novembro 03, 2017

A arte de simplificar

A arte de simplificar ou quantas voltas dá "1+2" para ser "3"!

outubro 25, 2017

outubro 24, 2017

PLAY Bernardo Sassetti | Canço Nr. VI & Historia de Amor

De pedra em pedra
Te peço

Não morras de sede

Ou de luz


Daniel Faria (1971 -1999) | Poesia | Edições Quasi | 2006
©Martine.Franck | Paris | 1977

Explicação do poeta

Pousa devagar a enxada sobre o ombro
Já cavou muito silêncio

Como punhal brilha em suas costas
A lâmina contra o cansaço

Daniel Faria (1971 -1999) | Poesia | Edições Quasi | 2006

outubro 23, 2017

 

"Representation of the ordinal numbers up to ωω. Each turn of the spiral represents one power of ω. Transfinite induction requires proving a base case (used for 0), a successor case (used for those ordinals which have a predecessor), and a limit case (used for ordinals which don't have a predecessor)."



TRILHOS Ponte Romana


outubro 22, 2017

outubro 17, 2017

©João_Diogo

outubro 16, 2017

©Paweł Kuczyński


outubro 12, 2017

PLAY Tindersticks |  A nigth in

"Não sou astrólogo nem bruxo.
Uma vaga impaciência na voz.
Se adivinhasse o futuro...
Sabes o futuro até certa altura. Não faças batota.
Identificas-me contigo e falas de batota abusivamente. Confundes duas ordens de sonhos, esqueces metamorfoses irremediáveis, unificas o tempo, não consultas ninguém. Em termos rigorosos: só sei o teu passado. Onde está a batota?"

Carlos de OliveiraFinisterra paisagem e povoamento | Sá da Costa Editora | 3a. Edição | 1979

outubro 11, 2017



PLAY Pēteris Vasks | Plainscapes (Lidzenuma ainavas) for choir, violin, and cello

Como fractais,
em terceira pessoa do plural.

Estrangeiros do tempo,
escravos rarefeitos,
errantes imortais, 
de carne no osso.

[#1] Diálogo

"- A razão não é o único meio de dois seres se entenderem."
Robert Musil (1880-1942) | O Homem sem Qualidades |Dom Quixote | 2014 (4.ª Ed.)
(Trad. João Barrento)

*********************

"Uma coisa fiquei a saber: é falso que alguém se entenda falando." 
Adolfo Bioy Casares (1914 -1999) | Dormir ao sol | Editorial Estampa |1980

Karlheinz Stockhausen - Mikrophonie 1 - Film 1966


outubro 09, 2017

é.... (h)uma partida de crianças...

outubro 04, 2017

 O SENHOR
No entanto, ao menos os corsos servem para qualquer coisa. São carteiros. Quem nos traria o correio se não houvesse corsos?
 
A SENHORA
São um mal necessário

O SENHOR
O mal nunca é necessário

A SENHORA
Sim, isso também é verdade.

O SENHOR
Não julgue que eu desprezo a profissão de carteiro.

A SENHORA
Não há profissões mesquinhas!

O SENHOR, levantando-se
Minha senhora, acaba de dizer uma grande verdade! Merece a honra de um provérbio. Permita-me que a felicite... (Beija-lhe a mão.) Aqui tem a cruz de honra!

    Pendura no peito da senhora uma cruz de honra de escola primária.

A SENHORA
Oh, Senhor... não passo de uma mulher, apesar de tudo!... Mas se é sincero!

O SENHOR
Garanto-lhe, minha senhora. A verdade pode brotar de qualquer cérebro...

Ionesco | A menina casadoira | Editorial Presença | 1963  (Trad. Luísa Neto Jorge)
Kafka Desiste! e outras histórias ilustradas por Peter Kuper | Mundo Fantasma | 2003


outubro 03, 2017

"Umas vezes as palavras partem-se,
outras, inteiras rejubilam,
onde estão os cães que ladram em qualquer intimidade?
em que praia desembarcará o medo rastejante?
Em que toca o cimento engolirá algumas décadas
até não apodrecer?
O futuro onde estamos tem a iníqua alegria dos sacanas.

*

A palavra, hoje, mutila.
A palavra, hoje, mutila."

