outubro 22, 2018

"O silêncio torna-se sôfrego.
A fome dos silêncios cospe. Cospe-nos na cara.

Somos todos o sinal de uma antiga pobreza:
dedada de óleo, a impressão digital da fuligem:
os meus dedos são o que resta da ruína das fábricas"  

(...)
"Nunca são íntimos, os nossos dois corpos. A nudez afasta uma palavra da outra. Dois corpos nus tornam as palavras uma pele sombria. Estou perto de ti, toco-te, encerrado, preso, nesta proximidade. Um gesto. Um gesto é o cansaço de quem não sabe desistir. Estamos velhos: a única intimidade que os corpos criam é a morte: esperamos como bichos resignados. Adormeces. Levanto-me e escrevo. Porque o medo renasce de um quarto de hotel como de uma repetição. Com o cancro da sua pequena diferença. Tão breves, estes sulcos nada guardam. Porém uma cicatriz guarda o corpo inteiro. 
Rui Nunes (2014) | Nocturno Europeu | Relógio D'Água