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fevereiro 25, 2016

PLAY E la nave va

"Espreitando pelo buraco da fechadura, "Raquelle" deu o sinal: "Agora estão a falar de guerra". (...) Espreitando pelo buraco, o olhar ora recaía sobre o papel branco, ora sobre o nariz, ou passava uma grande sombra, ou brilhava um anel. A vida desmembrava-se em pormenores reluzentes; via-se o pano verde estender-se como um relvado, uma mão branca descansava sem se ver bem onde, translúcida como num museu de figuras de cera; e se olhassem muito de viés viam lá no canto a borla dourada do sabre do general. Até o mimado Solimão se mostrava impressionado. Vista através da fechadura e da imaginação, a vida assumia proporções fabulosas e inquietantes. A posição curvada fazia o sangue subir aos ouvidos, e as vozes atrás da porta ora ribombavam como blocos de rocha, ora deslizavam como sobre tábuas enceradas. Raquel ergueu-se devagar. O chão parecia levantar-se sob seus pés, e o espírito do acontecimento tomou conta dela como se tivesse metido a cabeça debaixo de um daqueles panos pretos utilizados pelos fotógrafos e pelos mágicos."

Robert Musil (1880-1942)
O Homem sem Qualidades, Dom Quixote, 2014 (4.ª Ed.)
(Trad. João Barrento)