são quatro ou cinco juro que não são mais| ou serão tantas que lhes perdi a conta?| noves fora e já se lhe veem o bucho e as tripas por não caber em si de contente|como se o mundo precisasse de lhe conferir as vísceras para saber de que é feita a sua felicidade| poupem-me|__sim é uma metáfora mas não precisava de o dizer pois não?__ |a mim pouco me importa quantas foram é-me igual ao litro ou ao decímetro cúbico|__ para os mais quadrados a medir fluídos__ |de qualquer forma a felicidade não carece de Técnico Oficial de Contas ou de agrimensor que a espartilhe para a medir|por isso não quero saber se foram quatro se mil|dependerá sempre de uma qualquer unidade antropomórfica|__ e por isso não padronizada__| ou seja quatro podem ser mil| e afinal tudo o que de melhor existe é mesmo incomensurável| desde que sei que entre o zero e o uno há um infinito desinteressei-me pela arte de contar| e pode dizer-se que não sou infeliz|
|Assim repito o nome e sinto ainda o incêndio no rosto :|| paul celan |Porque é com nomes que alguém sabe | onde estar um corpo| por uma ideia, onde um pensamento | faz a vez da língua.| herberto helder
abril 21, 2014
abril 16, 2014
abril 08, 2014
Al Berto
Vestígios |
noutros tempos quando acreditávamos na existência da lua foi-nos possível escrever poemas e envenenávamo-nos boca a boca com o vidro moído pelas salivas proibidas - noutros tempos os dias corriam com a água e limpavam os líquenes das imundas máscaras hoje nenhuma palavra pode ser escrita nenhuma sílaba permanece na aridez das pedras ou se expande pelo corpo estendido no quarto do zinabre e do álcool - pernoita-se onde se pode - num vocabulário reduzido e obcessivo - até que o relâmpago fulmine a língua e nada mais se consiga ouvir apesar de tudo continuamos e repetir os gestos e a beber a serenidade da seiva - vamos pela febre dos cedros acima - até que tocamos o místico arbusto estelar e o mistério da luz fustiga-nos os olhos numa euforia torrencial Al-Berto Horto de Incêndio |
abril 07, 2014
Daniel Faria
Amarro dois degraus para não subir
Sozinho. Monto no meu cavalo- o meu cavalo
Não vai para minha casa
Medito sobre o rasto que não cabe no meu destino
Na nossa escada era difícil transportar os familiares defuntos
E os familiares enfermos- vê meu pai como me lembro
Como aprendi a amarrar as vergônteas das vides
A minha viagem é mais funda do que os rios
É mais funda a tua mão- vê como me lembro- ela sabe
Onde é que o meu corpo não suporta correntes
Amarro dois degraus para não subir
Daniel Faria (Poesia, Edições Quasi, 2006, p. 319)
Sozinho. Monto no meu cavalo- o meu cavalo
Não vai para minha casa
Medito sobre o rasto que não cabe no meu destino
Na nossa escada era difícil transportar os familiares defuntos
E os familiares enfermos- vê meu pai como me lembro
Como aprendi a amarrar as vergônteas das vides
A minha viagem é mais funda do que os rios
É mais funda a tua mão- vê como me lembro- ela sabe
Onde é que o meu corpo não suporta correntes
Amarro dois degraus para não subir
Daniel Faria (Poesia, Edições Quasi, 2006, p. 319)
abril 02, 2014
E, aliás, é tudo uma questão de colo.
Dos que nasceram sem colo e que por toda a vida o procuram, sem nunca o encontrar. Isto porque há colos grandes por esse mundo, mas nunca suficientemente maiores do que o colo onde não se nasceu. E há dos que nasceram com colo a mais, vivendo na ilusão do colo ser sempre tão grande que os ampara das quedas pela vida fora. E eles amadurecem e o colo fica sem espaço para abrigar a parte que cresce.
Não acho que possam existir colos à medida, são-o sempre em defeito ou em excesso. E por isso o jogo do equilíbrio é tão desenfreadamente mais grave no correr da idade.
A quem falta, um dia a mais de vida é um dia a menos que tem para o encontrar.
A quem excede, um dia a mais de vida é um centímetro de colo a menos porque os colos, desde que nascem, minguam até deixarem de existir, em algum dia, sem aviso.
É tudo uma questão de colo e de alma que, quando amadurece, só sabe endurecer.
abril 01, 2014
Camus
" (...) A escravatura, ah, isso não, nós somos contra! Que se seja constrangido a instalá-la em sua casa, ou nas fábricas, bom, está na ordem das coisas, mas gabar-se disso é o cúmulo.
Sei bem que não se pode passar sem dominar ou ser-se servido. Todo o homem tem necessidade de escravos como de ar puro. Mandar é respirar, não é desta opinião? E até os mais deserdados chegam a respirar. O último na escala social tem ainda o cônjuge ou o filho. Se é celibatário, um cão. O essencial, em resumo, é uma pessoa poder zangar-se sem que outrem tenha o direito de responder. «Ao pai não se responde», conhece a fórmula? Em certo sentido, ela é singular. A quem se responderia neste mundo senão a quem se ama? Por outro lado, ela é convincente. É preciso que alguém tenha a última palavra. Senão, a toda a razão pode opor-se outra: nunca mais se acabava. (...)»
CAMUS, Albert, A Queda, (trad. de José Terra) Editora Livros do Brasil, Lisboa, 1971.