maio 31, 2017

"Maio as traz, Maio as leva"

PLAY Bernardo Sassetti | Prelúdio para uma história invisível 
 
Não precisa de Maio para ser lembrado. Mas Maio lembra-o (mais e mais).
PLAY Lhasa de Sela | Who By Fire (Leonard Cohen)

 Who By Fire  
And who by fire, 
who by water, 
who in the sunshine, 
who in the night time, 
who by high ordeal, 
who by common trial, 
who in your merry merry month of may,
 who by very slow decay, 
and who shall I say is calling?

maio 18, 2017


maio 12, 2017

 
quando estar
L  O  N  G  E

não é sinónimo de 

N  à O    E  S  T  A  R    P  E  R  T  O

maio 08, 2017

@Paula Rego | Mulher-cão
PLAY Peter Murphy | Subway


(...)
Que nos resta senão linguagem para povoar o mundo?
E no momento em que a linguagem defina o mundo
esse mundo é recusado
que não cabe à linguagem achar a definição
nem ao objecto ser definível. A ausência
embeleza o ausente
e para teu mel de lábio a incerteza do sabor de cada gota,
um outro lábio que sofre
essa incerteza. Um insistente fim, o estudo próximo,
a reverberação da angústia;
alguma coisa de importante foi esquecida.
Um poema é: nunca me deixes sozinho comigo.
Um poema é: não pode ser de outra maneira.       

Daniel Jonas | Os fantasmas inquilinos | Cotovia | 2005

abril 28, 2017

SÃO TRISTES OS MEUS DIAS COM PEDRAS
em lugar de mãos
ou a cabeça funda na brancura
de través do travesseiro
e o corpo depresso em moles guindastes.
São dias de chorar por menos
ou teimar queixoso com um crânio polido,
batuque convexo
no muro demorado.

Ficar a ouvir o sangue,
o som tubular do sangue. Ao vale seco
da clavícula atrair a água, o sangue
e sorver a sopa intestina
ou se o líquido escapa à boca
tantálica, calar com argila
o que me pede água.

Ficar a palpar buracos
da ausência, as ligas
da ausência, as ribanceiras
a que caem os pensamentos, a cor
dióspiro que banha a enfermidade
e em seguida tomar o pulso
evadido, travar o touro, o soco da dor,
o infinito infinitivo presente.

Uma amálgama de alma
migra no fôlego do modorrento
pregão de dor, o condor
passa e anda andino e é uma
traça asfixiante: faço um céu rarefeito,
a dispneia é um felino
que arranha céus
e a boca rebuliço espúmeo
expele o sabor da morte
e o que mais consiga cuspir

por entre ovéns e enxárcias
e traves quebradas.

É uma desilusão com as coisas,
uma desilusão funda com as coisas,
com o vazio meio-cheio das coisas.
Meu fôlego um fólio cheio
de silêncio, uma catástrofe natural

um vulcão: no meu pulmão pôr lava
e no trovão treva. 

Daniel Jonas | Os fantasmas inquilinos | Cotovia | 2005




abril 27, 2017


©Kafka’s own doodles
- Passas-me o livro que está em cima da mesa, por favor?
- Este?
- Não. Esse está em cima do sofá.
- Toma.
- Mas este é de BD e não estava em cima da mesa.
- Queres o Beckett?
- Não, não é o Beckett. O Beckett está na prateleira. Quero esse que está em cima da mesa, o Kafka.
- Mãe, eu ainda não sei ler.
- Estou a falar desse livro que está em cima da mesa grande, mesmo à tua frente. Não gozes comigo.
- Este?
- Sim. Irra, que estava difícil. Franz Kafka - o nome do autor.
- Ah, afinal sempre querias o Beckett! (risos)

©Beckett’s doodles from the “Watt” notebooks


abril 26, 2017


PLAY Pietro Mascagni | Cavalleria Rusticana - Intermezzo

Em quatro minutos,
elevar-me à dor

abril 22, 2017

©Thomas Hoepker |GERMANY. East Berlin. Fallen angels from facade of the Berlin cathedral in street | 1974

PLAY Massive Attack | Splitting the Atom
 
Nascemos para esse voo - infinito terrestre-
para a depuração de sinónimos,
com magia de códigos alpinos.

