dezembro 21, 2014

©Herbert List GERMANY. Munich. 1953. 

PLAY Fever Ray Keep the streets empty for me

No relógio, asfixias as veias ao pulso, secas o tempo e a juventude da carne; anestesias o calendário nas intermitências de um corpo-abrigo; perdes-te em pronomes, para esconderes o desejo da cadência dos possessivos.

Os passos são desordenados, desgastam-te e não te compram caminhos fáceis. Os passos enchem a rua vazia, de possessivos rastos. A energia não se rende aos olhos fechados porque não tens como fugir, ao que subtilmente te foi entregue. Os passos são teus, mas desordenados.

E como um grito soa a tão pouco, quando só conheces armas de silêncio.



Rui Nunes


és só um homem esquecido pela terra,
os que te cercam não te reconhecem,
nada sabem das tuas mãos, dos teus olhos,
da coisa mais ínfima que seja tua.
Tu vês os que te cercam, mas eles
rodeiam-te da tua ausência
com a perseverança de sobreviventes

do mundo aos lábios: a separação
do olhar de Deus

Rui Nunes, Ofício de Vésperas, Relógio D'Água

dezembro 20, 2014

Madredeus


Coisas pequenas são
Coisas pequenas
São tudo o que eu te quero dar
E estas palavras são
Coisas pequenas
Que dizem que eu te quero amar.
Amar, amar, amar
Só vale a pena
Se tu quiseres confirmar
Que um grande amor não é
Coisa pequena
Que nada é maior que amar.
E a hora
Que te espreita
É só tua.
Decerto, nao será
Só a que resta;
A hora
Que esperei a vida toda,
É esta.
E a hora
Que te espreita
É derradeira.
Decerto já bateu
À tua porta.
A hora
Que esperaste a vida inteira,
É agora.

dezembro 19, 2014

António Franco Alexandre

Sem palavras nem coisas

1

acendo o ramo e a folha cai nos dedos,
cai no azul e alarga-se, cai devagar, acendo
as pálpebras (neste perigo mudo de escolher dividindo
o som de tiros altos em volta ao corredor),
cai sobre o som, cai sobre as pálpebras, e 
os olhos de granito onde espreitam as folhas;
dividindo, separando, escolhendo, ilusão de cenário com
ramos acesos, os dedos (entra pela esquerda
o projector caindo, como luz sobre os tiros) no
azul devagar das veias abertas, dividindo,
as unhas, a minúcia, e alarga-se, cai
sobre os ramos, e os braços, as mãos
misturadas, o sexo, a boca, o
ouvido; acendo as veias e os
tiros caindo, a bala misturada no sangue,
até virar a página e respirar
o vento de asas, divido, separo, escolho
de pé no corredor entornando os cabelos,
cai sobre os tiros, cai certeira,
entorna o sexo no azul dos dedos,
dividindo o granito, acendo
o cenário e as pálpebras separam
os ramos dos braços, cai sobre as veias,
cai no silêncio e espalha-se e cobre
o som das asas altas, e entorna
o projector nos olhos, escolhendo, dividindo,
sai ao som dos tiros e acende a boca,
e alarga-se, cai sobre o vento, respira
as unhas misturadas, devagar separo
a luz das folhas, e os tiros sobre os dedos
espreitam no silêncio, as pálpebras, a minúcia,
até virar os ramos no corredor aberto,
dividindo, separando, escolhendo as balas dos
projectores, caindo
cai no azul, cai dos ramos nas
folhas dos tiros,
cai sobre a página, e as asas misturadas,
as pálpebras, deste perigo mudo de escolher
dividindo, cai no azul e alarga-se, cai
devagar, acendo
o ramo e a folha cai dos dedos.
2
entrar de repente pelos olhos adentro e escancarar
as árvores: mas aquilo que amaste perdura.
junto da água morna os animais aguardam o ruído
vegetal da noite, e as luzes bocejam
a mansidão das pernas esticadas: o amor
não tem tempo, e dura no que amaste.
Dura de repente nos olhos abertos e
a água respira no flanco dos animais
bocejando devagar a chegada da noite e das 
redes e os passos mornos dos caçadores,
e as luzes escancaradas do silêncio. Dura
esticado nas árvores, dura mansamente sem 
palavras nem coisas, sem tempo para
aguardar as mãos do caçador e as redes
mornas respirando sobre a água: aquilo
que amaste perdura.

3

enquanto escreve, lês, os tiros vão caindo
sobre o que amaste, e as luzes
dividem o silêncio,
as redes nas mãos do caçador
abrem na água o corredor das unhas,
enquanto aguardas caem os ramos, cai
o projector da noite no bocejo morno
das asas misturadas,
enquanto divides, separas os animais
e as árvores, o flanco dos olhos
e a minúcia do tempo, caem
as pálpebras no sangue, enquanto escolhes
e as pernas se escancaram,
as folhas duram no azul das coisas,
acendo o amor e as balas inclinam-se
nos passos do granito,
enquanto esperas junto da água e 
as luzes se acendem sobre os dedos
o amor perdura de dentro dos tiros,
dividindo, escolhendo, aguardando, a chegada
da noite sobre os pulsos, os ramos,
enquanto entras nas veias o projector
inclina-se no tempo, cai
nas redes esticadas do silêncio,
separando o que amaste das unhas
dos animais que aguardam a minúcia
da água caindo, enquanto dura
a ilusão do cenário sobre o vento,
vê, enquanto os ramos duram nos olhos
do caçador, e as pálpebras mornas bocejam,
são as folhas que caem dos ramos acesos
sobre a água, sobre os olhos mansos
dos animais que aguardam junto às redes,
sobre o azul dos dedos, sobre os passos 
dos projectores da noite de repente inclinados,
sobre as mão esticadas do silêncio, 
sobre o que amaste, vê, sobre
o que perdura, enquanto aguardas
e divides, 
enquanto escreves, lês, cai sobre o que amaste,
caem os tiros altos sobre o que amas.

