«A tolice não é o meu forte. Vi muitos indivíduos; visitei várias nações; tomei parte em cometimentos vários de que não gostei; quase todos os dias comi; e de mulheres também tenho que contar. Revejo agora umas centenas de caras, dois ou três espectáculos, e talvez a substância de vinte livros. Não retive o melhor nem o pior destas coisas: ficou como pôde.
Esta aritmética poupa-me o espanto de envelhecer. Poderia igualmente contar os vitoriosos momentos do meu espírito, imaginá-los juntos e isolados, a formarem uma vida feliz… No entanto estou em crer que me julguei sempre bem julgado. Raramente me perdi de vista; detestei-me, adorei-me; — depois envelhecemos juntos.
Supus muitas vezes que tudo estivesse acabado para mim, eu estivesse a terminar-me com todas as forças, ansioso por me esgotar, esclarecer, qualquer dolorosa situação. Fez-me isto saber que apreciamos excessivamente o nosso pensamento, segundo a expressão do pensamento alheio! Desde aí, os biliões de palavras que andaram a zumbir-me nos ouvidos muito raro me abalaram por aquilo que se queria fazê-las dizer; e as que eu próprio disse a outros senti sempre que se faziam distintas, todas, do meu pensamento; - por ficarem invariáveis »
A noite com o Sr. Teste
Paul Valéry, O Senhor Teste, Relógio D'Água, 1985