Enterramos a cabeça,
deixamos as pernas de fora,
esperamos que cresçam,
esperamos que andem.
Desperdiçamos quedas,
desperdiçamos abismos.

Fatalmente intoxicados,
por"se's" e "mas",
caímos, por terra, frouxos,
nestes corpos mínimos,
onde as asas não quiseram voar.

Agonizamos inscritos no epitáfio:
 «Aqui jazem,
infinitos indizíveis, por nascer».

abril 20, 2017

I cry in my sleep
Sometimes you stay
Sometimes you stay
You never know why
Please say my name
Don't turn away

[chorus]
The pain is black
The pain is bright
The pain is black
The pain is bright
The pain is bright

Then I awake
And in the half light
Watching my movements
Through half closed eyes
You're touching me
As a priest loves pornography
We played beneath the patterns[?]
Don't turn away

[chorus]

Kissed by the years
Caresses of time
Marking the lines
The lines of expression
The patterns of place
The patterns of youth
The patterns of love
Don't turn away
Say my name
Say my name

abril 14, 2017

©Leonard Freed | Wall Street |New York City. USA |1956
    
"Numa grande estrada não é raro vermos uma onda, uma onda solitária, onda fora do oceano.
     Não tem utilidade nenhuma, não constitui nenhum jogo.
     É um caso de espontaneidade mágica."

 *
*        *
     "Os Magos amam o escuro. Os principiantes não podem passar sem ele. Exercitam a mão, se assim pode dizer-se, em baús, roupeiros, guarda-fatos, cofres, caves, sótãos, caixas de escada.
     Não há dia em minha casa que não saia do armário qualquer coisa insólita, seja um sapo, um rato, aliás com cheiro a inépcia e que logo ali se esvai sem poder fugir.
     Até enforcados se encontravam, dos falsos claro está, onde nem a corda era verdadeira.
     Quem pode garantir que a gente se habitue com o tempo? Uma apreensão retinha-me sempre por um instante, com a mão indecisa no puxador. 
    Um dia rolou uma cabeça ensanguentada para cima do meu casaco acabado de estrear, sem lhe fazer, aliás, nenhuma nódoa.
     Depois de um instante - infecto - de nunca mais querermos viver outro igual - voltei a fechar a porta.
      Tinha que ser um noviço, este Mago, para não conseguir pôr uma nódoa num casaco tão claro.
    Mas a cabeça, o seu peso, o seu aspecto geral, tinham sido bem imitados. Pavorosamente, agoniado, eu já estava a senti-la a cair-me em cima quando desapareceu."

Henri Michaux (1967) | No País da Magia | Hiena Editora | 1987


Kate Bush - Wuthering Heights


abril 12, 2017

Crime & Castigo

©John_Dykstra
Heinrich von Kleist (1810) | Michael Kohlhaas, O Rebelde | Antígona | 2004

abril 07, 2017

©amy_schumer
"-Já estiveste apaixonado?
- O amor é para as pessoas reais.
- Pareces verdadeiro.
- As pessoas reais desagradam-me.
- Desagradam-te?
-Odeio-as. "

Charles Bukowski (1975) | Factotum | Alfaguara | 2017

António Variações | Povo que lavas no rio


abril 03, 2017

"Por vezes vinha um motorista novo, e eu pensava: como é que eles escolhem estes filhos da mãe? Temos água profundas de ambos os lados e basta uma má decisão para o tipo nos matar. Era ridículo. Suponhamos que ele tem uma discussão com a mulher nessa manhã? Ou o cancro? Ou visões de Deus? Dentes podres? O que seja. Estava ao seu alcance. Mandar-nos a todos para o galheiro. Eu tinha noção de que, se fosse eu ao volante, consideraria a possibilidade ou a desejabilidade de afogar toda a gente. E, por vezes, na sequência de tais considerações, as possibilidades tornam-se realidade. Para cada Joana d'Arc há um Hitler empoleirado na outra ponta do balancé. A velha história do bem e do mal. Mas nenhum dos motorista chegou a mandar-nos para o galheiro. Em vez disso, iam a pensar em prestações do carro, resultados do basebol, cortes de cabelo, férias, clisteres, visitas de família. Não havia um homem a sério naquela pandilha. Eu chegava sempre ao trabalho maldisposto mas em segurança. O que prova por que é que o Shumann era mais raltivo do que o Shostakovich..."

