abril 02, 2015

 ©Josef Koudelka. CZECHOSLOVAKIA. Prague. 1965. Theatre Divadlo Na Zabradli (On The Balustrade).
"Waiting for Godot", a play written by Samuel BECKETT

Estragon: E, dizes tu, que tudo isso aconteceu ontem?

Vladimir: Aconteceu.

Estragon: Aqui?

Vladimir: Sim, aqui. Não reconheces o lugar?

Estragon: (numa exasperação súbita) Reconhecer? Reconhecer o quê? Tenho vivido toda a minha vida atolado no mesmo chiqueiro e vens tu agora exigir que eu distinga tonalidades na paisagem! (Olhando à volta). Olha está estrumeira! Nunca sai disto!

Vladimir: Calma! Calma! 

Estragon: Não me venhas para cá chatear com as tuas paisagens. Fala-me de esgotos!

Vladimir: Está bem, está bem, mas não me venhas dizer que isto (gesto) aqui é parecido com o Ribatejo! A diferença mete-se pelos olhos dentro.

Estragon: O Ribatejo! Quem falou aqui do Ribatejo?

Vladimir: Mas tu já estiveste no Ribatejo.

Estragon: Estás enganado. Nunca estive no Ribatejo. Tenho passado toda a porca da minha vida aqui, digo-te eu. Aqui, na Ribamerda.

Vladimir: A verdade é que estivemos os dois no Ribatejo. Punha as mãos no fogo. Andámos a vindimar para um tipo de que não me lembro o nome.

Estragon: (mais calmo)  Talvez. Não dei por nada.

Vladimir: Lá, tudo é verde.

Estragon: (exaltado) Já te disse que não reparei em nada.

                 Silêncio. Vladimir suspira fundo.

Vladimir: É difícil viver contigo, Gogo.

Estragon: Era melhor separarmo-nos.

Vladimir: Andas sempre a repetir isso. Mas acabas por voltar.

                  Silêncio.

Estragon: O melhor, de facto, seria eu matar-me, como o outro.

Vladimir: Qual outro? (pausa). Quem?

Estragon: Milhões doutros.

Vladimir: (sentencioso) Na vida, cada um tem que levar sua cruz ao calvário. (Suspira). Até morrer e ser esquecido.

Estragon: Entretanto, vamos tentar conversar sem nos irritarmos, já que não somos capazes de estar calados.

Vladimir: É verdade, somos como duas gralhas.

Estragon: É para não pensar.

Vladimir: Temos as nossas desculpas.

Estragon: É para não ouvir.

Vladimir: Temos as nossas razões.

Estragon: Todas as vozes mortas.

Vladimir: São como um sussurro de asas.

Estragon: De folhas.

Vladimir: De areia.

Estragon: De folhas.

                    Silêncio.  

Vladimir: Falam todas ao mesmo tempo.

Estragon: Cada uma para si mesma.

                  Silêncio.

Vladimir: Dir-se-ia que segredam.

Estragon: Murmuram.

Vladimir: Sussurram.

Estragon: Murmuram.

                  Silêncio.

Vladimir: Que é que elas dizem?

Estragon: Falam da vida delas.

Vladimir:  Não lhes basta terem vivido.

Estragon: Não podem fugir a falar disso.

Vladimir:  Não lhes basta estarem mortas.

Estragon: Não é suficiente.

                  Silêncio.

Vladimir:  É como um rumor de penas.

Estragon: De folhas.

Vladimir: De cinzas.

Estragon: De folhas.

                  Silêncio prolongado.

Vladimir:  Diz qualquer coisa!

Estragon: Estou a procurar.

                  Silêncio prolongado.

Vladimir:  (com angústia) Diz qualquer coisa, não importa o quê. Mas fala!

Estragon: O que vamos nós fazer, agora?

Vladimir:  Esperar por Godot!

Estragon: Ah, é verdade!

                  Silêncio.

Vladimir:  Isto é doloroso!


Samuel Beckett
À Espera de Godot, Teatro de Samuel Beckett, Editora Arcádia