Rui Nunes (2014) | Nocturno Europeu | Relógio D'Água

outubro 02, 2017


Dar por certo e não ter como acertar.

PLAY Portishead | Roads

EINE ART VERLUST
Gemeinsam benutzt: Jahreszeiten, Bücher und eine Musik.
Die Schlüssel, die Teeschalen, den Brotkorb, Leintücher und ein Bett.
Eine Aussteuer von Worten, von Gesten, mitgebracht, verwendet, verbraucht.
Eine Hausordnung beachtet. Gesagt. Getan. Und immer die Hand gereicht.

In Winter, in ein Wiener Septett und in Sommer habe ich mich verliebt.
In Landkarten, in ein Bergnest, in einen Strand und ein Bett.
Einen Kult getrieben mit Daten, Versprechen für undkündbar erklärt,
angehimmelt ein Etwas und fromm gewesen vor einem Nichts,

(- der gefalteten Zeitung, der kalten Asche, dem Zettel mit einer Notiz)
furchtlos in der Religion, denn die Kirche war dieses Bett.

Aus dem Seeblick hervor ging meine unerschöpfliche Malerei.
Vom dem Balkon herab waren die Völker, meine Nachbarn, zu grüßen.

Am Kaminfeuer, in der Sicherheit, hatte mein Haar seine äußerste Farbe.
Das Klingeln an der Tür war de Alarm für meine Freude.

Nicht dich habe ich verloren,
sondern die Welt.

Ingeborg Bachmann (1953) | O tempo aprazado | Assírio&Alvim | 1992 

Alfredo Marceneiro - É tão bom ser pequenino


fotograma de "Cavalo de Turim" | Béla Tarr
PLAY Charlotte Gainsbourg | Beauty Mark

"Paro diante de cada ameaça de ruína para me examinar tal como sou. Justamente o que queria evitar. Mas trata-se sem dúvida de uma única maneira. Depois deste banho de lama conseguirei admitir melhor um mundo onde não seja uma nódoa. Que maneira de pensar a minha. Abrirei os olhos, ver-me-ei tremer, engolirei a minha sopa, olharei para o pequeno amontoado dos meus haveres, darei ao meu corpo as velhas ordens que o sei incapaz de cumprir, consultarei a minha consciência caducada, estragarei a minha agonia para a viver melhor, já longe do mundo que por fim se dilata e me deixa passar."
(...)

"E talvez esteja nesse ponto do seu instante em que viver é errar só e vivo no fundo de um instante sem limites, onde a luz não muda e onde os destroços são todos semelhantes. "
(...)

"Ou então é preciso termos toda a noite à nossa frente, para seguirmos as lentas quedas e ascensões do outros mundos, quando as há, ou para ficarmos à espera dos meteoros, e eu não tenho a noite toda à minha frente."

Samuel Beckett | Malone está a morrer | Dom Quixote

julho 31, 2017

julho 20, 2017

#Paradoxos



legenda:  S  A  U  D  A  D  E   é o somatório de  infinitas S  A  U  D  A  D  E  S



julho 04, 2017

©Gerard Castello-Lopes
A OUTRA CIDADE
Há muitas solidões cruzadas - diz - em cima e em baixo
e outras no meio; diferentes e semelhantes, forçadas e impostas
ou como que escolhidas, como que livres - mas sempre cruzadas.
Mas no fundo, no centro, há apenas uma solidão - diz; 
uma cidade vazia, quase esférica, sem quaisquer
anúncios luminosos multicores, sem lojas, sem motocicletas,
com uma luz branca, vazia, brumosa, interrompida
por centelhas de desconhecidos semáforos. NEsta cidade
habitam desde há anos os poetas. Caminham silenciosos de braços cruzados,
recordam factos imprecisos, esquecidos, palavras, paisagens,
estes consoladores do mundo, sempre inconsolados, perseguidos
pelos cães, pelos homens, pelos vermes, pelos ratos, pelas estrelas,
perseguidos até pelas suas próprias palavras, ditas ou não ditas.

Giánnis Ritsos (1972) | Antologia | Fora do Texto | 1993

junho 10, 2017

©Ema Spencer | Kitten's Party (Child Study) | 1899 (ca)
PLAY Dido and Aeneas | Purcell

Escolhemos o segredo dos lamentos,
das descidas cromáticas 
que adensam a beleza de tudo o que nos dói.
Inventamos escalas 
que nos sustentam os sorrisos modelados,
enquanto nos distraimos em infinitos círculos.

