|Assim repito o nome e sinto ainda o incêndio no rosto :|| paul celan |Porque é com nomes que alguém sabe | onde estar um corpo| por uma ideia, onde um pensamento | faz a vez da língua.| herberto helder
outubro 31, 2018
outubro 26, 2018
©raquelsav | setembro 2018 |
PLAY Linda Martini | Volta
"Há tanto tempo que nada acontece
E o mar não cresce para me enrolar,
na sua afronta
Há tanto tempo que nada apetece
Já não aquece, é sempre devagar
Tudo se desmonta
Eu vou na volta em ti,
traz-me de volta a mim
Pão de centeio,
boca morta e língua tonta
Pão de centeio, boca
Vou na volta em ti,
traz-me de volta a mim
O fado agora quer ser samba,
soltar a corpo, perna bamba"
Linda Martini
outubro 22, 2018
"O silêncio torna-se sôfrego.
A fome dos silêncios cospe. Cospe-nos na cara.
Somos todos o sinal de uma antiga pobreza:
dedada de óleo, a impressão digital da fuligem:
os meus dedos são o que resta da ruína das fábricas"
(...)
A fome dos silêncios cospe. Cospe-nos na cara.
Somos todos o sinal de uma antiga pobreza:
dedada de óleo, a impressão digital da fuligem:
os meus dedos são o que resta da ruína das fábricas"
(...)
"Nunca são íntimos, os nossos dois corpos. A nudez afasta uma palavra da outra. Dois corpos nus tornam as palavras uma pele sombria. Estou perto de ti, toco-te, encerrado, preso, nesta proximidade. Um gesto. Um gesto é o cansaço de quem não sabe desistir. Estamos velhos: a única intimidade que os corpos criam é a morte: esperamos como bichos resignados. Adormeces. Levanto-me e escrevo. Porque o medo renasce de um quarto de hotel como de uma repetição. Com o cancro da sua pequena diferença. Tão breves, estes sulcos nada guardam. Porém uma cicatriz guarda o corpo inteiro.
Rui Nunes (2014) | Nocturno Europeu | Relógio D'Água outubro 16, 2018
Fuga
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©raquelsav | setembro 2018 |
fugia tornava a voltar e trazia-nos
uma pálpebra descida muito longínqua
um sorriso marmóreo, perdido
dentro da erva matutina
uma concha bizarra explicá-la
procurava insistentemente nossa alma.
O nosso amor não foi outro tenteava
quietamente entre as coisas em redor de nós
para explicar porque não queremos morrer
com tanta paixão.
E se nos agarrámos a quadris e se abraçámos
outras nucas com toda a noss força
e se unimos o nosso hálito com o hálito
dessa pessoa
e se fechámos os nossos olhos, não foi outro
apenas este anseio mais profundo de nos agarrarmos
dentro da fuga.
Yorgos Seferis | Poemas Escolhidos | Relógio D'Água | 1993
outubro 13, 2018
Narração
©raquelsav | Carrasqueira | Setembro 2018 |
PLAY Nick Cave | Magneto
Este homem caminha a chorar
ninguém sabe dizer porquê
às vezes pensam que são amores perdidos
como aqueles que tanto nos atormentam
à beira-mar no verão com os gramofones.
A outra gente cuida dos seus trabalhos
papéis intermináveis crianças que crescem, mulheres
com dificuldade em envelhecer
ele tem dois olhos como papoilas
como primaveris papoilas cortadas
e duas pequenas fontes na cavidade dos olhos.
Caminha pelas estradas nunca se deita
galgando pequenos quadrados no dorso da terra
máquina de um tormento infindo
o qual acabou por não ter importância.
Alguns outros ouviram-no falar
sozinho enquanto passava
de espelhos quebrados dentro dos espelhos
que já ninguém pode juntar.
Outros ouviram-no dizer do sono
imagens de horror no limiar do sono
rostos insuportáveis de ternura.
Habituámo-nos a ele bem arranjado e tranquilo
acontece apenas que caminha a chorar continuamente
como os salgueiros à beira do rio que vês do comboio
quando acordas mal disposto numa alba cheia de nuvens.
