no mundo, nada é sustentado por nós, não somos sustentados por nada - disse Agathe. "


Robert Musil (1880-1942) | O Homem sem Qualidades - Livro Segundo | Dom Quixote | 2008 | 2.ª Ed. |Trad. João Barrento


 PLAY Chopin & Martha Argerich | Andante Spianato & Grande Polonaise Brillante Op.22

junho 15, 2016

PLAY Teho Teardo + Blixa Bargeld | The Beast


"-Então não é bom ser-se bom? - perguntou ao irmão, com um brilho nos olhos semelhante ao de uns dias antes, ao manipular as condecorações do pai de um modo que provavelmente não seria visto como bom por toda a gente.
-Tens razão - respondeu ele com vivacidade. - É preciso realmente formar de novo uma frase como essa para lhe sentir o sentido original! Mas as crianças ainda gostam de ser boas, como gostam de gulodices...
- Mas também de ser más - completou Agathe.
- MAs será que ser bom é uma das paixões dos adultos? - perguntou Ulrich. - É um dos seus princípios! Não são bons, porque isso lhes soaria infantil, mas praticam o bem. Um homem bom é aquele que tem bons princípios e pratica boas acções: mas isso não impede - e este é um segredo sem segredos - que possa ser a mais repugnante das pessoas!
- Como o Hagauer - finalizou Agathe.
- Há nessas pessoas boas um paradoxo absurdo: transformam a situação em exigência, a graça em norma, o ser em objectivo. Nesta família dos bons só se comem restos durante toda a vida, enquanto corre o boato de que em tempos houve um dia festivo do qual todos descendem! É certo que de tempos a tempos aparecem algumas virtudes que se tornam moda, mas assim que isso acontece elas perdem logo a frescura.
- Uma vez disseste que uma acção pode ser boa ou má, dependendo do contexto - inquiriu Agathe.
  Ulrich concordou. A sua teoria era a de que os valores morais não são grandezas absolutas, mas conceitos funcionais. Mas quando nos pomos a moralizar e a generalizar arrancamo-los ao seu todo natural.
- E provavelmente é esse o ponto em que, no caminho da virtude, alguma coisa está errada - disse ele.
- Se não fosse assim, como é que os moralistas podiam ser tão aborrecidos - continuou Agathe - , quando o seu propósito de serem bons devia ser a coisa mais deliciosa, difícil e divertida que se possa imaginar?
   O irmão hesitou. Mas de repente saiu-lhe a afirmação que em breve os iria levar a uma relação inusitada.
  - A nossa moral - explicou - é a cristalização de um movimento interior completamente diferente dela. Nada do que dizemos faz sentido. Pensa numa frase qualquer, ocorre-me, por exemplo, esta: ‹‹Numa prisão deve imperar o arrependimento!›› É uma frase que se pode pronunciar com a melhor das consciências, mas ninguém a toma à letra, senão estávamos a pedir o fogo do inferno para os encarcerados! Como é que a entendemos, então? Há com certeza muito poucos que saibam o que é o arrependimento, mas todos dizem onde ele deve imperar. Ou então pensa em algo exaltante: como é que isso se mistura com a moral? Quando é que estivemos com o rosto tão mergulhado no pó que isso nos faça sentir a bem-aventurança do arrebatamento? Ou então toma à letra uma expressão como ‹‹ser assaltado por um pensamento››: no momento em que sentisses no corpo tal contacto já estarias no limiar da loucura! Cada palavra quer então ser lida na sua literalidade para não degenerar em mentira, mas não podemos tomar nenhuma à letra, sob pena de o mundo se transformar num manicómio! Há uma qualquer grande embriaguez que se eleva daí sob a forma de uma obscura recordação, e de vez em quando imaginamos que todas as nossas experiências são partes soltas e destruídas de uma antiga totalidade que um dia se foi completando de maneira errada.".

Robert Musil (1880-1942) | O Homem sem Qualidades - Livro Segundo | Dom Quixote | 2008 | 2.ª Ed. |Trad. João Barrento

junho 08, 2016


***
viver no sítio da fábrica. a fonte que regressa para si mesma..... o coração paga o fígado.

.....says the infant. vou morrer muito em breve. enterra no chão os palhaços que voltam a pôr-se sempre em pé.

que seja este indivíduo um rebanho, que continuando a caminhar, começava a pastar sobre outros corpos. os sócios que trabalham segundo o método bola de neve.

quantas refeições podes tu tomar hoje à noite......... sem ser esmagado pelos próprios progressos. os sobredotados entre as vítimas

........ paisagens de expectativas, consultáveis como um jardim da frente. reconhecemos nelas o incêndio florestal, e, por baixo, lençol de água.

o seu brilho é a sua didática....... uma lei governamental regulamenta o próximo.
quando vezes podes ir dormir esta noite. a thousand years.

***
auf dem werksgelände leben. die in sich zurücklaufende quelle..... das herz zahlt die leber.

says the infant.  ich werde sehr bald sterben.... bringe die stets wieder aufstehenden clowns in den boden ein.

...dieses individuum sei eine herde, die, indem sie weiterzog, auf anderen körpern zu grasen begann. die nach dem schneeballsystem arbeitenden gesellschafter.

wie viele mahlzeiten kannst du heute abend einnehmen...... ohne von den eigenen fortscritten erdrückt zu werden. die hoechbegabten unter den opfern.

landschaften aus erwartung..... einsehbar wie ein vorgarten. wir erkennen darin den waldbrand, darunter das grundwasser.

ihr leuchten ist ihre didaktik.... das nähere regelt ein bundesgesetz. wie häufig kannst du heute abend schlafen gehen.  a thousand years.

Daniel Falb (1977- ) |VERSschmuggel [contrabando de VERSOS] | Aurélie Mauri/Thomas Wohlfahrt | Wunderhorn- Editora 34 - Sextante Editora | 2009

"-De resto - continuou -, quanto mais velho fico, mais vezes me acontece ter odiado uma coisa que mais tarde, e por outras vias, acaba por seguir na mesma direcção do meu próprio caminho, de modo que de repente já não posso negar-lhe o direito à existência; ou então acontece descobrirem-se os lados negativos de ideias ou acontecimentos nos quais antes me empenhei. Se virmos as coisas a uma escala maior, parece então indiferente entusiasmarmo-nos, e o sentido para que orientamos esse entusiasmo. Tudo tem o mesmo fim, e tudo está sujeito a uma evolução que é impenetrável e infalível."

"Qualquer hábito humano, quando é desenvolvido até ao extremo, traz em si a semente da mudança, e toda a excitação que ultrapasse a rotina logo se cobre de um véu de tristeza, de absurdo e de excesso".

Robert Musil (1880-1942) | O Homem sem Qualidades - Livro Segundo | Dom Quixote | 2008 | 2.ª Ed. |Trad. João Barrento