março 21, 2013

Ruy Belo

Nau dos Corvos
Nau parada de pedra que tanto navega
e há tanto está no mar sem nunca a porto algum chegar
nau só a ocidente e todo o mar em frente
condensada insolência intemerato desafio
a mundos devassados mas desconhecidos
corvos de água e de vento aves feitas de tempo
que tão completamente são dois olhos côncavos
e fitos só nas coisas que importam verdadeiramente
nave que sulca não as águas mas os dias
navio de carreira entre o tempo e a eternidade
num espaço onde um simples segundo tem a minha idade
pedra que só aqui se liquefaz
água que só aqui solidifica
cais quente coração de corvos
vistos por quem nunca antes vira a solidão caber
em tão poucos centímetros quadrados
do mínimo de corpo necessário para a vida se afirmar
ó nau navio corvos pedra água cais
aqui estou eu sozinho todos os demais ficaram para trás
Aqui nada decorre e nada permanece
aqui os corvos são a solidão multiplicada
consistente conglomerada mas estilhaçada
unificada mas feita em bocados
De todos estes bicos curvos extremo ósseo dos corvos
onde depois os corvos passam a ser pedra e depois água
sai uma voz vasto discurso cada vez
Os corvos são a pedra menos pétrea de cabo
é nos corvos que o mar deixa de ser marítimo
Nesta nau se efectua esse comércio secular
da terra feita pedra com a água mais doméstica do mar
A névoa envolve e como que enovela os corvos
a rocha é um buliçoso e anárquico aeroporto
donde em cada momento sai um corvo
aéreo ante cujo vulto que levanta eu me curvo
O moreira baptista decerto gostaria que os corvos
se não os palradores os que ganham prémios literários
pelo menos os rudes negros os incultos mas os verdadeiros corvos
poisassem sempre no mais alto do rochedo
mas quando no inverno sopra o vento norte
e sentem frio poisam nalguma parte baixa para o lado sul
e estão-se marimbando para a propaganda
de um país vendido que eles não compraram
eles humildes corvos aves e não peixes nunca tubarões
Só aqui podem ver-se às vezes coisas invisíveis
o infinito aqui começa a acabarem nenhum outro sítio se ouve tanto o inaudível
nem assim se define o que não tem definição
Deste porto se parte para mais que transatlânticas viagens
e em tão poucos segundos é difícil ver tantas imagens
Ninguém é cidadão deste tão pétrea pátria
nem mesmo há quem mereça aqui poisar só por instantes a cabeça
até que a prostração mais funda no total desapareça
Permite ó nau petrificar aqui
a minha sensação mais passageira
ou o meu mais instável pensamento
Eu nunca até agora e já sou velho vi
quebrar assim o tempo como quebra em ti
Que aqui o sol escureça e a noite que amanheça
neste morrer da terra onde uma vida sem cessar começa
Que após ter visto a nau mais náutica de todas essas naus
que sulcaram os inumeráveis séculos oceânicos
feitos tanto de tempo como de água
finalmente me fosse lícito fechar
definitivamente os olhos que apesar de tanto olhar
não conseguem optar entre a pedra e o mar
E só agora findas as palavras eu pressinto
pela primeira vez haver algum poema
por detrás do poema pura coisa de palavras
Ruy Belo

fevereiro 09, 2013



Não nascemos inteiramente! Fazemo-nos de uma luta de vontades! 
Fazemo-nos no nosso tempo!
Esticando-o.... encolhendo-o .... 
Encolhendo e esticando o limbo,
sem rede, vara ou colete.
E quebrando... quebrando...
Somos entre o tiro e o ricochete.

Não somos inteiramente! Fazemo-nos de uma luta de vontades!
De disfarce em disfarce
Vestindo-o.... despindo-o.....
Despindo e vestindo a razão,
sem cortina, biombo ou portada.
E desnudando.... desnudando...
Somos no reflexo da partida na chegada.
(#Raquel#9/02/2013)


"Nunca parto inteiramente
Vivo de duas vontades:
Uma que vai na corrente,
A outra presa à nascente
Fica para ter saudades"

junho 24, 2012

 PLAY Barrios | Julia Florida | David Russel 

julho 11, 2010

Arca de Noé

Escondo um quilo de sorriso e magia
E, sem ninguém ver, outro de esquecimento.
Trago a pureza perdida do pó barrento,
E amor e paixão que nem Deus media.
Guardo metros e quilómetros de sabedoria
E um par de sabor a vento,
Três ou quatro pés de vontade e alento
Um sol, uma noite, uma lua, um dia.
Guardo a certeza de tudo o que é,
Carrego em meu peito a imensidão
de um mar, uma história e uma canção.
E a arca de Noé, dos nossos sonhos e fé,
Cheia, navega no dilúvio do teu peito,
E faz do Tudo, de mim e de ti, um só feito!

