agosto 04, 2016

"Não estamos em condições de nos salvar a nós próprios, sobre isso não restam dúvidas. Falamos em democracia, mas ela é apenas a expressão política para um estado de ‹‹Pode ser assim, mas também pode ser de outro modo››. Vivemos na época do boletim de voto. Até votamos todos os anos no nosso ideal sexual, a rainha da beleza, e o facto de termos transformado a ciência no nosso ideal intelectual não significa mais do que pôr na mão dos chamados factos um boletim de voto, para que eles escolham por nós. Este tempo é antifilosófico e cobarde: não tem coragem para decidir o que tem ou não tem valor, e a democracia, reduzida à sua expressão mais simples, significa: Fazer aquilo que acontece! Diga-se de passagem que é um dos mais desonestos círculos viciosos que alguma vez existiu na história a nossa raça."

(...)

"Se quisermos traduzir isso para a linguagem chã e profana de hoje, podemos chamar-lhe a percentagem, que actualmente é assustadoramente baixa, da participação dos indivíduos nas suas experiências e nos seus actos. No sonho ficamos com a impressão de que ela é de cem por cento, nos estados de vigília nem a meio por cento chega! (...) Chamei a isso um dia-(...)- a acústica do vazio."
Robert Musil (1880-1942) | O Homem sem Qualidades - Livro Segundo | Dom Quixote | 2008 | 2.ª Ed. | Trad. João Barrento