dezembro 17, 2023

 

©raquelsav | 2023 | Lagoa de Maiorca


Olhamos tudo em silêncio na linha da praia

De olhos na noite suspensos do céu que desmaia;

Ai lua nova de Outubro, trazes as chuvas e ventos,

A alma a segredar, a boca a murmurar tormentos!


Descem de nuvens de assombro taínhas e bagres

Se as aves embalam os peixes em certos milagres;

Levita-se o corpo da alma, no choro das ladainhas,

Na reza dos condenados, nas pragas dos sitiados,

Na ilha dos ladrões, quem sai?

E leva este recado ao cais:

São penas, são sinais. Adeus.


Livra-me da fome que me consome, deste frio;

Livra-me do mal desse animal que é este cio;

Livra-me do fado e se puderes abençoado

Leva-me a mim a voar pelo ar!


Como se houvesse um encanto, uma estranha magia,

O sol lentamente flutua nas margens do dia.

Despe o meu corpo corsário, seca-me a veia maruja,

Morde-me o peito aos ais, das brigas, dos punhais,

Da ilha dos ladrões, quem sai?

E leva este recado ao cais:

São penas, são sinais. Adeus.


Andamos nus e descalços, amantes, sedentos

Se o véu da noite se deita na curva do tempo.

Ai lua nova de Outubro,

Os medos são medos das chuvas e ventos,

Da alma a segredar, da boca a murmurar


Adeus

Fausto Bordalo Dias

novembro 27, 2023

 

©raquelsav | 2023

Na Terra, não havia imunidade a ideias parvas… Na Terra, as ideias são como emblemas de amizade ou de inimizade. O seu conteúdo não importa. Os amigos concordam com amigos para expressar a sua amizade. Inimigos discordam de inimigos para expressar a sua inimizade… As ideias, como os emblemas, não puxava carroças… para ele, só havia uma maneira de a Terra ser: tal como era.”

Kurt Vonnegut | Pequeno-almoço de campeões

novembro 24, 2023

 

©raquelsav


PLAY  Fausto Bordalo Dias | Quando eu morrer 

Quando eu morrer
Não me dêem rosas
Mas ventos
Quero as ânsias do mar
Quero beber a espuma branca
Duma onda a quebrar
E vogar

Ah, a rosa dos ventos
A correrem na ponta dos meus dedos
A correrem, a correrem sem parar.
Onda sobre onda infinita como o mar.
Como o mar inquieto
Num jeito
De nunca mais parar.

Por isso eu quero o mar.
Morrer, ficar quieto,
Não.
Oh, sentir sempre no peito
O tumulto do mundo
Da vida e de mim.
E eu e o mundo.
E a vida.

Oh mar
O meu coração
Fica para ti
Para ter a ilusão
De nunca mais parar


Fausto Bordalo Dias

novembro 23, 2023

 

©Gilles Peress | ZAIRE. Goma. 1994. Near the border of Rwanda

Na noite anterior à sua partida, o discípulo dirigiu-se ao mestre:

- Mestre, estou de partida para a guerra. Disponho de inúmeras armas: facas, catanas, machados, espadas, armas de fogo, de entre muitas outras. Qual me aconselhas usar?

O mestre manteve-se em silêncio por alguns segundos e respondeu:

- Armas para combater homens?

- Sim, meu mestre - respondeu o discípulo.

O mestre refletiu, uma vez mais, e respondeu:

-Usa ratoeiras.

novembro 17, 2023

 

©raquelsav | 2023

é dela o acto calmo

os poros sapientes o sexo sorridente

a espera pouco lenta o lamento pouco longo a ausência

a serviço da presença

na cabeça farrapos de céu os pontos enfim mortos do coração

toda a graça tardia de chuva estiando

quando cai uma noite

de Agosto


é dela vazia

ele puro

de amor


Samuel Beckett | Poemas (1937-1939)

outubro 29, 2023

 

Fotograma do filme “o quadrado” de Ruben Östlund (2017)

APELO
De vez em quando paramos de crescer. É da chuva, do frio, desta humidade a que estão sujeitos no norte ossos e barcos, árvores e pedras. É então grande a tentação da pocilga. Como se o fecundo calor do porco fosse uma promessa, um apelo, às nossas trevas, do sol escondido na palha apodrecida”.

