novembro 19, 2014

©Antoine D'Agata

(...)


Eu que me comovo
Por tudo e por nada
Deixei-te parada
Na berma da estrada
Usei o teu corpo
Paguei o teu preço
Esqueci o teu nome
Limpei-me com o lenço

Olhei-te a cintura
De pé no alcatrão
Levantei-te as saias
Deitei-te no banco
Num bosque de faias
De mala na mão
Nem sequer falaste
Nem sequer beijaste

Nem sequer gemeste
Mordeste, abraçaste
Quinhentos escudos
Foi o que disseste
Tinhas quinze anos
Dezasseis, dezassete
Cheiravas a mato
À sopa dos pobres

A infância sem quarto
A suor a chiclete
Saíste do carro
Alisando a blusa
Espiei da janela
Rosto de aguarela
Coxa em semifusa
Soltei o travão

Voltei para casa
De chaves na mão
Sobrancelha em asa
Disse: “fiz serão”
Ao filho e à mulher
Repeti a fruta
Acabei a ceia
Larguei o talher

Estendi-me na cama
De ouvido à escuta
E perna cruzada
Que de olhos em chama
Só tinha na ideia
Teu corpo parado
Na berma da estrada
Eu que me comovo
Por tudo e por nada

António Lobo  Antunes

novembro 15, 2014


Entroncamento->LX©raquelsav

PLAY Placebo- Protect me from what I want


Não tenho a cabeça cheia dessas frases, dos livros que não li, e duvido que entenda dessas coisas do amor. Não escrevo nas histórias que não vivi, nem nas entrelinhas, onde tudo me sabe a pouco. Mas ontem disseram-me: - Gosto de te ver assim. E eu fiquei a pensar: - E eu gostava de me ver, sim. Faz tempo que não me vejo. Foram tão raras as vezes que me vi. E hoje não te oiço: descobri que preciso de te ouvir para me ver. Tenho pena de não perceber dessas coisas do amor, porque o som infinito da concha murmura-me palavras pintadas de cor de rosa, que não sei distinguir. Mas eu cumpro o som da concha e guardo-o em uníssono para mim. Não há byte ou decibel que eu transgrida neste infinito que é não me ver. E torno transparentes as palavras, também. Sei que somos sós, porque sós é tudo o que sabemos ser. Aliás, é esse o mais que nos une. Despidos sabemos quem somos. Nus, ainda nos reconhecemos. Tenho medo: tudo me parece tão infinitamente pequeno e duvido que exista vida para além do vidro.

novembro 12, 2014

PLAY Mischa Maisky plays Bach Cello Suite No.1

amanhã...
porque, hoje,  é muito...

novembro 09, 2014

António Variações

©Chien-Chi Chang. USA. Rochester, NY. April 21, 2012


PLAY António Variações: Estou Além

Não consigo dominar
Este estado de ansiedade
A pressa de chegar
P'ra não chegar tarde

não sei de que é que eu fujo
Sera desta solidão
Mas porque é que eu recuso
Quem quer dar-me a mao

Vou continuar a procurar
A quem eu me quero dar
Porque até aqui eu só:
Quero quem quem eu nunca vi
Porque eu só quero quem
Quem não conheci
Porque eu só quero quem
Quem eu nunca vi
Porque eu só quero quem
Quem não conheci
Porque eu só quero quem
Quem eu nunca vi

Esta insatisfacao
não consigo compreender
Sempre esta sensação
Que estou a perder

Tenho pressa de sair
Quero sentir ao chegar
Vontade de partir
P'ra outro lugar

Vou continuar a procurar
O meu mundo
O meu lugar
Porque até aqui eu só:
Estou bem aonde eu não estou
Porque eu só quero ir
Aonde eu não vou
Porque eu só estou bem
Aonde eu não estou

Porque eu só quero ir
Aonde eu não vou
Porque eu só estou bem
Aonde não estou
Estou bem aonde eu não estou
Porque eu só quero ir
Aonde eu não vou
Porque eu só estou bem
Aonde eu não estou
Porque eu só quero ir
Aonde eu não vou
Porque eu só estou bem
Aonde eu não estou
Porque eu só quero ir
Aonde eu não vou
Porque eu só estou bem
Aonde não estou
Porque eu só quero ir
Aonde eu não vou
Porque eu só estou bem
Aonde não estou