Degrau a degrau,
corrigimos a sombra dos passos,
prevemos as quedas.
   [e escolhemos cair]
PLAY Fernando Lopes-Graça | Acordai

"Hoje, como ontem, continuamos discípulos obedientes das escolas e processos mais ou menos marcantes lá de fora. E muita sorte quando essas escolas e processos não são já velhos cinquenta anos! - o que sucede na maioria dos casos. Os poucos artistas que entre nós têm coragem de ser de hoje, de afirmar uma titubeante personalidade, aqueles que possuem, na realidade, alguma originalidade (e alguns há) não contam: o meio asfixia-os; e eles acabam ou por transigir, ou por renunciar, ou por se matar.
Depois, a verdade é esta: Em Portugal não existe o problema artístico. Pode existir o problema a existência ou da subsistência material do artista. Mas aquilo a que pròpriamente se pode chamar problema artístico, isto é: a investigação das condições, determinantes e possibilidades de criação e da contemplação artísticas, donde resulta a vida real da arte - não, esse problema não existe cá. É doloroso, mas é assim mesmo." 

Fernando Lopes-Graça (1935) | Cultura, educação, arte, etc.  in "Disto e Daquilo" | Edição Cosmos | Lisboa | 1973

PLAY Fernando Lopes-Graça | Três Esconjuros

maio 31, 2017

"Maio as traz, Maio as leva"

PLAY Bernardo Sassetti | Prelúdio para uma história invisível 
 
Não precisa de Maio para ser lembrado. Mas Maio lembra-o (mais e mais).
PLAY Lhasa de Sela | Who By Fire (Leonard Cohen)

 Who By Fire  
And who by fire, 
who by water, 
who in the sunshine, 
who in the night time, 
who by high ordeal, 
who by common trial, 
who in your merry merry month of may,
 who by very slow decay, 
and who shall I say is calling?

maio 18, 2017


maio 12, 2017

 
quando estar
L  O  N  G  E

não é sinónimo de 

N  à O    E  S  T  A  R    P  E  R  T  O

maio 08, 2017

@Paula Rego | Mulher-cão
PLAY Peter Murphy | Subway


(...)
Que nos resta senão linguagem para povoar o mundo?
E no momento em que a linguagem defina o mundo
esse mundo é recusado
que não cabe à linguagem achar a definição
nem ao objecto ser definível. A ausência
embeleza o ausente
e para teu mel de lábio a incerteza do sabor de cada gota,
um outro lábio que sofre
essa incerteza. Um insistente fim, o estudo próximo,
a reverberação da angústia;
alguma coisa de importante foi esquecida.
Um poema é: nunca me deixes sozinho comigo.
Um poema é: não pode ser de outra maneira.       

Daniel Jonas | Os fantasmas inquilinos | Cotovia | 2005

abril 28, 2017

SÃO TRISTES OS MEUS DIAS COM PEDRAS
em lugar de mãos
ou a cabeça funda na brancura
de través do travesseiro
e o corpo depresso em moles guindastes.
São dias de chorar por menos
ou teimar queixoso com um crânio polido,
batuque convexo
no muro demorado.

Ficar a ouvir o sangue,
o som tubular do sangue. Ao vale seco
da clavícula atrair a água, o sangue
e sorver a sopa intestina
ou se o líquido escapa à boca
tantálica, calar com argila
o que me pede água.

Ficar a palpar buracos
da ausência, as ligas
da ausência, as ribanceiras
a que caem os pensamentos, a cor
dióspiro que banha a enfermidade
e em seguida tomar o pulso
evadido, travar o touro, o soco da dor,
o infinito infinitivo presente.

Uma amálgama de alma
migra no fôlego do modorrento
pregão de dor, o condor
passa e anda andino e é uma
traça asfixiante: faço um céu rarefeito,
a dispneia é um felino
que arranha céus
e a boca rebuliço espúmeo
expele o sabor da morte
e o que mais consiga cuspir

por entre ovéns e enxárcias
e traves quebradas.