Eugénio de Andrade, 1.12.1985

outubro 03, 2023

 

Fotogramas de "Drive my car" de Ryusuke Hamaguchi

debaixo do queixo e começa a tocar e, de repente, algo se mexe dentro dela e ela é levantada e ergue-se mais e mais e na música que ele toca… ela sabe o que sabe e deste modo ela está ali presente no seu próprio futuro e tudo em aberto e tudo é difícil menos a canção, essa está ali e deve ser a canção a que chamam amor, e assim ela só está presente na música que está a ser tocada e não quer existir em nenhum outro lugar…
Jon Fosse | Triologia


outubro 01, 2023

 

©raquelsav | 2023 | Loret del Mar

PLAY Tuxedomoon | In a manner of speaking

In a Manner of speaking

I just want to say

That I could never forget the way

You told me everything

By saying nothing

In a manner of speaking

I don't understand

How love in silence becomes reprimand

But the way that i feel about you

Is beyond words

O give me the words

Give me the words

That tell me nothing

O give me the words

Give me the words

That tell me everything

In a manner of speaking

Semantics won't do

In this life that we live we live we only make do

And the way that we feel

Might have to be sacrified

So in a manner of speaking

I just want to say

That just like you I should find a way

To tell you everything

By saying nothing.

O give me the words

Give me the words

That tell me nothing

O give me the words

Give me the words

Give me the words

Tuxedomoon

setembro 24, 2023

 


setembro 21, 2023

 

©raquelsav | 2023 | Switzerland Matterhorn


Eu queria mais altas as estrelas,
Mais largo o espaço, o sol mais criador,
Mais refulgente a lua, o mar maior,
Mais cavadas as ondas e mais belas;

Mais amplas, mais rasgadas as janelas
Das almas, mais rosais a abrir em flor,
Mais montanhas, mais asas de condor,
Mais sangue sobre a cruz das caravelas!

E abrir os braços e viver a vida,
— Quanto mais funda e lúgubre a descida
Mais alta é a ladeira que não cansa!

E, acabada a tarefa... em paz, contente,
Um dia adormecer, serenamente,
Como dorme no berço uma criança!
Florbela Espanca

setembro 15, 2023

 

©raquelsav | 2023
Ser moderno é encontrar-se num ambiente que promete aventura, poder, alegria, crescimento, auto-transformação e transformação das coisas em redor - mas ao mesmo tempo ameaça destruir tudo o que temos, tudo o que sabemos, tudo o que somos. A experiência ambiental da modernidade anula todas as fronteiras geográficas e raciais, de classe e nacionalidade, de religião e ideologia: nesse sentido, pode-se dizer que a modernidade une a espécie humana. Porem, é uma unidade paradoxal, uma unidade de des-unidade: ela despeja-nos a todos num turbilhão de permanente desintegração e mudança, de luta e contradição, de ambiguidade e angústia. Ser moderno é fazer parte de um universo no qual, como disse Marx, "tudo o que é sólido se dissolve no ar".Marshall Berman | Tudo o que é sólido se dissolve no ar

setembro 11, 2023

 

Fotograma da série "Halt and Catch Fire"

"A verdadeira segurança é não confiar em ninguém"

agosto 02, 2023

 



Fotograma de Sånger från andra våningen | Roy Andersson

julho 16, 2023

 

©raquelsav | 2023 | Budapeste

QUEM LEVARÁ O AMOR?

Quando meu ser pra sempre se fundir,

quem adorará violino do grilo?

Chama quem soprará no ramo frio?

Quem se deitará sobre o arco-iris?

Chorando, quem abraçará rochosas

ancas ora campos de leves ondas?

Quem acariciará duros cabelos

de raízes nas paredes, artérias?

E à fé devastadora erigirá

quem uma de injúrias catedral?

Quando meu ser pra sempre se fundir,

quem os abutres amedrontará?

E quem levará para a outra margem

o Amor em seus dentes apertado?


Nagy László (1925-1978) | Antologia da poesia húngaras | Âncora Editora | 2002 | 

Trad. e Selec. Ernesto Rodrigues

julho 15, 2023

 

©raquelsav | 2023 | Budapeste

DESENLACE

Talvez eu esteja no meio.

Talvez seja noite. Talvez, crepúsculo.

Uma certeza: faz-se tarde.

Pilinszky János (1921 - 1981) | Antologia da poesia húngara | Âncora Editora | 2002 | 

Trad. e Selec. Ernesto Rodrigues

 

Fotograma da série "Grantchester"

"- Homicídio dá pena de morte.
- A vida também, Inspector"

maio 20, 2023

 

©raquelsav 

“Perguntou se trazia dinheiros. Respondeu-lhe D. Quixote que nem branca, porque nunca tinha lido nas histórias dos cavaleiros andantes que nenhum os tivesse trazido”
Cervantes

fevereiro 21, 2023

 


fevereiro 08, 2023

 

Fotograma de “A pior pessoa do mundo” de Joachim Trier