maio 26, 2015

©Francesca Woodman
PLAY Nick Cave & Bad Seeds Stranger than Kindness
"Era um homem que banalizava o mundo para poder ser nele acolhido sem drama, que transformava o horror e a maldade em lugares-comuns, para não sentir remorsos. E, apesar do meu ódio, também eu o amava, porque a indiferença que ele introduzia na sua vida e na dos outros me dava uma paz intensa, por isso estava prestes a segui-lo numa viagem, numa deserção, ou num crime. Assim me tornava a cúmplice perfeita, colada aos seus passos, fascinada pela sua voz. Perto dele, as palavras regressavam com uma fluência mentirosa, como se tivéssemos voltado da morte e tudo pudesse ser dito. Todos os gestos pudessem ser feitos"

Rui Nunes,
Os Olhos de Himmler, Relógio d'Água, 2009

maio 20, 2015

19
Já nasceste a saber o que eu não sei,
o que o lume na água mais procura;
se me dás de beber vou ter a sede
incessante da fonte mais impura.
Cada noite te peço que imagines
uma outra fina, elementar tortura,
como essa, de nunca mais arder
o corpo que no corpo se insinua.
Por cada gesto teu, leio almanaques
de vãs filosofias, para ter
a réplica prevista à sua altura;
por cada lábio, sou mais sábio que
toda a corte celeste talmudista;
e ainda não sei o que ao nascer sabias.

António Franco Alexandre,

Duende,  Assírio&Alvim, 2003


15
Se nas palavras vou um pouco sempre
adiantado, como uma quimera
daquelas bem reais que têm bico
e corpo de lagarto? e rosto humano?
é que também não vivo neste instante
mas noutro, inteiramente coincidente.
Jamais aceitarei que o mundo seja
vago manto de montanhas,
alguns bichos na água, outros em terra,
outros voando em fútil incerteza.
Se me prendo ao teu rumor ausente
não é que me consuma numa imagem
ou deseje real o imaginado;
é por outro real em ti presente.

António Franco Alexandre
Duende, Assírio&Alvim, 2003


maio 18, 2015

©Hans Bellmer, La Poupée, 1935 (202.1987)
PLAY Patti Smith Horses

Quando dói, o tempo tem a força de um cavalo que respinga. E o ser encolhe. A sombra come os espaços vazios - não há como crescer. Quando dói, é sempre meio-dia. Sombra e ser, ser e sombra, num só ponto e pó.

©Josef Koudelka. GREECE

PLAY Team Sleep Natalie Portman
"é preciso esquecer para andar, talvez assim se chegue, isto é, se consiga fixar o som aos sítios, não o deixar afastar-se, como a música do violoncelo que sai das janelas abertas da grande casa, e atravessa o jardim, só castanheiros nus e bancos molhados, para lhe chegar intacta aos ouvidos.
Está frio
e a melodia é um atalho para um nome que teima em esconder-se, quer dizê-lo, a música porém afasta-se, ou ele dela, ou um para um lado e a outra para outro, e o som dos passos cresce nesse hiato, também o do coração na cabeça"
Rui Nunes,
Os Olhos de Himmler, 2009, Relógio D'Água

maio 16, 2015

©raquelsav.Kessel. Maio2015
PLAY Bach BWV 1080 Die kunst der Fugue

...trocamos paraísos por abismos, enquanto sonhamos com essências de abraço.
E fugimos, fugimos, fugimos....

maio 15, 2015

©raquelsav. Kessel. 8.Maio.2015

Como órfãos de lugar...



Shadow boxing, monologue and we clean and we clean and we clean
Shadow boxing, monologue and we dream and we dream and we dream

And we go down to the beggar, to reach for the Queen
And It's now and forever, and we are and we seem
And we sculpture a statue to worship and bear
The chaos that's behind the glass of
who and what and who and what we are

maio 06, 2015

©raquelsav. Hauptbahnhof. Frankfurt. 6.Maio.2015 

PLAY Neu! Negativland
O comboio rápido tacteia e entra pela escuridão. Não há estrela que se afoite.
O mundo não é mais que estreita galeria de mina entre, os carris da noite,
Onde, aqui e ali, fontes de luz azul abrem súbitos horizontes: esfera de fogo
De lâmpadas, telhados, chaminés, fumegando, fluindo... uns segundos apenas, e logo
Tudo regressa ao negro.  (...)


