|Assim repito o nome e sinto ainda o incêndio no rosto :|| paul celan |Porque é com nomes que alguém sabe | onde estar um corpo| por uma ideia, onde um pensamento | faz a vez da língua.| herberto helder
outubro 28, 2020
outubro 05, 2020
©raquelsav
Fôssemos folhas impermeáveis, povoadas de gotas esparsas, sem ambição de torrentes, e a história inscrita de luz alimentar-se-ia, de página em página, de nós. Mas o nosso curso é invisível, pintado entre utopias e esquecimentos. O nosso silêncio escreve-se no plural, sem conjugação, possível, em tempo futuro. Como se a beleza se diluísse na indefinição do rio e escondesse o brilho de cada uma das pequenas gotas que o constitui.
outubro 01, 2020
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©Robert Mapplethorpe |
"Ingeborg,
Este ano chego "indefinidamente"e tarde. Mas talvez só seja assim porque não quero que ninguém além de ti esteja presente quando eu puser papoilas, muitas papoilas, e memória, também muita memória, dois ramos grandes e brilhantes na tua mesa de aniversário. Há semanas que antecipo com alegria esse momento.
Paul"
(Paris, 20 de Junho de 1949)
julho 31, 2020
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©raquelsav |
que lançámos à terra,
em ato polinizador acidental.
Errámos na estação:
- quem colhe,
aguarda em silêncio pela flor.
Escolhe, com exactidão,
o segundo de semear.
Mas nós despimos do grão o tegumento
e, no estio dos dias longos,
a semente secou.
Não cuidámos da espera,
sucumbimos,
na ânsia de a ver florir.
Antes de eclodir, dormimos,
para, depois, morrer.
E assim morremos sempre,
a cada Primavera.
julho 30, 2020
julho 28, 2020
Este homem que esperou
humilde em sua casa
que o sol lavasse a cara
ao seu desgosto
Este homem que esperou
à sombra duma árvore
mudar a direcção
ao seu pobre destino
Este homem que pensou
com uma pedra na mão
transformá-la num pão
transformá-la num beijo
Este homem que parou
no meio da sua vida
e se sentiu mais leve
que a sua própria sombra
António Ramos Rosa (1960) | Antologia da novíssima poesia portuguesa | Círculo de poesia - Moraes Editores
julho 24, 2020
PLAY António Fragoso (1897-1918) | Prelúdio "Petite Suite"
13
explicar com palavras deste mundo
que partiu de mim um barco levando-me
Alejandra Pizarnik (1936-1972)
Antologia Poética, O correio dos Navios, 2002
julho 20, 2020
junho 09, 2020
PLAY Tamino | Indigo Night
"- Odeio gente que se mete com a literatura e depois não a sofre.
(...)
Acha que se as pessoas vivessem segundo os livros maiores estavam vivas?
- Os melhores não sobrevivem."
Maria Velho da Costa | Myra
"- Odeio gente que se mete com a literatura e depois não a sofre.
(...)
Acha que se as pessoas vivessem segundo os livros maiores estavam vivas?
- Os melhores não sobrevivem."
Maria Velho da Costa | Myra
maio 21, 2020
©raquelsav | maio 2020
Pão e vinho sobre a mesa e um relógio a fazer contas ao tempo - longínquo mas presente. Aromas de tanino e de fermento fazem crescer os minutos nas horas, que os segundos não são unidade que se preze à contemplação. A mão que mede e amassa é a mesma que brinda, é a mesma que empresta ao pêndulo a regularidade da oscilação e dos dias. Pelos ouvidos, de boca e olhos cerrados, come-se o pão no seu crepitar e bebe-se o vinho no seu choro hemático. O pão, o vinho e os dias de ontem não são iguais mas a história repete-se, invisível aos olhos de quem não sabe respirar.
abril 12, 2020
©raquelsav |abril2020
Há um método doloroso das coisas singulares e belas:
enquanto o ventre se veste de fogo e luz,
do dorso respiga a seiva aspergida.
A mão não se lava com a chuva que o vento engole,
nem a voz cerzida se faz ouvir na noite clara.
