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©Josef Koudelka. CZECHOSLOVAKIA. Prague. 1965. Theatre Divadlo Na Zabradli (On The Balustrade). "Waiting for Godot", a play written by Samuel BECKETT |
Estragon: E, dizes tu, que tudo isso aconteceu ontem?
Vladimir: Aconteceu.
Estragon: Aqui?
Vladimir: Sim, aqui. Não reconheces o lugar?
Estragon: (numa exasperação súbita) Reconhecer? Reconhecer o quê? Tenho vivido toda a minha vida atolado no mesmo chiqueiro e vens tu agora exigir que eu distinga tonalidades na paisagem! (Olhando à volta). Olha está estrumeira! Nunca sai disto!
Vladimir: Calma! Calma!
Estragon: Não me venhas para cá chatear com as tuas paisagens. Fala-me de esgotos!
Vladimir: Está bem, está bem, mas não me venhas dizer que isto (gesto) aqui é parecido com o Ribatejo! A diferença mete-se pelos olhos dentro.
Estragon: O Ribatejo! Quem falou aqui do Ribatejo?
Vladimir: Mas tu já estiveste no Ribatejo.
Estragon: Estás enganado. Nunca estive no Ribatejo. Tenho passado toda a porca da minha vida aqui, digo-te eu. Aqui, na Ribamerda.
Vladimir: A verdade é que estivemos os dois no Ribatejo. Punha as mãos no fogo. Andámos a vindimar para um tipo de que não me lembro o nome.
Estragon: (mais calmo) Talvez. Não dei por nada.
Vladimir: Lá, tudo é verde.
Estragon: (exaltado) Já te disse que não reparei em nada.
Silêncio. Vladimir suspira fundo.
Vladimir: É difícil viver contigo, Gogo.
Estragon: Era melhor separarmo-nos.
Vladimir: Andas sempre a repetir isso. Mas acabas por voltar.
Silêncio.
Estragon: O melhor, de facto, seria eu matar-me, como o outro.
Vladimir: Qual outro? (pausa). Quem?
Estragon: Milhões doutros.
Vladimir: (sentencioso) Na vida, cada um tem que levar sua cruz ao calvário. (Suspira). Até morrer e ser esquecido.
Estragon: Entretanto, vamos tentar conversar sem nos irritarmos, já que não somos capazes de estar calados.
Vladimir: É verdade, somos como duas gralhas.
Estragon: É para não pensar.
Vladimir: Temos as nossas desculpas.
Estragon: É para não ouvir.
Vladimir: Temos as nossas razões.
Estragon: Todas as vozes mortas.
Vladimir: São como um sussurro de asas.
Estragon: De folhas.
Vladimir: De areia.
Estragon: De folhas.
Silêncio.
Vladimir: Falam todas ao mesmo tempo.
Estragon: Cada uma para si mesma.
Silêncio.
Vladimir: Dir-se-ia que segredam.
Estragon: Murmuram.
Vladimir: Sussurram.
Estragon: Murmuram.
Silêncio.
Vladimir: Que é que elas dizem?
Estragon: Falam da vida delas.
Vladimir: Não lhes basta terem vivido.
Estragon: Não podem fugir a falar disso.
Vladimir: Não lhes basta estarem mortas.
Estragon: Não é suficiente.
Silêncio.
Vladimir: É como um rumor de penas.
Estragon: De folhas.
Vladimir: De cinzas.
Estragon: De folhas.
Silêncio prolongado.
Vladimir: Diz qualquer coisa!
Estragon: Estou a procurar.
Silêncio prolongado.
Vladimir: (com angústia) Diz qualquer coisa, não importa o quê. Mas fala!
Estragon: O que vamos nós fazer, agora?
Vladimir: Esperar por Godot!
Estragon: Ah, é verdade!
Silêncio.
Vladimir: Isto é doloroso!
À Espera de Godot, Teatro de Samuel Beckett, Editora Arcádia