"(...) cor de minério púrpura, polidos em barros, saibos, humidade, por milénios de paciência geológica.
Assisto (assistimos os dois) em silêncio à ressurreição das florestas, também silenciosa. Ralanti desfocado (imagem por imagem) e contudo nítido no conjunto. Examino a ideia (é-me imposta de fora: não fui eu a elaborá-la) duma catástrofe serena, planeada, às avessas, e isso assusta-me ainda mais. Exacerbando sentimentos comuns (espanto, medo), mas inserindo-se numa experiência nova (signos doutra lógica e doutra realidade), a ideia insinua que estou a viver por conta própria e a sonhar por conta de alguém."
Carlos de Oliveira (1978) | Finisterra | 1979 | Sá da Costa
II
Desloca-a o frémito
do fogo: lava
explodindo lentamente;
afastando as águas
marginais; endurecendo-as
na raiz dos álamos;
enquanto ganha
fluidez: transmutação?
paciência geológica?
fábula da terra com os seus módulos
minerais? e líquida; liberta
irrompe, deixa
sobre os flancos
uma espuma de chão.
Carlos de Oliveira (1921 - 1981)| Cristal em Sória in Trabalho Poético, 2003, Assírio&Alvim