Habituámo-nos a ele não representa nada
como todas as coisas às quais vocês se habituaram
e falo-vos dele porque não encontro
nada a que vocês não estejam habituados;
as minhas vénias.
Yorgos Seferis | Poemas Escolhidos | Relógio D'Água | 1993
outubro 09, 2018
©raquelsav | Carrasqueira | Setembro 2018 |
Aqui jaz o poema que não soube escrever,
entre silêncios e meias palavras,
projectos longos de adjectivos sem verbo,
ideias tão plenas quão desconexas,
argumentos sorvados em compassos de espera,
sentidos de oportunidade perdidos,
morfologias esparsas, sem semânticas.
Aqui jaz tudo o que não sei escrever:
por não saber escrever o amor,
ou porque o amor não se escreve.
Sim, o amor não se escreve,
mesmo que não haja poema que não seja de amor!
Aqui jaz o meu.
outubro 02, 2018
CASCANDO
1
fosse apenas o desespero da
ocasião da
descarga de palavreado
perguntando se não será melhor abortar que ser estéril
as horas tão pesadas depois de te ires embora
começarão sempre a arrastar-se cedo de mais
as garras agarradas às cegas à cama da fome
trazendo à tona os ossos os velhos amores
órbitas vazias cheias em tempos de olhos como os teus
sempre todas perguntando se será melhor cedo de mais do que nunca
com a fome negra a manchar-lhes as caras
a dizer outra vez nove dias sem nunca flutuar o amado
nem nove meses
nem nove vidas
2
a dizer outra vez
se não me ensinares eu não aprendo
a dizer outra vez que há uma última vez
mesmo para as últimas vezes
últimas vezes em que se implora
últimas vezes em que se ama
em que se sabe e não se sabe em que se finge
uma última vez mesmo para as últimas vezes em que se diz
se não me amares eu não serei amado
se eu não te amar eu não amarei
palavras rançosas a revolver outra vez no coração
amor amor amor pancada da velha batedeira
pilando o soro inalterável
das palavras
aterrorizado outra vez
de não amar
de amar e não seres tu
de ser amado e não ser por ti
de saber e não saber e fingir
e fingir
eu e todos os outros que te hão-de amar
se te amarem
3
a não ser que te amem
Samuel Beckett (1936) in As Escadas não têm Degraus 3 | Cotovia | 1990
1
fosse apenas o desespero da
ocasião da
descarga de palavreado
perguntando se não será melhor abortar que ser estéril
as horas tão pesadas depois de te ires embora
começarão sempre a arrastar-se cedo de mais
as garras agarradas às cegas à cama da fome
trazendo à tona os ossos os velhos amores
órbitas vazias cheias em tempos de olhos como os teus
sempre todas perguntando se será melhor cedo de mais do que nunca
com a fome negra a manchar-lhes as caras
a dizer outra vez nove dias sem nunca flutuar o amado
nem nove meses
nem nove vidas
2
a dizer outra vez
se não me ensinares eu não aprendo
a dizer outra vez que há uma última vez
mesmo para as últimas vezes
últimas vezes em que se implora
últimas vezes em que se ama
em que se sabe e não se sabe em que se finge
uma última vez mesmo para as últimas vezes em que se diz
se não me amares eu não serei amado
se eu não te amar eu não amarei
palavras rançosas a revolver outra vez no coração
amor amor amor pancada da velha batedeira
pilando o soro inalterável
das palavras
aterrorizado outra vez
de não amar
de amar e não seres tu
de ser amado e não ser por ti
de saber e não saber e fingir
e fingir
eu e todos os outros que te hão-de amar
se te amarem
3
a não ser que te amem
Samuel Beckett (1936) in As Escadas não têm Degraus 3 | Cotovia | 1990
outubro 01, 2018
Ciclos
![]() |
@ Fred Little | 1902 |
Somos maduros, ao fim da tarde,
quando o sol se põe,
e no horizonte esbatemos o nosso brilho.