Charles Bukowski (1975) | Factotum | Alfaguara | 2017
©Paula Rego
"- Pronto, já está - dizia -, vou chegar quinze minutos atrasado. - E ela desandava para a casa de banho, feliz da vida, lavava-se, fazia cocó, olhava para os pêlos debaixo dos braços, olhava para o espelho, mais preocupada com a idade do que com a morte, depois vinha enfiar-se outra vez debaixo dos lençóis enquanto eu vestia as minhas cuecas sujas, ao som do trânsito lá fora, na Primeira Rua, a fluir para leste."

"As discussões eram sempre as mesmas. Já percebia perfeitamente: os grandes amantes são sempre homens de ócio. Eu fodia melhor quando era vagabundo do que a picar o ponto no trabalho."

Charles Bukowski (1975) | Factotum | Alfaguara | 2017
"- O que achas dos cortinados? (...)
Olhei para os cortinados. Eram asquerosos. Morangos vermelhos e enormes por todo o lado, rodeados de caules gotejantes. 
-Gosto dos cortinados - disse-lhe eu."
  
Charles Bukowski (1975) | Factotum | Alfaguara | 2017

março 30, 2017

 ©Edvard Munch | The Scream| 1910

"Meti-me na cama, abri a garrafa, enrodilhei bem a almofada atrás das costas, respirei fundo e fiquei no escuro a espreitar a janela. Era a primeira vez que estava sozinho em cinco dias. Eu era um tipo que se dava bem com a solidão; sem ela, era apenas mais um homem sem comida ou sem água. Enfraquecia a cada dia passado sem solidão. Não me orgulhava da minha solidão; mas dependia dela. A escuridão do quarto assemelhava-se à claridade para mim. Dei um gole de vinho.
    De repente, o quarto encheu-se de luz. Seguiu-se uma algazarra e um estrondo. A El passava à altura do meu quarto. Tinha passado um metro. Olhei para um friso de caras nova-iorquinas que também me olhavam. O comboio demorou-se, até que arrancou. Ficou escuro. Depois o quarto voltou a encher-se de luz. Olhei novamente para os rostos. Parecia a visão do inferno em repetição ininterrupta. Cada nova remessa de rostos era mais feia, demente e cruel do que a anterior. Dei um gole de vinho.
    A coisa continuava: escuridão e depois luz; luz e outra vez escuridão. Acabei o vinho e saí para ir buscar mais. Voltei, despi-me, enfiei-me novamente na cama. Prosseguia a chegada e partida dos rostos; tive a sensação de estar a ter uma visão. Estava a ser visitado por centenas de diabos que o Próprio Diabo não conseguia aturar. Dei mais um gole de vinho."
  
Charles Bukowski (1975) | Factotum | Alfaguara | 2017

"Levava uma mala de cartão que estava a desfazer-se. Tinha sido preta outrora, mas o revestimento preto descamara e via-se agora um cartão amarelo. Problema que eu tentara resolver colocando graxa preta por cima do cartão que estava à mostra. À medida que ia caminhando à chuva, a graxa começou a escorrer pela mala e fui esfregando inadvertidamente umas riscas em ambas as pernas das calças ao trocar a mala de uma mão para a outra."
Charles Bukowski (1975) | Factotum | Alfaguara | 2017

março 23, 2017

março 21, 2017

março 19, 2017

O teu pai é careca?

©raquelsav | Março 2017 | iPhone

março 17, 2017

©Josef Koudelka | Lebanon (Beirut) From the series Chaos |1991

GRELHA DE LINGUAGEM

O círculo dos olhos entre as barras.

Animal vibrátil a pálpebra
rema para cima,
descobre um olhar.

Íris, nadadora, sem sonhos, e turva:
o céu, cinzento-coração, deve estar perto.

Oblíqua, no bico de ferro,
a apara fumegante.
Pelo sentido da luz
adivinhas a alma.

(Fosse eu como tu. Fosses tu como eu.
Não estivemos nós
sob uma mesma monção?
Somos estranhos.)

Os ladrilhos. Sobre eles,
bem juntas, as duas
poças cinzento-coração:
duas
bocas cheias de silêncio.


SPRACHGITTER

Augenrund zwischen den Stäben.

Flimmertier Lid
rudert nach oben,
gibt einen Blick frei.

