outubro 22, 2016

Aleph א

©M.C. Escher | Relativity | 1953

porque há tantos números naturais quantos números pares....

Transfinito: forma rigorosa de contar elementos de conjuntos infinitos.


Mantra combate (que rima)

PLAY Linda Martini | Amor Combate

Vou escrever-nos no livro das memórias grandes,
lançá-lo aos elementos,
para não mais abrir.

Entre pó e tempestades, engrandecê-lo na idade,
perfeito e eterno 
como exemplo a não seguir.

Quando no gume da liça:
- Amor ou Liberdade?
Grito de pulmão cheio:
- Liberdade, meu senhor!

E (em)quanto vivo o nome, não importa qual,
respirarei, em obra ressuscitada,
tão perfeitamente inacabada.

"Dou-te conhecimento da ocorrência do meu falecimento"

©Cartier Bresson | Brooklyn New York | 1947
"Este jazia no catafalco conforme as ordens que deixara: de fraque, a mortalha até meia altura do peito, a camisa engomada sobressaindo, as mãos postas, sem crucifixo, as condecorações ao peito. Sobrolhos pequenos e duros, faces encovadas, bios retraídos. Fechado na sua pele de cadáver, assustadora e sem olhos, que é ainda parte do ser e já lhe é estranha: o saco de viagem da vida. "

Robert Musil (1880-1942) | O Homem sem Qualidades - Livro Segundo | Dom Quixote | 2008 | 2.ª Ed. |Trad. João Barrento

outubro 14, 2016

Virá a morte e terá os teus olhos

Virá a morte e terá os teus olhos - 
esta morte que nos acompanha
de manhã até à noite, insone,
surda, como um remorso antigo
ou um vício absurdo. Os teus olhos
serão uma palavra inútil,
um grito reprimido, um silêncio.
Assim os vês todas as manhãs
quando sozinha te inclinas
diante do espelho. Ó cara esperança,
nesse dia saberemos nós também
que és a vida e és o nada.

Para todos a morte tem um olhar.
Virá a morte e terá os teus olhos.
Será como abandonar um vício,
como ver no espelho 
ressurgir um rosto morto,
como escutar lábios fechados.
Mudos, desceremos ao abismo.    

Cesare Pavese (1950)| O Vício Absurdo | &etc
"Um homem como eu não pode esquecer, nas suas fugas, de que foge." 

Samuel Beckett (1951) Molloy | Relógio d'Água | 2003
"Gaber pôs-se a criticar com rabugice o nosso chefe, que o tinha feito levantar-se a meio da noite, no preciso momento em que ele se tinha posto em posição de fazer amor com a mulher." 

Samuel Beckett (1951) Molloy | Relógio d'Água | 2003

outubro 13, 2016

©raquelsav
Sussurras-me o Outono ao ouvido
e sorrimos da ironia:
sabemos que só há vida para além do Inverno.
Sete arcos por nove de claustro:
nasce a ruína da pedra,
cresce o espaço, geograficamente estrangeiro.

Adormeço nesse simulacro jugular.

Sonho com o Inverno
e,
onde te adivinho, nasce a flor.


A LUZ IRROMPE ONDE NENHUM SOL BRILHA
A luz irrompe onde nenhum sol brilha;
onde não se agita qualquer mar, as águas do coração
impelem as suas marés;
e, destruídos fantasmas com o fulgor dos vermes nos cabelos,
os objectos da luz
atravessam a carne onde nenhuma carne reveste os ossos.

Nas coxas, uma candeia
aquece as sementes da juventude e queima as da velhice;
onde não vibra qualquer semente,
arredonda-se com o seu esplendor e junto das estrelas
o fruto do homem;
onde a cera já não existe, apenas vemos o pavio de uma candeia.

A manhã irrompe atrás dos olhos;
e da cabeça aos pés desliza tempestuoso o sangue
como se fosse um mar;
sem ter defesa ou protecção, as nascentes do céu
ultrapassam os seus limites
ao pressagiar num sorriso o óleo das lágrimas.

A noite, como uma lua de asfalto,
cerca na sua órbita os limites dos mundos;
o dia brilha nos ossos;
onde existe o  frio, vem a tempestade desoladora abrir
as vestes do inverno;
a teia da primavera desprende-se das pálpebras.