Mas há um rito na passagem:
entre a pétala e o espinho
- arde o milagre da vida.
abril 11, 2020
COMPOSIÇÃO DO LUGAR
Não caibo nesta tarde que me desfolhas
sobre o coração. Renovam-se sob os passos
todos os caminhos e o dia é uma página que lida
e soletrada descubro inatingível como o vento a rua e a vida
As mesmas mãos que antes desfraldavam
domésticas insígnias baixo dos beirais
emprestam novos pássaros às árvores
Pétala a pétala chego à corola desta minha hora
Roubo o meu ser a qualquer outro tempo
não há em mim memória de alguma morte
em nenhum outro lugar me edifiquei
Arredondas à minha volta os lábios para me dizer
recuo de repente àquele princípio que em tua boca tive
Eu sei que só tu sabes o meu nome
tentar sabê-lo foi afinal o único
esforço importante da minha vida
Sinto-me olhado e não tenho mais ser
que ser visto por ti. Há no meu ombro lugar
para o teu cansaço e a minha altura é para ser medida
palmo a palmo pela tua mão ferida
Ruy Belo | Todos os poemas | Assírio & Alvim
Não caibo nesta tarde que me desfolhas
sobre o coração. Renovam-se sob os passos
todos os caminhos e o dia é uma página que lida
e soletrada descubro inatingível como o vento a rua e a vida
As mesmas mãos que antes desfraldavam
domésticas insígnias baixo dos beirais
emprestam novos pássaros às árvores
Pétala a pétala chego à corola desta minha hora
Roubo o meu ser a qualquer outro tempo
não há em mim memória de alguma morte
em nenhum outro lugar me edifiquei
Arredondas à minha volta os lábios para me dizer
recuo de repente àquele princípio que em tua boca tive
Eu sei que só tu sabes o meu nome
tentar sabê-lo foi afinal o único
esforço importante da minha vida
Sinto-me olhado e não tenho mais ser
que ser visto por ti. Há no meu ombro lugar
para o teu cansaço e a minha altura é para ser medida
palmo a palmo pela tua mão ferida
Ruy Belo | Todos os poemas | Assírio & Alvim
"O medonho sentimento de incompletude de que nasce um antagonismo entre nós e o mundo talvez pudesse desaparecer, desde que um dos dois se modificasse: ou o mundo, ou nós; quimeras de insensatos, que eu execrava. No entanto, tendo chegado depois de uma longa introspecção a essa convicção de que, se o mundo se modificasse, eu deixaria de existir, e reciprocamente, descobri aí de modo bastante paradoxal uma reconciliação, uma possibilidade de compromisso. No sentido em que a coexistência era possível entre o mundo, por um lado, e por outro o pensamento de que não poderiam amar-me tal como eu era. A armadilha na qual o enfermo acaba sempre por cair não é a de resolver o antagonismo que o opõe ao mundo mas assumir integralmente esse antagonismo. E é por isso que o enfermo é incurável... incurável..."
Yukio Mishima | O templo dourado | Assírio & Alvim | p.84
abril 09, 2020
"283. A liberdade é a possibilidade do isolamento. És livre se podes afastar-te dos homens, sem que te obrigue a procurá-los a necessidade do dinheiro, ou a necessidade gregária, ou o amor, ou a glória, ou a curiosidade, que no silêncio e na solidão não podem ser alimento. Se te é impossível viver só, nasceste escravo. Podes ter todas as grandezas de espírito, todas da alma; és um escravo nobre, ou um servo inteligente: não és livre. (...) Nascer liberto é a maior grandeza do homem."
Fernando Pessoa (Bernardo Soares) | Livro do desassossego |Assírio & Alvim
janeiro 29, 2020
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©Thomas Dworzak | KYRGYZSTAN | Bishkek | March 2005. |
A língua foge para tocar a dor.
Às vezes, é bom doer.
A dor,
espécie de carta registada,
com aviso de recepção:
em jeito de nos fazer vivos,
assim, como quem adia a morte,
por extenso.
janeiro 28, 2020
Vida suspensa
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raquelsav2020 |
Se ao corpo, que dói, cortarmos a raiz
o que sobra,
depois?:
- Corjas de folhas secas em voo rasante?
- Troncos verdes de rachar em lenha?
- Punhados de terra, em húmus,
prontos a alimentar a dor?
É quase um regresso em coisa pouca:
nem a terra é tudo,
nem do osso renasce a pele.
janeiro 15, 2020
janeiro 12, 2020
dezembro 31, 2019
raquelsav 2014 |
Herta Müller | O homem é um grande faisão sobre a terra | 1993 | Cotovia
dezembro 30, 2019
Não são as estrelas que não chegam,
no céu diário e nocturno,
quando vemos cair,
sem espanto,
o sol a pique.