Link: http://www.vagalume.com.br/antonio-variacoes/estou-alem.html#ixzz3IcGmKuuR
Óbidos ©raquelsav
PLAY Stravinsky: Pássaro de Fogo

Como quem acha que entende, virar o mundo e fazer de conta que encontra. E rente à história, que é um avesso, de arremesso, lançar três ou quatro armas, das que matam. Na resposta, o fogo posto que voa na chama. Esquecer, para arder no grito, como quem não fala, e virar a história, rente ao mundo, no avesso do rosto (de dia, sorriso posto). Fugir de quem se é, para somente voltar a ser: como que renascer, longe, noutro lugar.

novembro 08, 2014

"(...)
Passei por coisas difíceis nestes últimos anos em que tinha muitas probabilidades de morrer e o que é engraçado é que não tinha medo. Estava tão espantado e indiferente, demasiado absorvido pelo sofrimento físico, que foi brutal. Passei por uma quimioterapia de grande violência. Não sabia se ia viver ou morrer. Só gostava de viver mais uns tempos porque tinha mais uns livros dentro de mim -- e sinto que ainda tenho – e queria escrevê-los. Mas não queria que Deus me salvasse da morte. As noites nos hospitais são tremendas. É um bocado como conta o Proust, ficar à espera da manhã como se a manhã salvasse de alguma coisa e não salva de nada. E depois pensava: tenho vivido tão mal...

Porquê?
Porque havia uma data de coisas para as quais eu tinha os olhos fechados. E porque procuramos a porta nas paredes em que sabemos que não há porta, quase nos sentimos culpados de ser felizes, se é que isso existe… Mas estar aqui sentado já é uma vitória do caraças, sair para a rua, ver o sol.

(...)
Depois um tio, irmão da minha mãe, meu padrinho, fez-me uma assinatura da Nouvelles Littéraires quanto eu tinha 13 anos e logo no primeiro número vinha o poema do [Blaise] Cendrars, Les Pâques à New York. Fiquei varado, o que se pode fazer com as palavras! E achei-me uma merda. Tive tanto desprezo por mim. Agora tenho andado amargo porque não estou a gostar do que estou a fazer. Tenho um medo permanente de isto ter acabado. Se isto seca é uma gaita. O que é que eu faço? Não gosto de ir a bares, não gosto de estar com muita gente. Posso ler. Às vezes nos intervalos dos livros, são três, quatro meses; a gente lê oito horas por dia, mas ao fim de uma semana já está um bocado farta desse ritmo. Mesmo que só se leia o que se goste. Porque é que a literatura portuguesa é tão má?"

António Lobo Antunes

Linda Martini

©Paolo Pellegrin. KOSOVO. Town of Pristina. 2000




Há tanto tempo que nada acontece
E o mar não cresce para me enrolar, na sua afronta
Há tanto tempo que nada apetece
Já não aquece, é sempre devagar
Tudo se desmonta
Eu vou na volta em ti, traz-me de volta a mim
Pão de centeio, boca morta e língua tonta
Pão de centeio, boca
Vou na volta em ti, traz-me de volta a mim
O fado agora quer ser samba, soltar a corpo, perna bamba


Linda Martini

novembro 07, 2014


©Stuart Franklin MALAYSIA. Kepong Forest Reserve

PLAY Nils Frahm - Toilet Brushes

Um relógio e um pulso gasto.

Uma cama e um corpo morto.

Um cérebro e uma floresta de enganos.


novembro 01, 2014

©raquelsav.2014.Ponte.das.3.Entradas

PLAY Ornatos Violeta Como Afundar

Há pessoas que encontramos nas palavras. Também sei que há palavras que são lugares. E fixam-se palavras e palavras e palavras, que se vão tornando lugares, das pessoas, em nós.

