setembro 05, 2025

©raquelsav | Montes | Setembro 2025

 PLAY Benedict Cumberbatch Reciting John Keats's Ode to a Nightingale

Gostaria de me ter calado antes, havia momentos em que julgava que a minha recompensa por ter falado com tanta coragem era entrar vivo no silêncio, para poder saboreá-lo, não, não sei porquê, para sentir que me calava, unido a todo esse ar que só eu agito desde sempre, não, não é ar verdadeiro, não posso dizer, não posso dizer porque é que gostaria de me calar antes de estar morto, para ser finalmente o que sempre fui e nunca pude ser, sem receio de pior ainda tranquilamente no lugar onde estive sempre e nunca pude repousar, não, não sei, é mais simples, queria-me, a mim, queria o meu país, queria-me no meu país, só por um instante, não queria morrer como um estrangeiro, entre estrangeiros, estrangeiro na minha terra, rodeado de invasores, não, não sei o que queria, não sei o que julgava,  devo ter querido tantas coisas, imaginando tantas loucuras, enquanto ia falando, sem saber ao certo quais, que fiquei cego, de desejos e de visões, tudo à mistura, mais valia ter tido cuidado com o que dizia.

Samuel Beckett | O inominável | Assírio & Alvim 


agosto 25, 2025

©raquelsav | Favaios | Agosto 2025

Há tempos, no Café Atlântico: rapaz, deita-me aí um porto; seco ou doce?; quero lá saber, é para vomitar daqui a pouco. 

Carlos de Oliveira | Pequenos burgueses | Assírio & Alvim 

 

junho 27, 2025

©raquelsav | 2024

PLAY Rebekah Del Rio | Llorando 

No matter how no matter where. Time and grief and self so-called. Oh all to end.

Samuel Beckett | Stirrings still

maio 19, 2025


RETRATOS DE (UMA) MULHER MORTA
Tal como o sol ilumina, ao longe, 
a chave que abre a porta já escancarada,
há quem procure abrigo em tecto ruído,
onde a chuva só chove — molhada.

Afirmar que
“nada se perde, tudo se transforma” —
não rouba o lamento a quem perece,
pois à gramática dos seres finitos
não é a lei geral que obedece.

maio 12, 2025

Queda de um grave

           - LXXIX-

19 sete e nove
1, sete e nove 
sete e nove

-FIM-

Equívocos

Caçar?

Do livro Soñetos de Rui Reininho, 2025
PLAY GNR | Saliva

abril 19, 2025



PLAY  GNR | Saliva 


Apesar da nossa urgência de Primavera,
fingimos declarar morte ao sol:
há muito que aprendemos 
a domesticar silêncios,
quando o inverno nos habita.

Pelo sim, pelo não,
guardamos o perfume do primeiro jasmim, que perpetuamos nos nossos dias de chuva.
Sorrimos, com malícia, da heresia dessa imperfeição
e dizes que se até a folha recortada retém a água que bebe,
também nós saberemos matar a sede na própria saliva:
devagar… 
a expirar… 
a afundar… 
a apagar...
Até que uma Primavera nos renasça, 
ou um inverno nos separe

abril 16, 2025

Queda de um grave

           - LXXX-

A natureza que nos escolhe,
é a mesma que nos encolhe. 

março 17, 2025

Queda de um grave

          - LXXXI-

Em parte, o que parte
nunca deixa de fazer parte

fevereiro 23, 2025



Seguia apressada, chovia. Mas deparei-me com este símbolo partido e não resisti em parar. Estagnei perante o que achei ser uma metáfora. Refleti brevemente sobre o que aquela imagem me suscitou: peças quebradas sem possibilidade de reparação, uma marca em decadência, um país fragilizado, um motor em declínio, países como peças de dominó a cair por arrasto… o meu país… 

Fiquei mais um minuto a contemplar a cena e procedi como um típico europeu: fotografei, para mais tarde partilhar a minha inquietação (no conforto do lar), e segui em frente. Que mais podia eu fazer? Estava a chover, e é muito desagradável ficar molhada



fevereiro 09, 2025

Queda de um grave

          - LXXXII-

Falo-te com a mesma voz 
com falo para mim própria,
talvez seja isso, o amor

janeiro 28, 2025


©raquelsav |  2020
"E se depois 
O sangue ainda correr 
Corre atrás dele 
E se depois 
O fogo te perseguir 
Aquece-te nele(...)
Mão Morta
O rosto perdeu a face e declina ao ritmo do sol se pôr.
Não é justa a luta. O rosto não é como a noite, que renasce a cada dia.

A luz da lua, 
tampouco abrilha os seus contornos,
ou testemunha os seus silêncios,
que nada definem.

O sono inquieto, interrompido por incessantes vozes,
não se deixa embalar por mantras ou sussurros longínquos.

A cada músculo tolhido, 
uma palavra afogada, uma expressão de nado morto,
a quem roubaram a energia de provir. 

O rosto não perece mas, encanecido, deve a múltiplas chagas antigas o assombro de persistir.


Queda de um grave

         - LXXXIII-

Porque a resposta mora
na centelha que, 
sagradamente,
guardo de ti


janeiro 01, 2025

Queda de um grave

        - LXXXIV-

O horizonte também nos distrai,
com a sua inequívoca beleza