4
se perdura nos tiros, se perdura
entre os ramos acesos e a queda dos tiros,
porque perdura, sem palavras nem coisas,
nos olhos do silêncio junto à água
aguardando o ruído vegetal da noite,
nos espaços das redes quando caem,
porque pedura, vê, nas mãos do caçador
enaqunto apago um a um os projectores
e as folhas caem no corredor dos dedos
e perdura, vê, nas pernas inclinadas,
nas veias mansamente abertas, no flanco
da água,
sem tempo para escolher, separar,
dividir, perdura de repente dentro das asas,
vê, perdura na minúcia dos pulsos,
o que amaste perdura, não tem tempo
para se perder,
palavras que dividam, vê, coisas que te separem,
redes que caiam no silêncio das mãos,
folhas que guardem
a ilusão do caçador.

5
então me deito junto água e entro
de repente nos pulsos: o que amei perdura,
vão-se apagando lentamente as asas
inclinadas dos projectores, as pálpebras
bocejam a alegria do azul dos dedos,
estendo os braços e os animais aguardam
de dentro das redes esticadas, abertas,
e um pássaro pousa nos ramos, nas folhas,
seguro do silêncio onde os tiros caem
sobre a água e devagar mergulham,
e respiram no fundo um corredor imóvel.


(António Franco Alexandre
Poemas)

dezembro 17, 2014

... Gente grande segue um sonho e acalenta outros. Gente grande fode com hora marcada e de camisola vestida. Gente grande não mente mas não sabe o que é a verdade. Gente grande não se perde porque tem medo de se encontrar. Gente grande chega ao fim sem pelo meio passar....

dezembro 16, 2014

PLAY Sérgio Godinho Ser ou não ser
Ser ou não ser gente
ter ou não ter sonhos
mais exactamente
vir
à tona dos sonhos
Ter sempre a certeza das dúvidas
por via das dúvidas saber o que achar
Dobradores do ferro
sopradores do vidro
na margem do erro ser
claro como o vidro
Ter sempre a destreza da prática
por via da prática saber o que achar
Ah, morrer, dormir, talvez sonhar
mas então
que outros sonhos virão?
Morrendo, vivendo, dormindo
talvez que sonhando …
Ter sempre a certeza da música
por via da música tocar e cantar
Sedutores da musa
amadores da musa
mesmo que difusa
ser
a imagem de alma
Ter sempre a clareza da fábula
por via da fábula saber o que achar
Dedos semelhantes
às velozes aves
mesmo que distante
ouvir
o chamar das aves
Ter sempre a afoiteza do pássaro
por via do pássaro subir e pousar
Ah, morrer, dormir, talvez sonhar
mas então
que outros sonhos virão?
Morrendo, vivendo, dormindo
talvez sonhando …
Ter sempre a certeza da música
por via da música tocar e cantar
Gente grande ensina o caminho, de casa para o trabalho, ao carro, ou às pernas, para o poder fazer de olhos fechados. Gente grande serve-se da dor com prato cheio e ainda repete da refeição. Gente grande empresta o corpo a todos menos a si próprio. Gente grande guarda as lágrimas para as horas vagas e disfarça o vermelho dos olhos com conjuntivite.... 

Roberto Juarroz

©raquelsav. MontBlanc
Ir até ao extremo é ficar sem lugar,
porque o extremo não é um lugar,
mais além não há espaço
e quem foi até ao extremo
já não pode retroceder.
Ir até ao extremo consiste precisamente
em achar a impossibilidade do regresso.
Ou talvez tão-só 
a impossibilidade.
E o impossível não precisa de lugar.

Roberto Juarroz
Poesia Vertical
©Klimt


(...  porque os nossos retratos, na distância dos dias, vão sendo a nossa metafísica mais próxima)

Abraças, de uma vez só, o impossível
E soltas metros e quilómetros de Saber,
Torneados por uma loucura disfarçada:
de rosa;
de azul de mar;
de alegrias que não deixarão de o Ser;
de ingenuidade de "não querer Saber".

Pintas, de branco leve, o choro
Voas, voas alto, muito alto, tão alto
que num fechar de olhos constante,
com que se veste um sono profundo,
inventas mil teorias de Razão;
infinitas filosofias imutáveis;
e um sol de sentidos fecundo.

E a Loucura, louca,
Clepsidra do pensamento,
de sentir o que de não sentido tinha,
Interrompeu a maré cheia de ideias,
E uma vaga vazia de certezas restou.
E o teu abraço, raro,
O impossível, para sempre, abraçou.
Raquel, 2001

dezembro 15, 2014

Jeff Buckley

©Christopher Anderson  USA. New York City. February 2008. Zac Posen
PLAY Jeff Buckley New Year's Prayer

"fall in light, fall in light.
feel no shame for what you are

(...)
leave your office, run past your funeral,
leave your home, car , leave your pulpit.
join us in the streets where we
join us in the streets where we don't belong..
don't belong.
you and the stars throwing light."


dezembro 14, 2014

©Luis Quiles

PLAY Moby The perfect Life


"Contaram-me que ele tinha uma alegria tão grande que não podia aguentar um copo na mão: quebrava-o com a força dos dedos, com a grande força da sua alegria. Era uma criatura excepcional."



Os Passos Em Volta


Herberto Helder
©Josef Koudelka UNITED KINGDOM. 1977. Scottland

Nada não é coisa pouca.