|Assim repito o nome e sinto ainda o incêndio no rosto :|| paul celan |Porque é com nomes que alguém sabe | onde estar um corpo| por uma ideia, onde um pensamento | faz a vez da língua.| herberto helder
janeiro 18, 2024
janeiro 14, 2024
©msvgon |2024 |
Padre: Sentes alegria com o suicídio da tua madrasta?
Hipólito: Não. Ela era humana.
Padre: Então onde é que vais buscar essa alegria?
Hipólito: Cá dentro.
Padre: Acho difícil de acreditar.
Hipólito: Claro que achas. Tu pensas que vida não tem sentido a menos que haja outra pessoa para nos torturar.
Padre: Não tenho ninguém para me torturar.
Hipólito: Tu tens o pior amante de todos. Não só pensa que é perfeito, como é. Sinto-me satisfeito por estar só.
Padre: A auto-satisfação é uma contradição logo à partida.
Hipólito: Eu posso confiar em mim. Nunca me desiludo.
Padre: A verdadeira satisfação vem com amor.
Hipólito: E quando o amor morre? O despertador toca é hora de acordar, o que é que se faz então?
Padre: O amor nunca morre. Evolui.
Hipólito: Tu és perigoso.
Sarah Kane | O amor de Fedra
janeiro 02, 2024
PLAY Squid | Pamphlets
Legs still but the herd is in motionCould you do another and could we be in motion?
Pamphlets through my door and pamphlets on my floor
Open wide, we’ve got everything, everything that you like
Squid
dezembro 17, 2023
©raquelsav | 2023 | Lagoa de Maiorca |
Olhamos tudo em silêncio na linha da praia
De olhos na noite suspensos do céu que desmaia;
Ai lua nova de Outubro, trazes as chuvas e ventos,
A alma a segredar, a boca a murmurar tormentos!
Descem de nuvens de assombro taínhas e bagres
Se as aves embalam os peixes em certos milagres;
Levita-se o corpo da alma, no choro das ladainhas,
Na reza dos condenados, nas pragas dos sitiados,
Na ilha dos ladrões, quem sai?
E leva este recado ao cais:
São penas, são sinais. Adeus.
Livra-me da fome que me consome, deste frio;
Livra-me do mal desse animal que é este cio;
Livra-me do fado e se puderes abençoado
Leva-me a mim a voar pelo ar!
Como se houvesse um encanto, uma estranha magia,
O sol lentamente flutua nas margens do dia.
Despe o meu corpo corsário, seca-me a veia maruja,
Morde-me o peito aos ais, das brigas, dos punhais,
Da ilha dos ladrões, quem sai?
E leva este recado ao cais:
São penas, são sinais. Adeus.
Andamos nus e descalços, amantes, sedentos
Se o véu da noite se deita na curva do tempo.
Ai lua nova de Outubro,
Os medos são medos das chuvas e ventos,
Da alma a segredar, da boca a murmurar
Adeus
Fausto Bordalo Dias
novembro 27, 2023
©raquelsav | 2023 |
Na Terra, não havia imunidade a ideias parvas… Na Terra, as ideias são como emblemas de amizade ou de inimizade. O seu conteúdo não importa. Os amigos concordam com amigos para expressar a sua amizade. Inimigos discordam de inimigos para expressar a sua inimizade… As ideias, como os emblemas, não puxava carroças… para ele, só havia uma maneira de a Terra ser: tal como era.”
Kurt Vonnegut | Pequeno-almoço de campeões
novembro 24, 2023
©raquelsav |
Quando eu morrer
Não me dêem rosas
Mas ventos
Quero as ânsias do mar
Quero beber a espuma branca
Duma onda a quebrar
E vogar
Ah, a rosa dos ventos
A correrem na ponta dos meus dedos
A correrem, a correrem sem parar.
Onda sobre onda infinita como o mar.
Como o mar inquieto
Num jeito
De nunca mais parar.
Por isso eu quero o mar.
Morrer, ficar quieto,
Não.