Ernst Stadler

Expressionismo alemão- Antologia poética (João Barrento), Ática 

maio 03, 2015

©Elliott Erwitt. ITALY. Rome. 2008

Como tatuagem de palavra
deglutida e depurada,
somos mínimos terrestres
em deificada ascensão.

"When I am laid, am laid in earth, 
May my wrongs create
No trouble, no trouble in thy breast;

Remember me, remember me, but ah! forget my fate.
Remember me, but ah! forget my fate."
(Nahum Teate)
©Josef Koudelka. USA. California. 2000. Death Valley National Park

PLAY Tiago Bettencourt O Lugar

Já é noite e o frio
está em tudo o que se vê
Lá fora ninguém sabe
que por dentro há vazio
Em que todos há um espaço
que por medo não cedeu
Onde a ilusão se esquece
do que o tempo não previu
Já é noite e o chão
É mais terra pra nascer
A água vai escorrendo
Entre as mãos a percorrer
Todo o espaço entre a sombra
Entre o espaço que restou
Para refazer a vida
No que o tempo não matou
Mas onde tudo morre tudo pode renascer
Em ti vejo o tempo que passou
E o sangue que correu
Vejo a força que me deu
quando tudo parou em ti
A tempestade que não há em ti
Arrastando para o teu lugar
E é em ti que vou ficar
Já é noite e a sombra
Está em tudo o que se vê
Lá fora ninguém sabe
O que a luz pode fazer
Porque a noite foi tão fria
Que não soube acordar
A noite foi tão dura
E difícil de sarar
E onde tudo morre tudo pode renascer
Em ti vejo o tempo que passou
E o sangue que correu
Vejo a força que me deu
Quando tudo parou em ti
A tempestade que não há em ti
Arrastando para o teu lugar
E é em ti que vou ficar
Por que eu descobri a casa onde posso adormecer
Eu já desvendei o mundo e o tempo de perder
Aqui tudo é mais forte e há mais cor num céu maior
Aqui tudo é tão novo e pode ser amor
E onde tudo morre tudo volta a nascer
Em ti vejo o tempo que passou
E o sangue que correu
Vejo a força que me deu
Quando tudo parou em ti
A tempestade que não há em ti
Arrastei-me para o teu lugar
E é em ti que vou ficar.
Já é dia e a luz
Está em tudo o que se vê
Cá dentro não se ouve
O que lá fora faz chover
Na cidade que há em ti
Encontrei o meu lugar
E é em ti que vou ficar.
Josef Koudelka.CZECHOSLOVAKIA. Prague. 1967. Theatre Divadlo Za Branou (Beyond the Gate). 
"Nightingale for Dinner", a play written and directed by Josef TOPOL.

TAMBÉM NÓS QUEREMOS ESTAR
onde o tempo diz a palavra-limiar,
o milénio emerge da neve, remoçado,
o olhar errante
descansa no seu próprio espanto
e cabana e estrela
vizinhas se destacam no azul,
como se o caminho já estivesse percorrido.

Paul Celan, A morte é uma flor, Edições Cotovia, 1998
Josef Koudelka. CZECHOSLOVAKIA. Prague. 1965. Theatre Divadlo Za Branou (Beyond the Gate).
"Masks from Ostend", a play written by Michel de GHELDERODE and directed by Otomar KREJCA
AS BANDEIRAS GUARDAM AS APARÊNCIAS

Não prendas a elas o olhar,
não o afastes delas,
não pagues a portagem da ponte.

Os que são iguais respiram.

Paul Celan, A morte é uma flor, Edições Cotovia, 1998

maio 02, 2015

[#1] manual de sobrevivência

©raquelsav. 1Maio2015. Teatro da Trindade

Estragon:  Que é?

Vladimir:  E se nos arrependêssemos?

Estragon:  De quê?

Vladimir:  De... de... (Medita). Não era preciso entrar em pormenores.

Estragon: De termos nascido?

Samuel Beckett
À Espera de Godot, Teatro de Samuel Beckett, Editora Arcádia

maio 01, 2015

Santíssima Trindade

©Josef Koudelka. CZECHOSLOVAKIA. Prague. 1965.
Theatre Divadlo Na Zabradli (On The Balustrade)
PLAY Deftones Changes

"Estragon: Nascemos todos doidos. Alguns ficam doidos toda a vida"
Samuel Beckett
À espera de Godot,  Editora Arcádia