No silêncio do lugar, a denúncia da ausência de rituais. Na viagem, no intervalo das coisas, na não-palavra, na casualidade - o vazio maior. 

Mas é a expectativa que torna tão longas as noites, os dias, e alheios os rumos da viagem. Porque a palavra, a verdadeira, sempre se revela na beleza das coisas que encontramos e a beleza, em defeito de partilha, adensa o vazio em nós.

Não tenho dúvida: quando a palavra não nasce mas renasce da memória, ainda que vazios, os lugares não deixam de o ser...  porque há palavras que são a ponte entre nós e o outro lado da vida, quando um mundo só não basta.


"Eu senti o amor tocar no avesso da saudade
E com ela a dor de não chorar
(...)
A noite entrou de passagem
Sem nos levar
Boa viagem
Boa viagem
E é como afundar nosso mundo em dor
E não querer acordar
E tu não vês?"



outubro 23, 2014

©Eduardo Gageiro
PLAY Björk - Jóga

Os gestos não preenchem o espaço em dias de vazio porque o cansaço faz do gesto matéria inanimada. As palavras apalpam os gestos à superfície, em esquissos epidérmicos, mas que marcam. Não são as palavras que salvam o gesto morto. Nem o gestos esgrimem a intenção soberana de agir. Na existência da matéria sublime, as palavras, gestos, intenções e omissões desenham tão-somente as curvas que toldam o caminho. Mas há mais do que curvas no contorno do caminho.


Jóga

All these accidents that happen
Follow the dot
Coincidence makes sense
Only with you
You don't have to speak, I feel

Emotional landscapes
They puzzle me
Then the riddle gets solved
And you push me up to this

State of emergency, how beautiful to be
State of emergency, is where I want to be

All that no-one sees
You see
What's inside of me
Every nerve that hurts, you heal
Deep inside of me
You don't have to speak, I feel

Emotional landscapes
They puzzle me - confuse
Then the riddle gets solved
And you push me up to this

State of emergency, how beautiful to be
State of emergency, is where I want to be

outubro 21, 2014

Woodkid

Paris @raquelsav
Quando um grito, ou dois, não basta resta-nos o silêncio.



PLAY Woodkid Baltimore's Fireflies


Baltimore's Fireflies

What are the words that I'm supposed to say?
Your white skin, swirling fireflies.
Darkness has surrounded Baltimore bay.
Why don't you open your blue eyes?
Are they things that water can't wash away?
How can your absence leave no trace?
As I let you sink in Baltimore bay.
I drown myself deep in disgrace.

What is the price, am I supposed to pay?
For all the things I try to hide?
What is my fate, am I supposed to pray?
That trouble's gone with the sunlight?

A warm sun rises and ignites the bay.
I come back home and start to cry
I'll never come back to Baltimore bay.
Try to forget the fireflies.
What are the words that I'm supposed to say?
If someone knew about this lie?
If your body rises to the surface?
Through the silence of fireflies...

outubro 20, 2014

Barcelona©raquelsav


PLAY Nirvana  Lithium

Um dia o rosto dela abrir-se-á, o cabelo deixará de escurecer a imagem, um sorriso despontará e com ele morrerá, numa história indefinida.

Clarice Lispector



PLAY The Smiths - What Difference Does it Make

"Não compreendo o que vi. E nem mesmo sei se vi, já que meus olhos terminaram não se diferenciando da coisa vista. Só por um inesperado tremor de linhas, só por uma anomalia na continuidade ininterrupta de minha civilização, é que por um átimo experimentei a vivificadora morte. A fina morte que me fez manusear o proibido tecido da vida. (...) 
Talvez o que me tenha acontecido seja uma compreensão- e que, para eu ser verdadeira, tenho de continuar a não estar à altura dela, tenho que continuar a não entendê-la. Toda compreensão súbita se parece muito com uma aguda incompreensão.
Não. Toda a compreensão súbita é finalmente a revelação de uma aguda incompreensão. Todo momento de achar é um perder-se a si próprio. Talvez me tenha acontecido uma compreensão tão total quanto a ignorância, e dela eu venha a sair intocada e inocente como antes. Qualquer entender meu nunca estará à altura dessa compreensão, pois viver é somente a altura a que posso chegar- meu único nível é viver. Só que agora, agora sei de um segredo. Que já estou esquecendo, ah sinto que já estou esquecendo...."