Iris, Schwimmerin, traumlos und trüb:
der Himmel, herzgrau, muß nah sein.

Schräg, in der eisernen Tülle,
der blakende Span.
Am Lichtsinn
errätst du die Seele.

(Wär ich wie du. Wärst du wie ich.
Standen wir nicht
unter einem Passat?
Wir sind Fremde.)

Die Fliesen. Darauf,
dicht beieinander, die beiden
herzgrauen Lachen:
zwei
Mundvoll Schweigen.

Paul Celan (1959) in As Escadas não têm Degraus  3 | Cotovia | 1990
 

Acto Segundo (1 + 1)  
(Versão 2.1)  Intermezzo

[A música do segundo Acto Primeiro cessou. A cortina foi fechada. De um lado, o público estarrecido. Do outro, dois corpos que repousam esgotados. Ouve-se  PLAY Fausto 
@ não se move. π arrasta-se, transpõe a cortina, ajoelhado, como quem reza.]

π: [com seriedade, em tom grave]

creio-nos em almas escancaradas,
de jangada que toma de assalto as ternuras e delícias que flutuam na desconjuntada periferia do tempo

como se ali tivessem morado sempre,
as ternuras e delícias,
revistas no tempo de sempre
em escassos cinco minutos (dos nossos)

mas não!
terão passado quatro  (ou teriam sido cinco mil?) unidades de tempo maior,
daquelas medidas pela dança da Terra à volta do Sol
     [sim, confirmei no Google a definição de um ano (dos homens)]

o tempo é-nos sempre tão confuso
e a memória comum e a arqueologia dos dias estão guardadas na magia de um clique,
talvez à matéria das almas escancaradas não lhe assista factos tão perfeitamente inúteis

mas só podem ter sido quatro (ou teriam sido cinco mil?)
unidades de tempo maior, condensadas num minuto  (do nosso encontro)

preciso-nos em almas escancaradas de gigante,
sem garantir que o trajecto da nossa luz ao vazio se faça em porções de 1/299792458 de segundo ou em qualquer outra fracção

perfeitamente maiores, seremos, pois,
nos passos do nosso encontro
à razão de sermos próximos das coisas que não se tocam,
feitos em pormenores do reflexo das árvores concretas,
que flutuam e descansam nas águas do rio
na perfeita liberdade de ser-plano
                         (à tona do mundo de Edwin Abbott)

creio-nos em almas escancaradas,
tão claras e distintas de detalhes,
na complexidade que se esbate nas coisas planas e mágicas
em plena liberdade de existência

foge-nos o vício,
da morbidez,
         (daquela a que os homens se habituaram a querer viver)
e escolhemos a matéria etérea e fugaz para existir,
em almas escancaradas ao sabor e aroma do perfume das chuvas

esgueiramo-nos, sensíveis, aos toques ímpios na água
                 (os que dissolvem a magia da revelação)
e somos de tal infinitas maneiras
que só o poema nos poderá eternizar.

sim, creio-nos em poesia!

Público: [Em coro] sim, creio!

[π transpõe, novamente, a cortina e junta-se a @.
 @, em posição flectida, tronco erguido a 90º, revela três rugas entre os olhos, manifestando no rosto expressão de zanga.]

π: [Encolhendo os ombros  e flectindo o braço, pelo cotovelo, ergue as palmas das mãos em simultâneo, viradas para @, formando um ângulo recto com o antebraço] Eu posso explicar!

Ouve-se, ao longe, PLAY Fausto.

março 10, 2017


fevereiro 22, 2017

Color me

©raquelsav | Mira D'Aire | 2017

C   O   L   O   R   I   R
rima com
V  I  R
PLAY Violent Femmes | Color me once

fevereiro 21, 2017

fevereiro 20, 2017

1994 - Smells Like Teen Spirit

fotograma de Kill Bill Vol. 2 | Quentin Tarantino | 2004
PLAY Shivaree | Goodnight Moon

Bill: "Não és uma pessoa má. És uma pessoa sensacional. És a minha pessoa preferida. Mas, em certas situações, és capaz de ser uma verdadeira puta."

Matrimónio, Manicómio

fotograma de Cidade das Mulheres  | Fellini | 1980

"A penetração é um crime que deveria de dar 1 a 10 milhões de multa"