julho 14, 2022

"Terra Dormente"

raquelsav2022|Freixianda


Talvez um dia, enquanto humanos, assimilemos essa dura arte de saber arder por dentro, mantendo-nos de pé. De transmutar a dor em arma de resistência. De, no rescaldo do fogo, fazer brotar das cinzas o nosso tronco, os nossos braços, a nossa face. Ou então desarmar, deixar, simplesmente, arder. Até que a última cinza, que rastreia a memória de quem fomos, retorne ao pó comum e apague, irremediavelmente, a nossa marca, o nosso rastro.   

julho 05, 2022

[11] Palimpsesto



π Que foto é essa?
@ Um descuido. Uma distracção. Um erro.
π  O melhor olhar nasce da distracção e do erro.
@ Do objeto que nos rouba.
π  ...
@ ...
π  ...
@ Pena não conseguirmos escrever como quem olha.
π  Somos o que conseguimos escrever, não é?
@ ...
π  ...
@ Somos nada, então?
π  Somos silêncio. Não há como torná-lo palavra. A palavra estraga tudo, tu sabes.
@ O belo escreve-se de silêncio?
π ...
@ Passou tanto tempo.
π  Noutra vida.
@ Tanto, que já não sei adivinhar-te.
π ...
@ Que já não sei adivinhar-me.
π ...
@ O futuro, fosse hoje, seria um presente vazio: desembrulhas, fitas e papel no chão e nada, nada de nada.
π ...
@ Tenho saudades de mim, em ti.
π  Sempre disse que não percebes de amor.
@ Amar é dizer a verdade.
π  Quando muito, amas-te a ti própria - tanto tempo e não me dás novidade alguma.
@ Tenho saudades de ti em mim.
π Ah, afinal, ..., o tempo amoleceu-te.
@ Eu morri em ti. Só isso.
π  E os teus verbos continuam a não concordar com os substantivos.
@ ...
π Tu pensas o chão. É por isso que não voas.
@ ...
π  Ficarei assim, a olhar como quem escreve.
@ ...
π  ...
@ ...
π  ...
@ ...
π  ...
@ ...
π  ...
@ ...
π  Mas, agora, pintas as unhas?
@ ...
π  ...
@ ...
π  ...
@ Só nos pés. Só de roxo: como quem camufla mas não mimetiza.