maio 05, 2019

"A casa é a casa de família, é para lá pôr as crianças e os homens, para os manter num lugar feito para eles, para conter a sua perdição, para os distrair desse humor de aventura e de fuga que é o deles, desde o princípio dos tempos. Quando se aborda esse tema o mais difícil é chegar ao material liso, sem asperezas, que é o pensamento da mulher em torno dessa empresa demente que uma casa representa. A de procurar o ponto de união comum às crianças e aos homens.
    O próprio lugar da utopia é a casa criada pela mulher, essa tentativa à qual ela não resiste, e que é a de interessar aos seus não a felicidade mas na procura dela, como se os próprio interesse do empreendimento andasse em torno dessa procura, exactamente, e não se pudesse rejeitar com firmeza a proposta só por ser geral. A mulher diz que é preciso simultaneamente desconfiar e compreender esse interesse singular pela felicidade. Pensa que isso vai levar as crianças, mais tarde, a procurarem um estado feliz da vida. É o que pretende a mulher, a mãe, levar o filho a interessar-se pela vida. A mãe sabe que o interesse pela felicidade dos outros é menos perigosa para a criança do que acreditar na felicidade para a própria. (...)
    São as coisas em que as mulheres pensam muito, durante anos, e que fazem o leito do pensamento delas quando as crianças são pequenas: como evitar-lhes o mal. E isso para quase nunca levar a nada. 
(...)
   A casa interior. A casa material.
   A primeira escola foi a minha própria mãe."

Marguerite Duras | A vida material | Difel | 1987

maio 03, 2019

 
©raquelsav | 2019

PLAY Chet Baker | Almost Blue
 
Seria seguro que nos amarrassem os pés ao céu,
se neles houvesse todo o peso da terra.
Levitar, assim, distraidamente,
num poema inventado para fazer voar,
desses de dar asas a quem não tem onde cair vivo.
E, tão pesadamente, voar mesmo assim,
para esses lugares onde nascem os verbos
e repousam, sem fim, as palavras que não existem,
ainda.
fotograma "Ordet"  | 1955 | C. T. Dreyer

maio 01, 2019


fotogramas "Ovsyanki" | 2010 | Aleksei Ferdorchenko

“A água é o sonho de todo o Merja. Afogamentos para sufocar de  ternura, alegria e saudade. Se encontramos alguém que se afogou, não o queimamos. Nós amarramo-lo a um peso e devolvemo-lo à água. A água substitui o seu corpo por um novo, flexível. Morrer da água é a imortalidade para um Merja. (...)

Meu pai sonhava com afogamento, mas os Merja não se afogam. É descortês correr para o céu à frente dos outros. A própria água escolhe as pessoas. Ela é o juiz. (...)

O corpo de uma mulher também é um rio que leva a tristeza embora. A única pena é que não nos podemos afogar nele.