A luz irrompe em lugares estranhos,
nos espinhos do pensamento onde o seu aroma paira sob a
chuva;
quando a lógica morre,
o segredo da terra cresce em cada olhar
e o sangue precipita-se no sol;
sobre os campos mais desolados, detém-se o amanhecer.

Dylan Thomas (1914 - 1953) | A mão que assina este papel | Assírio&Alvim

outubro 10, 2016

[#10] palimpsesto

- Música é poesia.
- Que fofinho. "É fogo que arde sem se ver", é coração a rimar com paixão.
- Música e poesia são as expressões mais próximas dos sentimentos e emoções...
- Eu também sou muito eficiente a bater claras em castelo, à mão, esclareça-se.
- Não se pode falar contigo.
- Poder até podes...
- Desde quando és tão chata?
- Ácida e corrosiva?
- Sim.
- Desde o fundo, muito ao fundo, à esquerda. Sempre à esquerda, mas ao fundo.
- Volto noutro dia?
- Para me dizeres que a música e a poesia é ferida que dói e que se sente, como quem come batata quente?
- Por que é que tens de ser do contra?
- Não é o caso. Não sou contra. Só não partilho do nível de profundidade do buraco. Acho que cavei mais de buraco e meio.
- E viraste à esquerda, como quem se enterra?
- Não foi bem assim. Vou cavando e deixando umas cavilhas à esquerda.
- Para quando regressares?
- Não tenciono regressar.
- Para alguém te seguir?
- Só se fosse louco.
- Então, para que raio deixas as cavilhas?
- Sim, para isso.
- Volto noutro dia?
- Noutro dia não serei melhor. Já terei escavado buraco e dois meios.
- Dois buracos, queres tu dizer.
- Não. Buraco mais meio buraco mais meio buraco.
- Não percebes nada de matemática.
- Tanto, como tu de música e poesia.
- Não mistures tudo no mesmo buraco.
- É esse o teu problema. Não escavaste o suficiente.
- E tu?
- Eu ainda não encontrei água. E não espero encontrar luz.
- Um dia explicas-me?
- Duvido! Mas podes sempre lançar-te uma Escada Estreita entre o Ar e a Perfeição.
(....)
- Volto noutro dia, definitivamente.
- É tudo uma questão de advérbios de modo, de cavilha e acordeão.
- Acordeão?
- Sim, do diabo.
- E onde é que eu vou encontrar isso, convenientemente?
- Escavando, escavando muito, muitamente.

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PLAY João Pedro Oliveira | L'Accordéon du Diable

outubro 04, 2016

©raquelsav | Agosto 2016 | Santa Maria do Bouro
PLAY John Cage | In a landscape

Imagem atrás de imagem,
folhas de livro:
eu e tu nelas,
como paisagens
indefinidas.


fotograma de Dead Man | Jim Jarmusch
PLAY Neil Young | Dead Man theme

outubro 03, 2016

©raquelsav | Agosto2016 | Gerês
PLAY UNKLE | When things explode


outubro 02, 2016

PLAY Swans | Little god in my hands

Entretanto, parece que a cotação social da poesia aumentou. As homenagens aos poetas constituem um dos números mais apropriados da saison:
AJF: De há uns tempos a esta parte que um verdadeiro bando, ao que parece organizado, constituído por literatos, comerciantes, necrófilos e patetas, se vem dedicando a essa nefasta actividade, São já especialistas. A verdade é que nunca tantos, ao mesmo tempo, tentaram assassinar a poesia. E em nome dela, como convém ao cinismo."

(De entrevista a António José Forte) 

(...) "eu passo de bicicleta à velocidade do amor 
atravesso a terra de ninguém com um dia de chuva na cabeça 
para oferecer aos revoltados"

António José Forte

outubro 01, 2016


"Por vezes, há coisas que se impõem ao entendimento com a força de axiomas, sem que se saiba porquê." 

Samuel Beckett (1951) Molloy | Relógio d'Água | 2003
Hoje é o teu dia, a tua noite. Quer dizer, para mim, todos os dias e todas as noites têm sido o teu dia. Desconfio que sempre assim será. Para quem segue as leis e celebrações, é mais cómodo e legítimo admiti-lo em data cíclica: e hoje é o teu dia, a tua noite, e sinto-os, tão irracionalmente, um pouco meus, também. Por isso celebro(te) nesta noite que inicia o dia, o teu.