agosto 18, 2016

"A primavera é um fenómeno eléctrico.

Na primeira tentativa da flor há fealdade e ao mesmo tempo candura; depois, da noite para o dia uma gota de tinta como uma gota de leite. Basta que à névoa se misture o sol, para entreabir, ainda informe. Todos os seres, antes de se vestir, são abortos: têm medo de nascer belos.

Às vezes basta um dia. Dum instante para o outro, poeira azul, entontecimento, sonho...

E isto não é só material. Neste mistério há certa dor, certa tontura, há até espanto. É um olhar que se abre para o mundo. Pela emoção a árvore comunica com o universo e manifesta uma vontade que triunfa sobre a dor inconsciente.

Entre a árvore, o céu e a terra há um compromisso de ternura."

Raul Brandão (1917) Húmus | Relógio d'Água | 2015