Clarice Lispector, Paixão segundo G.H.
Relógio D'Àgua

outubro 19, 2014

©Bruno Barbey TURKEY. Istanbul. Subway. 2009
PLAY Bert Jansch The Auld Triangle 

Vivemos distraídos porque os relógios não contam as horas certas e a ilha está cada vez mais pequena. Não sabemos sair dela e já alguém nos disse que é necessário sair da ilha para ver a ilha. Resta-nos a amizade, que nos antecipa viagens e ilumina caminhos. Na amizade vivem os olhos que nos poupam à cegueira de não querer ver.

outubro 12, 2014

Uma espécie de liberdade



Danny Macaskill: The Ridge

outubro 11, 2014

©raquelsav

Roubar luz à Primavera, 
deitá-la mar fora no Outono, 
trazer o infinito no som da concha.
Enviar, por correio, o sorriso, 
mudar a hora de embarque
um dia antes do Inverno chegar.

Amar tudo
e saber a pouco.


Joy Division

©Chris Steele-Perkins, 1978.
PLAY Joy Division- Love Will Tear Us Apart

When routine bites hard
And ambitions are low
And resentment rides high
But emotions won't grow
And we're changing our ways
Taking different roads

Then love, love will tear us apart, again
Love, love will tear us apart, again

Why is the bedroom so cold?
You've turned away on your side
Is my timing that flawed?
Our respect runs so dry
Yet there's still this appeal
That we've kept through our lives

But love, love will tear us apart, again
Love, love will tear us apart, again

You cry out in your sleep
All my failings exposed
And there's taste in my mouth
As desperation takes hold
Just that something so good
Just can't function no more

But love, love wil tear us apart, again
Love, love will tear us apart, again
Love, love will tear us apart, again
Love, love will tear us apart, again

Bill Callahan


PLAY Bill Callahan - Jim Cain 

Jim Cain
I started out in search of ordinary things
How much of a tree bends in the wind
I started telling the story without knowing the end

I used to be darker, then I got lighter, then I got dark again
Something too big to be seen was passing over and over me
Well it seemed like the routine case at first
With the death of the shadow came a lightness of verse
But the darkest of nights, in truth, still dazzles
And I woke myself until I'm frazzled

I ended up in search of ordinary things
Like how can a wave possibly be?
I started running, and the concrete turned to sand
I started running, and things didn't pan out as planned

In case things go poorly and I not return
Remember the good things I've done
In case things go poorly and I not return
Remember the good things I've done
Done me in


Bill Callahan, 

outubro 10, 2014

©Antoine d’Agata: Untitled, from the series Inédites, Georgia, 2009

PLAY Tindersticks - A Night In

1
o sol ensina o único caminho
a voz da memória irrompe lodosa
ainda não partimos e já tudo esquecemos
caminhamos envoltos num alvéolo de ouro fosforescente
os corpos diluem-se na delicada pele das pedras

falam os rios deste regresso e pelas margens ressoam passos
os poços onde nos debruçámos aproximam-se perigosamente
da ausência e da sede procurámos os rostos na água
conseguimos não esquecer a fome que nos isolou
de oásis em oásis

hoje
é o sangue branco das cobras que perpetua o lugar
o peso de súbitas cassiopeias nos olhos
quando o veludo da noite vem roer a pouco e pouco a planície

caminhamos ainda
sabemos que deixou de haver tempo para nos olharmos
a fuga só é possível para dentro dos fragmentados corpos
e um dia... quem sabe?
chegaremos

Al Berto, Tentativas para um regresso à Terra, 1980
in Medo, 1997

Morphine


©raquelsav

Há uma noite que nos segue e não sabemos se nos mente.
Esbatem-se os reflexos que desfazem os dias pintados da imagem.
Não sabemos onde existir, e o que somos do espelho: se noite, se dia.
Pouco entendemos: não sabemos se gostamos ou gostamos de gostar.
Na dúvida, não existimos, vamos existindo, entre o dia e a noite.