Achamos que é um loop habitual,
e cegamos de ignorância,
ora por excesso, ora por ausência
de luz.
Cai o sol,
enquanto nascem,
pela manhã, outras estrelas
cuja luz não nos ilumina:
queremos mais de amanhã,
como ontem queríamos de hoje.
quando chega,
traz notícias do sol,
mas, hoje,
a lua perdeu o sol de vista.
no céu diário e nocturno,
quando vemos cair,
sem espanto,
o sol a pique.
Achamos que é um loop habitual,
e cegamos de ignorância,
ora por excesso, ora por ausência
de luz.
Cai o sol,
enquanto nascem,
pela manhã, outras estrelas
cuja luz não nos ilumina:
queremos mais de amanhã,
como ontem queríamos de hoje.
Esperamos pelo erguer de um sol,
impacientes,
por uma lua magoada que não há-de vir:quando chega,
traz notícias do sol,
mas, hoje,
a lua perdeu o sol de vista.
dezembro 26, 2019
História inventada
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raquelsav | 2019 |
Um dia, o poema saltou para um livro da Sophia. Esperou, esperou, mas ninguém o leu.
Era uma vez um poema que chorava. Era um poema que chorava por não ser lido.
Um dia, o poema subiu à torre do castelo e projectou-se no céu. Mas era noite das festas da cidade e, na confusão das luzes, ninguém o viu.
Era uma vez um poema que chorava. Era um poema que chorava por não ser lido.
Um dia, trepou para um quadro exposto no corredor da biblioteca municipal e, vaidoso, via multidões a passar. Esperou, esperou, mas ninguém o admirou.
Era uma vez um poema que chorava. Era um poema que chorava por não ser lido.
Um dia, escondeu-se numa música popular. Todos a trauteavam mas ninguém a ouvia.
Era um poema que chorava. Era um poema cada vez mais triste.
Até que uma menina pediu, para ele, um final feliz. O poema saía, palavra por palavra, da história contada, pela boca da mãe.
- A menina sou eu?
O poema sorriu e a menina também.
dezembro 11, 2019
Dor boomerang
PLAY Nick Cave | Spinnin song
And I love you, and I love you, and I love you, and I love you
And I love you, and I love you, and I love you
Peace will come, and peace will come, and peace will come in time
Time will come, and time will come, a time will come for us
Peace will come, and peace will come, and peace will come in time
Time will come, and time will come, a time will come for us
And I love you, and I love you, and I love you
Peace will come, and peace will come, and peace will come in time
Time will come, and time will come, a time will come for us
Peace will come, and peace will come, and peace will come in time
Time will come, and time will come, a time will come for us
novembro 08, 2019
Déjà vu
"Abri o meu último maço de cigarros e ficámos na cama a beber e a fumar.
- Estás completamente lá - disse ela.
- Como assim?
- Nunca conheci um homem como tu.
- Ah foi? - Os outros só estão dez por cento lá ou vinte por cento, tu estás completamente lá, todo tu estás muito lá, é uma grande diferença.
- Não faço ideia.
- És viciante, sabes viciar uma mulher. "
Charles Bukowski (1975) | Factotum | Alfaguara | 2017
- Estás completamente lá - disse ela.
- Como assim?
- Nunca conheci um homem como tu.
- Ah foi? - Os outros só estão dez por cento lá ou vinte por cento, tu estás completamente lá, todo tu estás muito lá, é uma grande diferença.
- Não faço ideia.
- És viciante, sabes viciar uma mulher. "
Charles Bukowski (1975) | Factotum | Alfaguara | 2017
novembro 05, 2019
PLAY Fausto | Por que me olhas assim
Por que rio
deste
(a)mar,
em choro?
Por que rio
deste
(a)mar,
em choro?