Oh, sentir sempre no peito
O tumulto do mundo
Da vida e de mim.
E eu e o mundo.
E a vida.
Oh mar
O meu coração
Fica para ti
Para ter a ilusão
De nunca mais parar
Fausto Bordalo Dias
novembro 23, 2023
©Gilles Peress | ZAIRE. Goma. 1994. Near the border of Rwanda |
Na noite anterior à sua partida, o discípulo dirigiu-se ao mestre:
- Mestre, estou de partida para a guerra. Disponho de inúmeras armas: facas, catanas, machados, espadas, armas de fogo, de entre muitas outras. Qual me aconselhas usar?
O mestre manteve-se em silêncio por alguns segundos e respondeu:
- Armas para combater homens?
- Sim, meu mestre - respondeu o discípulo.
O mestre refletiu, uma vez mais, e respondeu:
-Usa ratoeiras.
novembro 17, 2023
©raquelsav | 2023 |
é dela o acto calmo
os poros sapientes o sexo sorridente
a espera pouco lenta o lamento pouco longo a ausência
a serviço da presença
na cabeça farrapos de céu os pontos enfim mortos do coração
toda a graça tardia de chuva estiando
quando cai uma noite
de Agosto
é dela vazia
ele puro
de amor
Samuel Beckett | Poemas (1937-1939)
outubro 29, 2023
Fotograma do filme “o quadrado” de Ruben Östlund (2017) |
APELO
De vez em quando paramos de crescer. É da chuva, do frio, desta humidade a que estão sujeitos no norte ossos e barcos, árvores e pedras. É então grande a tentação da pocilga. Como se o fecundo calor do porco fosse uma promessa, um apelo, às nossas trevas, do sol escondido na palha apodrecida”.
Eugénio de Andrade, 1.12.1985
outubro 03, 2023
outubro 01, 2023
©raquelsav | 2023 | Loret del Mar |
PLAY Tuxedomoon | In a manner of speaking
In a Manner of speaking
I just want to say
That I could never forget the way
You told me everything
By saying nothing
In a manner of speaking
I don't understand
How love in silence becomes reprimand
But the way that i feel about you
Is beyond words
O give me the words
Give me the words
That tell me nothing
O give me the words
Give me the words
That tell me everything
In a manner of speaking
Semantics won't do
In this life that we live we live we only make do
And the way that we feel
Might have to be sacrified
So in a manner of speaking
I just want to say
That just like you I should find a way
To tell you everything
By saying nothing.
O give me the words
Give me the words
That tell me nothing
O give me the words
Give me the words
Give me the words
setembro 21, 2023
©raquelsav | 2023 | Switzerland Matterhorn |
Mais largo o espaço, o sol mais criador,
Mais refulgente a lua, o mar maior,
Mais cavadas as ondas e mais belas;
Mais amplas, mais rasgadas as janelas
Das almas, mais rosais a abrir em flor,
Mais montanhas, mais asas de condor,
Mais sangue sobre a cruz das caravelas!
E abrir os braços e viver a vida,
— Quanto mais funda e lúgubre a descida
Mais alta é a ladeira que não cansa!
E, acabada a tarefa... em paz, contente,
Um dia adormecer, serenamente,
Como dorme no berço uma criança!
Florbela Espanca
setembro 15, 2023
©raquelsav | 2023 |
setembro 11, 2023
agosto 02, 2023
julho 16, 2023
©raquelsav | 2023 | Budapeste |
QUEM LEVARÁ O AMOR?
Quando meu ser pra sempre se fundir,
quem adorará violino do grilo?
Chama quem soprará no ramo frio?
Quem se deitará sobre o arco-iris?
Chorando, quem abraçará rochosas
ancas ora campos de leves ondas?
Quem acariciará duros cabelos
de raízes nas paredes, artérias?
E à fé devastadora erigirá
quem uma de injúrias catedral?
Quando meu ser pra sempre se fundir,
quem os abutres amedrontará?
E quem levará para a outra margem
o Amor em seus dentes apertado?
