O Medidor de Passos. 2 Abril (Sessão Extra). Teatro Virgínia AQUI
"1. O actor e o esqueleto
As palavras inscritas no Osso (é assim que deve ser). O músculo diz a parte interior, isto é: a alma. O músculo diz a alma das palavras, enquanto a parte menor são as letras aparecidas como a surpresa sonora da voz. Quase nada, portanto.
Porque o músculo é mais importante; e o osso é mais importante.
E o texto para o actor é a bengala: a vara de madeira que suporta o coração. Enquanto o coração, esse, é a parte alta do actor; a torre de onde se pode ver Deus e os homens. (E não se deve confundir a bengala com a perna).
Porque a palavra ajuda-nos a não cair
e o coração ajuda-nos a subir. É diferente.
E entre o cair e sujar-se (a terra)
e o subir e salvar-se (o céu)
existe o esqueleto do actor: a linguagem da morte (os ossos) tapada pelo tecido da vida: a pele.
Porque o texto da peça foi encontrado no osso; no seu centro. E o coração do actor é sangue quase tudo, palavras e movimento (e é assim que deve ser)."
"11. Provar no vivo a existência do morto
Não basta beijar a boca, isso é fácil,
é preciso beijar os ossos,
provar que eles existem."
Gonçalo M. Tavares,
A colher de Samuel Beckett e outros texto, Campos das Letras, 2002