"cruzando outras pontes de mares que são rios"
outubro 23, 2019
outubro 19, 2019
outubro 18, 2019
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©MC Escher |
PLAY Fausto | Lembra-me um sonho lindo
Este odor estival,
sem vestígios de Primavera,
lembra o tédio de um solistício abortado
sem memórias de parto.
outubro 01, 2019
So happy birthday
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raquelsav | set 2019 |
Atirei um pau à vida
mas a vida não morreu
e acordei eternamente
no berro que a vida deu.
agosto 10, 2019
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©raquelsav | agosto 2019 | mm |
"My body is a cage that keeps me
From dancing with the one I love
But my mind holds the key"
From dancing with the one I love
But my mind holds the key"
junho 19, 2019
junho 18, 2019
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©six_feet_under |
"Debaixo destes tectos, entre cada quatro paredes, cada um procura reduzir a vida a uma insignificância. Todo o trabalho insano é este: reduzir a vida a uma insignificância, edificar um muro feito de pequenas coisas diante da vida. Tapá-la, escondê-la, esquecê-la. O sino toca a finados, já ninguém ouve o som a finados. A morte reduz-se a uma cerimónia, em que a gente se veste de luto e deixa cartões-de-visita. Se eu pudesse restringia a vida a um tom neutro, a um só cheiro, o mofo, e a vila a cor mata-borrão. Seres e coisas criam o mesmo bolor, como uma vegetação criptogâmica, nascida ao acaso em sítio húmido. (...)
Sempre as mesmas coisas repetidas, as mesmas palavras, os mesmos hábitos. Construímos ao lado da vida outra vida que acabou por nos dominar. Vamos até à cova com palavras. (...)
Se nos detivéssemos com palavras, se avançássemos, todos ao mesmo tempo, esquecendo o que é inútil, para esta coisa que nos devora, subjugávamo-la. Conquistávamo-la por uma vez, por maior que ela fosse. Mas nenhum de nós se atreve e passamos a vida a fingir que não existe "
Raul Brandão (1917) | Húmus | Relógio d'Água | 2015
junho 16, 2019
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©six_feet_under |
"Our love is six feet under
I can't help but wonder
If our grave was watered by the rain
Would roses bloom?
Could roses bloom?
They're playing our sound
Laying us down tonight
And all of these clouds
Bringing us back to life
But you're cold as a night"
maio 18, 2019
maio 05, 2019
"A casa é a casa de família, é para lá pôr as crianças e os homens, para os manter num lugar feito para eles, para conter a sua perdição, para os distrair desse humor de aventura e de fuga que é o deles, desde o princípio dos tempos. Quando se aborda esse tema o mais difícil é chegar ao material liso, sem asperezas, que é o pensamento da mulher em torno dessa empresa demente que uma casa representa. A de procurar o ponto de união comum às crianças e aos homens.
O próprio lugar da utopia é a casa criada pela mulher, essa tentativa à qual ela não resiste, e que é a de interessar aos seus não a felicidade mas na procura dela, como se os próprio interesse do empreendimento andasse em torno dessa procura, exactamente, e não se pudesse rejeitar com firmeza a proposta só por ser geral. A mulher diz que é preciso simultaneamente desconfiar e compreender esse interesse singular pela felicidade. Pensa que isso vai levar as crianças, mais tarde, a procurarem um estado feliz da vida. É o que pretende a mulher, a mãe, levar o filho a interessar-se pela vida. A mãe sabe que o interesse pela felicidade dos outros é menos perigosa para a criança do que acreditar na felicidade para a própria. (...)
São as coisas em que as mulheres pensam muito, durante anos, e que fazem o leito do pensamento delas quando as crianças são pequenas: como evitar-lhes o mal. E isso para quase nunca levar a nada.
(...)
A casa interior. A casa material.
A primeira escola foi a minha própria mãe."
Marguerite Duras | A vida material | Difel | 1987
maio 03, 2019
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©raquelsav | 2019 |
PLAY Chet Baker | Almost Blue
Seria seguro que nos amarrassem os pés ao céu,
se neles houvesse todo o peso da terra.
Levitar, assim, distraidamente,
num poema inventado para fazer voar,
desses de dar asas a quem não tem onde cair vivo.
E, tão pesadamente, voar mesmo assim,
para esses lugares onde nascem os verbos
e repousam, sem fim, as palavras que não existem,
ainda.
maio 01, 2019
fotogramas "Ovsyanki" | 2010 | Aleksei Ferdorchenko
“A água é o sonho de todo o Merja. Afogamentos para sufocar
de ternura, alegria e saudade. Se
encontramos alguém que se afogou, não o queimamos. Nós amarramo-lo a um peso e
devolvemo-lo à água. A água substitui o seu corpo por um novo, flexível. Morrer
da água é a imortalidade para um Merja. (...)