Nagy László (1925-1978) | Antologia da poesia húngaras | Âncora Editora | 2002 |
Trad. e Selec. Ernesto Rodrigues
julho 15, 2023
maio 20, 2023
fevereiro 21, 2023
fevereiro 08, 2023
dezembro 13, 2022
©raquelsav | 2022 | Castro Laboreiro |
PLAY Ash Ra Tempel | Day dream
"I will come to see after a year
To know if you'll be happier
And he vanished
In the secret of the universe
And he vanished
In the secret of the universe”
Ash Ra Tempel
novembro 20, 2022
outubro 29, 2022
Funchal, década de 60 Padre João Vieira (15.02.1927 - 24.10.2022) |
outubro 09, 2022
outubro 01, 2022
Eu era lume sobre sede e tu procuravas dar-me a beber, gomo a gomo, laranja-cor-de-sangue de Simic. Demoravas repetidas vezes:
- A laranja parte-se em silêncio à entrada de noites fabulosas.
E eu ouvia cada sílaba, na cadência dos teus lábios secos. Não entendia. Sempre ouvira dizer que de manhã é ouro, à tarde prata mas que, à noite, a laranja mata. E era noite. Demasiadamente noite.
Desesperada, repeti, em fuga, baixo contínuo, o que me pareceu uma troca justa.
|| Um gomo por uma nota de Bach. Uma sílaba tua por uma nota de Bach:||
Tu recusaste. Disseste que eu não tinha a cabeça de vidro.
- Não és transparente e não se come laranja com a boca suja. Não distinguirias o doce da laranja do amargo da palavra. Nunca, para ti, o gomo secreto de Al Berto. Não és do lado de fora da cidade.
Ficámos em silêncio.
Impusemos a despedida.
________________________
Hoje, ainda te oiço:
- Tu não tens como matar a sede.
Concordo. Nunca possuirei a transparência louca e ácida de quem compreende a laranja. Mas releio-me na "alta solidão que nem pode ser nossa de tão pura".
E eu sei que
não há sede que a palavra, nos teus lábios, não (me) mate.
setembro 03, 2022
julho 14, 2022
"Terra Dormente"
julho 05, 2022
[11] Palimpsesto
π ...
@ Pena não conseguirmos escrever como quem olha.
@ ...
π ...
@ Somos nada, então?
π Somos silêncio. Não há como torná-lo palavra. A palavra estraga tudo, tu sabes.
@ O belo escreve-se de silêncio?
π ...
@ Passou tanto tempo.
π Noutra vida.
@ Tanto, que já não sei adivinhar-te.
π ...
@ Que já não sei adivinhar-me.
π ...
@ O futuro, fosse hoje, seria um presente vazio: desembrulhas, fitas e papel no chão e nada, nada de nada.
π ...
@ Tenho saudades de mim, em ti.
π Sempre disse que não percebes de amor.
@ Amar é dizer a verdade.
π Quando muito, amas-te a ti própria - tanto tempo e não me dás novidade alguma.
@ Tenho saudades de ti em mim.
π Ah, afinal, ..., o tempo amoleceu-te.
@ Eu morri em ti. Só isso.
π E os teus verbos continuam a não concordar com os substantivos.
π Ficarei assim, a olhar como quem escreve.
π ...
π ...
π ...
π ...
π ...
π ...
maio 31, 2022
maio 22, 2022
maio 20, 2022
maio 15, 2022
“e ela cegae ela sabe
ai onde vai
e ela cai
mas ao cair
finge-se cega
e ela entrega
sente o fundo
de quem a tem
e ela vem
sem que alguém
sinta chegar
e ela dor
deixa-te só
faz-te chorar
ela ensina
ela engana
ai a saudade
e o desejo
de mais um beijo
tocar a mão
e se ela existe
ela resiste
mesmo se os olhos
dizem que não ela insiste
espera em vão
mas ela é vida
triste a vida
sem ela”
Sitiados
abril 27, 2022
abril 22, 2022
abril 01, 2022