É uma desilusão com as coisas,
uma desilusão funda com as coisas,
com o vazio meio-cheio das coisas.
Meu fôlego um fólio cheio
de silêncio, uma catástrofe natural

um vulcão: no meu pulmão pôr lava
e no trovão treva. 

Daniel Jonas | Os fantasmas inquilinos | Cotovia | 2005




abril 27, 2017


©Kafka’s own doodles
- Passas-me o livro que está em cima da mesa, por favor?
- Este?
- Não. Esse está em cima do sofá.
- Toma.
- Mas este é de BD e não estava em cima da mesa.
- Queres o Beckett?
- Não, não é o Beckett. O Beckett está na prateleira. Quero esse que está em cima da mesa, o Kafka.
- Mãe, eu ainda não sei ler.
- Estou a falar desse livro que está em cima da mesa grande, mesmo à tua frente. Não gozes comigo.
- Este?
- Sim. Irra, que estava difícil. Franz Kafka - o nome do autor.
- Ah, afinal sempre querias o Beckett! (risos)

©Beckett’s doodles from the “Watt” notebooks


abril 26, 2017


PLAY Pietro Mascagni | Cavalleria Rusticana - Intermezzo

Em quatro minutos,
elevar-me à dor

abril 22, 2017

©Thomas Hoepker |GERMANY. East Berlin. Fallen angels from facade of the Berlin cathedral in street | 1974

PLAY Massive Attack | Splitting the Atom
 
Nascemos para esse voo - infinito terrestre-
para a depuração de sinónimos,
com magia de códigos alpinos.

Enterramos a cabeça,
deixamos as pernas de fora,
esperamos que cresçam,
esperamos que andem.
Desperdiçamos quedas,
desperdiçamos abismos.

Fatalmente intoxicados,
por"se's" e "mas",
caímos, por terra, frouxos,
nestes corpos mínimos,
onde as asas não quiseram voar.

Agonizamos inscritos no epitáfio:
 «Aqui jazem,
infinitos indizíveis, por nascer».

abril 20, 2017

I cry in my sleep
Sometimes you stay
Sometimes you stay
You never know why
Please say my name
Don't turn away

[chorus]
The pain is black
The pain is bright
The pain is black
The pain is bright
The pain is bright

Then I awake
And in the half light
Watching my movements
Through half closed eyes
You're touching me
As a priest loves pornography
We played beneath the patterns[?]
Don't turn away

[chorus]

Kissed by the years
Caresses of time
Marking the lines
The lines of expression
The patterns of place
The patterns of youth
The patterns of love
Don't turn away
Say my name
Say my name

abril 14, 2017

©Leonard Freed | Wall Street |New York City. USA |1956
    
"Numa grande estrada não é raro vermos uma onda, uma onda solitária, onda fora do oceano.
     Não tem utilidade nenhuma, não constitui nenhum jogo.
     É um caso de espontaneidade mágica."

 *
*        *
     "Os Magos amam o escuro. Os principiantes não podem passar sem ele. Exercitam a mão, se assim pode dizer-se, em baús, roupeiros, guarda-fatos, cofres, caves, sótãos, caixas de escada.
     Não há dia em minha casa que não saia do armário qualquer coisa insólita, seja um sapo, um rato, aliás com cheiro a inépcia e que logo ali se esvai sem poder fugir.
     Até enforcados se encontravam, dos falsos claro está, onde nem a corda era verdadeira.
     Quem pode garantir que a gente se habitue com o tempo? Uma apreensão retinha-me sempre por um instante, com a mão indecisa no puxador. 
    Um dia rolou uma cabeça ensanguentada para cima do meu casaco acabado de estrear, sem lhe fazer, aliás, nenhuma nódoa.
     Depois de um instante - infecto - de nunca mais querermos viver outro igual - voltei a fechar a porta.
      Tinha que ser um noviço, este Mago, para não conseguir pôr uma nódoa num casaco tão claro.
    Mas a cabeça, o seu peso, o seu aspecto geral, tinham sido bem imitados. Pavorosamente, agoniado, eu já estava a senti-la a cair-me em cima quando desapareceu."

