"O interior das coisas
Durante alguns anos o senhor Valéry ganhou a vida como vendedor do interior das coisas.
O senhor Valery não vendia os objectos propriamente ditos, mas apenas o seu interior. O comprador levava um prato, por exemplo, mas na verdade só era proprietário do interior desse prato.
O senhor Valéry explicava:
- Isto, por exemplo, é um prato. E desenhava
E o que eu vendo é o interior do prato. E desenhava
Durante alguns anos o senhor Valéry ganhou a vida como vendedor do interior das coisas.
O senhor Valery não vendia os objectos propriamente ditos, mas apenas o seu interior. O comprador levava um prato, por exemplo, mas na verdade só era proprietário do interior desse prato.
O senhor Valéry explicava:
- Isto, por exemplo, é um prato. E desenhava
E o que eu vendo é o interior do prato. E desenhava
Nessa altura as pessoas diziam:
-Mas isso que desenhou é o exterior do prato!
-Sim- respondia o senhor Valéry- mas o que eu vendo não é o que se vê, é o interior.
-Eu sei que é mais fácil perceber o que é o interior num objecto oco- costumava dizer o senhor Valéry- mas por favor façam um esforço.
Os problemas, no entanto, começavam quando o proprietário do interior de uma coisa se cruzava com o proprietário do exterior dessa mesma coisa.
Aí a discussão era grande.
Na verdade, nunca os dois compradores poderiam ficar contentes, excepto se vivessem na mesma casa. Porém, coincidências como esta não sucedem muitas vezes na vida. Daí o negócio do senhor Valéry não ter resultado.
Acusaram-nos de aldrabice, mas o senhor Valéry era apenas alguém que pensa muito."
Gonçalo M. Tavares, O senhor Valéry e a lógica, Caminho, 2002