(Raquel, num combóio entre Aveiro e Ourém, 11 de Fevereiro de 2002... reflectindo sobre onde se encontra...)

fevereiro 25, 2007

a primeira versão


PLAY Symphonie Fantastique
Devia ter os meus 14-15 anos quando ouvi pela primeira vez a Symphonie Fantastique de Berlioz. Ainda hoje tenho presente a sensação que tive: um misto de deslumbramento, magia e suspense. Não pude deixar de pedir o CD emprestado, gravar uma cassete. Era impensável comprar o CD na época. Reproduzi-a tanto!

PLAY Concerto de Aranjuez

Talvez com 16-17 anos, assisti a um documentário da RTP2 sobre Joaquín Rodrigo e ouvi, emocionada, pela primeira vez, o Concerto de Aranjuez. O impacte em mim, do 2º andamento, foi fulminante. Continua a ser, de cada vez que repito a experiência, mas naquele momento rendi-me por completo e desfiz-me em lágrimas, quer pela beleza do concerto, quer pela história que o mesmo encerra, da alegria do nascimento, à tristeza e aceitação da morte prematura do filho de Rodrigo. Consegui gravar em VHS uma boa parte do documentário, bem acomodado nos intervalos de outras gravações esquizofrénicas que ainda hoje sobrevivem: Casa dos Espíritos, Adeus Pai, Darwin e Simpsons. Quase devo ter gasto a fita de tanto ter retrocedido e avançado.

PLAY Symphony 3

Por volta dos meus 19 anos, um primo, cujo percurso profissional o fez passar uma temporada na Polónia, trouxe um CD de Gorecki da Sinfonia n.º3 do qual eu gravei um CD e fotocopie a cores, em jeito de luxo, a capa. Uma vez mais o dinheiro estava longe de ser suficiente para suportar o capricho de adquirir o original, já não contando com a dificuldade que seria encontrá-lo. Mas isso não me impediu que ainda hoje  não consiga traduzir por palavras (pelo menos daquelas que eu conheço) a sensação que tive ao ouvir o 1º andamento pela primeira vez. Não fazia ideia que de entre a orquestra uma voz, que por breves momentos se confundia com os restantes instrumentos, irromperia por eles num grito próximo das coisas divinas, daquelas, que existindo, não se descrevem. O CD já está riscado de tanta rotação.



Quando começou a ser possível, por razões monetárias, adquirir originais, estas três obras estavam na lista das minhas prioridades. E procurei-as. E encontrei-as. Em Leiria, em Aveiro, em Lisboa, no Porto. Mas nenhuma me satisfez. Nenhuma foi capaz de igualar as interpretações que me tinham conquistado pela primeira vez. E fui adiando a aquisição. O Gorecki acabou por me ser oferecido, e está como novo, o Rodrigo também apareceu cá em casa e o Berlioz, tenho-o fruto de uma qualquer coleção que fiz. Mas nenhum dos originais me satisfaz, ou outros irão satisfazer, como as primeiras versões que ouvi. Hoje, impondo alguma racionalidade nesta análise, estou certa que nunca encontrarei versões que igualem ou suplantem as minhas gravações, não porque o mérito dos intérpretes seja inferior mas, simplesmente, porque não há mesmo amor como o primeiro, mesmo que de uma gravação tecnicamente medíocre se trate. Talvez por isso raramente goste de transcrições de obras e, quando acontece gostar, é mesmo porque o contacto com a transcrição antecedeu o do original.

fevereiro 09, 2006

Há vida em Mac

Estava a escrever um comentário no blogue de um amigo quando me lembrei de uma música que a Élis canta:

Acho que o amor É a ausência de engarrafamento
....
Como se houvesse um sinal
Sem sair do amarelo

Ahhh, quanto ao blogue... não faço ideia por que o criei... e tenho quase a certeza que não vou ter paciência para o manter....
O título???
- Mal de mim se não houvesse!