E ainda que nos minta, não podemos senão sê-lo, entre o esboço e a pintura.


outubro 05, 2014

Madredeus

©Gilles Peress

PLAY  Madredeus "Agora"

Canto à minha idade, ó ai,
Canto às côres que ainda são,
E ao amor que me dão
As manhãs deste mundo,
São,
Janelas para ver,
São ainda,
São
Vontades de ter
Um mundo sem armas
Na mão

Canto esta verdade, ó ai,
Canto à luz do meu sol,
Sol do meu mundo inteiro
Que queria guardar, ó ai,
Guardar para ti
Ter na mão e dar
Dar-te logo a ti
Mas há tantas armas aí...
- e eu, que força tenho?
- e tu que força tens?
- temos a voz só, cantamos alto,
- a nossa voz só, canta bem alto
É agora, é a hora
É agora, é a hora
Cantai de madrugada
Até ao sol raiar
Levai a vida boa
Cantai sempre cantai
E a cada pessoa
Cantai esta canção
Lembrai ao mundo inteiro
A sua condição
E assim cantai também
Como eu sempre cantei
Cantai o amor do mundo
E tudo o que está bem
Cantai a viva voz
Pela terra inteira
E assim se ensina a paz
Da melhor maneira

outubro 04, 2014


©Chris Steele-Perkins, Pakistan 1997

PLAY Sibelius - Etude op. 76 no. 2

Em que nome repousas,
quando o estado último das coisas não te basta?

Em que voz queres soar inteiro,
quando os fragmentos que colhes soam tão pouco a ti?

Sabes que te conheço
                          pelos nós
com que atas o firmamento à inquietude,
como se fossem meus os teus 
                         gritos sibilantes que te adivinham.

Talvez possas espreitar o limbo,
onde nada acontece.
Talvez devas rezar Adeus,
e simular um momento de despedida.
Ou, então, simplesmente forjar
                            um nome,
não sei...

mas sei que o estado último das coisas já não te basta,
e não tens onde
                           repousar.

Roberto Juarroz

©Brassai
PLAY  Sibelius Violin Concerto - Maxim Vengerov, Daniel Barenboim, Chicago S.O. (CSO)

Registar todos os dados, 
embora não saibamos decifrá-los.

Registar, por exemplo, 
que também os esquecimentos têm diferentes cores
e há assim esquecimentos verdes ou vermelhos,
que sustêm seguramente olhares vegetais
ou apagam sombrios desníveis da vida.
E registar que há lembranças completamente transparentes,
lembranças que não sabemos de quê, mas lembranças,
excessos de memória
ou esquinas de não ser no que foi.

Registar que os sonhos geram cristais
que servem como lentes para olhar o mundo
e também o seu revés.
Registar que há flores sem perfume
e perfumes sem flor que não se encontram,
materiais para acabar de construir o homem
e materiais para começar a construir deus,
caminhos até tudo e até nada,
amores com os olhos para cima
e amores com os olhos para baixo
e até amores sem olhos,
dura, violentamente cerceados.

Registar que entre o céu e a terra tudo acontece,
mas também que tudo acontece às vezes entre a terra e a terra,
embora os sinos toquem em momentos equivocados
ou com sons que são para outra coisa.

Registar as palavras de perto e nunca de longe,
como os rostos e a morte.

E registar o mais palpável, as ausências,
as que sempre o foram,
as que nunca o foram,
o seu desafio ao ser,
a sua correcção do ser
a partir do oásis do não-ser.

Sim. Registar todos os dados,
embora não haja quem os decifre.
Talvez no final não haja necessidade de os decifrar. 

Roberto Juarroz, Poesia Vertical, Campo das Letras

setembro 21, 2014

©raquelsav

Há abraços que nunca se fecham:
não sabemos como os iniciar,
não saberíamos como os findar.

Há abraços que morrem sem terem nascido.