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setembro 29, 2015

PLAY Pēteris Vasks - Vox Amoris Chaarts  - Sebastian Bohren Fantasie für Violine und Streicher

DE TODAS AS FERIDAS
Lança-me aos pés do coração a luva do silêncio:
Só uma vez no Outono a pedra reverdece - foi ontem;
foi quando o sal nas ruas era tão vermelho,
tão vermelho que se pensaria que era chegada a hora
a que se acena com os véus da meia-noite:
o tempo-de-tulipas dessa hora
em que o desejo enche o copo de toda a gente,
o berço e o caixão de toda a gente,
as pegadas de toda a gente,
a hora que liberta o gelo do teu olhar,
te faz arregaçar a tua sombra
e arranca aos sinos o seu silêncio quando danças.

Lança-me aos pés do coração a luva do silêncio:
foi ontem
e jaz no sangue como nós dois.

Paul Celan
A morte é uma flor, Cotovia, 1998

maio 03, 2015

Josef Koudelka.CZECHOSLOVAKIA. Prague. 1967. Theatre Divadlo Za Branou (Beyond the Gate). 
"Nightingale for Dinner", a play written and directed by Josef TOPOL.

TAMBÉM NÓS QUEREMOS ESTAR
onde o tempo diz a palavra-limiar,
o milénio emerge da neve, remoçado,
o olhar errante
descansa no seu próprio espanto
e cabana e estrela
vizinhas se destacam no azul,
como se o caminho já estivesse percorrido.

Paul Celan, A morte é uma flor, Edições Cotovia, 1998
Josef Koudelka. CZECHOSLOVAKIA. Prague. 1965. Theatre Divadlo Za Branou (Beyond the Gate).
"Masks from Ostend", a play written by Michel de GHELDERODE and directed by Otomar KREJCA
AS BANDEIRAS GUARDAM AS APARÊNCIAS

Não prendas a elas o olhar,
não o afastes delas,
não pagues a portagem da ponte.

Os que são iguais respiram.

Paul Celan, A morte é uma flor, Edições Cotovia, 1998

abril 25, 2015

NÃO TE ESCREVAS
entre os mundos,

ergue-te contra
a variedade dos sentidos,

confia no rasto das lágrimas
e aprende a viver.

(23/24 -Abril- 1966)
Paul Celan, A morte é uma flor, Edições Cotovia, 1998

abril 11, 2015

©Angela Bacon-Kidwell | Yangzhou Chimera
SEM BRILHO, LEVADO
todo para dentro, o olhar:

A sombra
dupla que um dia fui
divide-se
em duas, erguem-se
as alas da noite - agora vai,
palavra que estiveste tempo de mais no mundo, rola,
sai -

Com os olhos de uma criança, com
os olhos da sua mãe
encontro eu a minha segunda,
a minha primeira
janela.

Paul Celan, A morte é uma flor, Edições Cotovia, 1998

abril 10, 2015


©Angela Bacon-Kidwell | Traveling Dream


QUANDO A DISTANTE
prata, rondada
também pelo voo dos homens, sem
chegar entrava,
redonda,
e nos olhava com olhos de olhar:

então
a palavra dor era uma taça de onde
subia ao nosso encontro a palavra
alegria - subia,
subia e passava por nós, subia
até nós dois, sob
o telhado,
até à cama onde a noite, 
mestra
dos nossos corpos, esperava silenciosa, o seu
fundo, negro como o coração, cheio
da manhã.

Paul Celan, A morte é uma flor, Edições Cotovia, 1998

abril 09, 2015

©Hans Bellmer

CONVERSAS COM CASCAS DE ÁRVORE. TU,
tira a casca, anda,
tira-me, feito casca, da minha palavra.

É tarde já, mas nós
queremos estar nus e à beira
da navalha.

Paul Celan, A morte é uma flor, Edições Cotovia, 1998

janeiro 14, 2015

MANDO O SONHO ATRAVÉS DO CRIVO VIBRANTE,
tu apanha-lo em pratos
da alma
e junta-lo à refeição
que nós, os que ajoelham um dentro do outro,
temos de
desprezar.

Paul Celan, A morte é uma flor, Edições Cotovia, 1998

janeiro 13, 2015

PARA LONGE

Mudez, outra vez, espaçosa, uma casa -:
vem, deves habitar.

Horas, bem escalonadas por maldição: alcançável
o refúgio.

Nunca tão cortante o ar que restou: deves respirar,
respirar e ser tu.


Paul Celan, Não Sabemos mesmo O Que Importa,  
Relógio D'Água, 2014
DIANTE DE TEU ROSTO TARDIO
so-
litário entre
noites que também me transformam,
algo que outrora já entre nós estivera,
se instalou, in-
tocado por pensamentos.


Paul Celan, Não Sabemos mesmo O Que Importa,  
Relógio D'Água, 2014

janeiro 11, 2015

PELO INSONHADO corroída,
a terra do pão insonemente percorrida atira
o monte da vida ao ar.

Da sua migalha
amassas de novo nossos nomes, 
que eu, um olho
semelhante 
ao teu em cada dedo,
tacteio em busca
de um ponto, pelo qual
possa despertar para ti, 
a luzente
vela da fome na boca.

Paul Celan, Não Sabemos mesmo O Que Importa,  
Relógio D'Água, 2014
A PALAVRA DE IR-A-PIQUE
que lemos.
Os anos, as palavras desde então.
Ainda o somos.

Sabes, o espaço é infinito,
sabes, não precisas de voar,
sabes, o que em teu olho se gravou
aprofunda-nos a profundeza.


Paul Celan, Não Sabemos mesmo O Que Importa,  
Relógio D'Água, 2014

janeiro 10, 2015

TODOS-OS-SANTOS

Que fiz
eu?
Inseminei a noite, como se outras
pudessem vir, mais nocturnas que
esta.

Voo de ave, voo de pedra, mil
trajectórias descritas. Olhares,
pilhados e colhidos. O mar,
provado, sorvido, absorto. Uma hora,
obscurecida de almas. A seguinte, uma luz outonal,
ofertada a um sentimento
cego, que tomou o caminho. Outras, muitas,
sem lugar e pesadas de si mesmas: avistadas e contornadas.
Rochas erráticas, estrelas,
negras e plenas de linguagem: nomeadas
por jura de silêncio rasgado.

E certa vez (quando? também isto se esqueceu):
o pulso sentiu o gancho,
quando ousava desprender-se.


Paul Celan, Não Sabemos mesmo O Que Importa,  
Relógio D'Água, 2014

janeiro 09, 2015

©raquelsav. Ponte das três entradas
PLAY Wim Martens -Gerausch

ESTAR, à sombra
da chaga no ar.

Estar-para-ninguém-e-nada.
Incógnito,
só 
para ti.

Com tudo o que nisso tem lugar,
também sem
linguagem.

Paul Celan, Não Sabemos mesmo O Que Importa,  
Relógio D'Água, 2014