Meu pai sonhava com afogamento, mas os Merja não se afogam.
É descortês correr para o céu à frente dos outros. A própria água escolhe as pessoas. Ela é o juiz. (...)
O corpo de uma mulher também é um rio que leva a tristeza embora. A única pena é que não nos podemos afogar nele.”
O corpo de uma mulher também é um rio que leva a tristeza embora. A única pena é que não nos podemos afogar nele.”
abril 16, 2019
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©Ana_Paula_Lopes |
PLAY Jordi Savall | Lachrimae Caravaggio
Adormeci a nascente,
para não mais acordar.
E o sol, sobre azul celeste,
assim se pôs,
em luz dourada,
que tudo iluminou.
Apenas do crepúsculo -
o Renascer.
março 15, 2019
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©raquelsav | MM | março2019 |
Hão-de cair estrelas pelo mar,
para habitar a onda extensa de sal,
num rasto concêntrico de espuma,
que assina, pela mão,
uma história milenar.
Não.
Não quisera fazer da história um mar,
sequer um rito de onda em maré,
de sol em lua,
assinatura menstrual dos dias sãos.
Há uma orla de pé que não sabe
da terra gasta e nua,
terra casta em mar déspota,
a reflectir um céu cru.
Há um escravo maduro da maré,
um exoesqueleto de coral,
quarteto desafinado,
que resiste pela espuma e pelo sal.
Mas a terra que tarda,
da estrela que não cai,
diz de si em rito jugo:
- Não.
Não hão-de cair estrelas pelo mar,
nem a espuma há-de dançar na orla da maré.
Não há terra que não seja fria,
e a febre aquece mas não berra,
não se ouve,
só se esquece.
Não. Não quisera fazer do mar essa história.
março 04, 2019
março 02, 2019
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Gilles Peress | ZAIRE. Goma. 1994. Near the border of Rwanda. |
She stood by the door
of her Virginia farm
pulling a sweater on
the branches
of the dogwood
she had tended
were bowed
blossoms loosened
tossed in sudden snow
the deer stood
in mute wonder
by her garden’s edge
she slipped the phone
in her pocket
her daughter
unharmed
among
petals gone
she snapped
a branch
a tempest stalled
she felt the boy
she felt the dead
she felt the families
she felt the wind
the deer don’t do that
she said
the deer don’t do that
Patti Smith
(in https://www.newyorker.com/magazine/2007/05/07/tara)
fevereiro 19, 2019
©raquelsav | MM | fev2019 |
Acordei para roubar palavras ao céu,
e quem foi assaltada fui eu.
fevereiro 15, 2019
Se é uma criança, diz: eu cá sou cor-de-laranja.
Crianças de pensamento.
Sou amarela.
E pela sua força apenas se concentram as frutas
por todos os lados iluminadas
a vento, a oxigénio.
As crianças entram no sono que as aguardava como uma sala.
Eu cá sou caldeada na minha labareda.
O sono fecha-lhes os ombros à sua própria volta.
E quem tem tanta memória que a massa de átomos,
quando passe,
encrespe, acorde, alumie a última criança?
O mistério é só este: primeiro são cor de pólen,
transfundem-se depois em palavras siderais, botânicas.
As frutas adoçam-se.
Sacode-se a árvore do ar: eu cá sou de plutónio, chamejo, caio.
Os dias separam-se das suas trevas internas.
herberto helder | Ofício cantante | Assírio & Alvim | 2009
Crianças de pensamento.
Sou amarela.
E pela sua força apenas se concentram as frutas
por todos os lados iluminadas
a vento, a oxigénio.
As crianças entram no sono que as aguardava como uma sala.
Eu cá sou caldeada na minha labareda.
O sono fecha-lhes os ombros à sua própria volta.
E quem tem tanta memória que a massa de átomos,
quando passe,
encrespe, acorde, alumie a última criança?
O mistério é só este: primeiro são cor de pólen,
transfundem-se depois em palavras siderais, botânicas.
As frutas adoçam-se.
Sacode-se a árvore do ar: eu cá sou de plutónio, chamejo, caio.
Os dias separam-se das suas trevas internas.
herberto helder | Ofício cantante | Assírio & Alvim | 2009