Henri Michaux (1967) | No País da Magia | Hiena Editora | 1987


Kate Bush - Wuthering Heights


abril 12, 2017

Crime & Castigo

©John_Dykstra
Heinrich von Kleist (1810) | Michael Kohlhaas, O Rebelde | Antígona | 2004

abril 07, 2017

©amy_schumer
"-Já estiveste apaixonado?
- O amor é para as pessoas reais.
- Pareces verdadeiro.
- As pessoas reais desagradam-me.
- Desagradam-te?
-Odeio-as. "

Charles Bukowski (1975) | Factotum | Alfaguara | 2017

António Variações | Povo que lavas no rio


abril 03, 2017

"Por vezes vinha um motorista novo, e eu pensava: como é que eles escolhem estes filhos da mãe? Temos água profundas de ambos os lados e basta uma má decisão para o tipo nos matar. Era ridículo. Suponhamos que ele tem uma discussão com a mulher nessa manhã? Ou o cancro? Ou visões de Deus? Dentes podres? O que seja. Estava ao seu alcance. Mandar-nos a todos para o galheiro. Eu tinha noção de que, se fosse eu ao volante, consideraria a possibilidade ou a desejabilidade de afogar toda a gente. E, por vezes, na sequência de tais considerações, as possibilidades tornam-se realidade. Para cada Joana d'Arc há um Hitler empoleirado na outra ponta do balancé. A velha história do bem e do mal. Mas nenhum dos motorista chegou a mandar-nos para o galheiro. Em vez disso, iam a pensar em prestações do carro, resultados do basebol, cortes de cabelo, férias, clisteres, visitas de família. Não havia um homem a sério naquela pandilha. Eu chegava sempre ao trabalho maldisposto mas em segurança. O que prova por que é que o Shumann era mais raltivo do que o Shostakovich..."

Charles Bukowski (1975) | Factotum | Alfaguara | 2017
©Paula Rego
"- Pronto, já está - dizia -, vou chegar quinze minutos atrasado. - E ela desandava para a casa de banho, feliz da vida, lavava-se, fazia cocó, olhava para os pêlos debaixo dos braços, olhava para o espelho, mais preocupada com a idade do que com a morte, depois vinha enfiar-se outra vez debaixo dos lençóis enquanto eu vestia as minhas cuecas sujas, ao som do trânsito lá fora, na Primeira Rua, a fluir para leste."

"As discussões eram sempre as mesmas. Já percebia perfeitamente: os grandes amantes são sempre homens de ócio. Eu fodia melhor quando era vagabundo do que a picar o ponto no trabalho."

Charles Bukowski (1975) | Factotum | Alfaguara | 2017
"- O que achas dos cortinados? (...)
Olhei para os cortinados. Eram asquerosos. Morangos vermelhos e enormes por todo o lado, rodeados de caules gotejantes. 
-Gosto dos cortinados - disse-lhe eu."
  
Charles Bukowski (1975) | Factotum | Alfaguara | 2017

março 30, 2017

 ©Edvard Munch | The Scream| 1910

"Meti-me na cama, abri a garrafa, enrodilhei bem a almofada atrás das costas, respirei fundo e fiquei no escuro a espreitar a janela. Era a primeira vez que estava sozinho em cinco dias. Eu era um tipo que se dava bem com a solidão; sem ela, era apenas mais um homem sem comida ou sem água. Enfraquecia a cada dia passado sem solidão. Não me orgulhava da minha solidão; mas dependia dela. A escuridão do quarto assemelhava-se à claridade para mim. Dei um gole de vinho.
    De repente, o quarto encheu-se de luz. Seguiu-se uma algazarra e um estrondo. A El passava à altura do meu quarto. Tinha passado um metro. Olhei para um friso de caras nova-iorquinas que também me olhavam. O comboio demorou-se, até que arrancou. Ficou escuro. Depois o quarto voltou a encher-se de luz. Olhei novamente para os rostos. Parecia a visão do inferno em repetição ininterrupta. Cada nova remessa de rostos era mais feia, demente e cruel do que a anterior. Dei um gole de vinho.
    A coisa continuava: escuridão e depois luz; luz e outra vez escuridão. Acabei o vinho e saí para ir buscar mais. Voltei, despi-me, enfiei-me novamente na cama. Prosseguia a chegada e partida dos rostos; tive a sensação de estar a ter uma visão. Estava a ser visitado por centenas de diabos que o Próprio Diabo não conseguia aturar. Dei mais um gole de vinho."
  
Charles Bukowski (1975) | Factotum | Alfaguara | 2017