abril 18, 2021

 




abril 08, 2021

 

Fotograma da série "Shtisel"

abril 07, 2021

©raquelsav | abril 2021


As mães não caçam os ovos com os filhos porque é Primavera e os pássaros já nasceram. Os ninhos são teias de cabelos de mãe, que aquecem os ovos, que afagam os filhos. E os ramos das árvores são os altos braços das mães que seguram os ninhos. Mas os braços secam, porque as árvores também choram, e os ninhos caem para os filhos terem de voar. Na queda, as mães são as madrinhas de voo do baptismo dos filhos. E os seus dedos de fada são varinhas de condão que não concedem desejos. As mães sabem que por cada desejo realizado morre um sonho antigo. Por isso, são inábeis caçadoras de sonhos dos filhos, preferem deixá-los voar. 

 As mães são gotas de água na frágil teia dos filhos, nascem no orvalho da manhã e secam no estio das suas vidas. As teias desfazem-se e as gotas das mães são o mar, que é salgado com as lágrimas dos lutos dos filhos. Elas bebem o mar, por inteiro, para dar pé aos filhos. E eles caminham até aos braços salgados das suas mães. O abraço das mães é a casa sagrada dos filhos - é por isso que os filhos transportam a chave do coração das mães.

março 29, 2021

“ - eu e as minhas paixões não coincidimos,

- mana, o seu corpo tem uma paixão que não lhe pertence.

(vai até onde a estranheza 

te acompanha. Ela é o cão 

da tua sombra)”

Rui Nunes | A boca na cinza | Relógio D’Agua | 2003

março 26, 2021

fevereiro 11, 2021

                    
PLAY Kurt Schwitters| Ursonate |1932

janeiro 22, 2021

©raquelsav | 2020

Há palavras que não dizemos
e que pomos sem dizê-las nas coisas.
E as coisas guardam-nas,
e um dia respondem-nos com elas
e salvam-nos o mundo,
como um amor secreto
em cujos dois extremos
há uma só entrada.
Não haverá uma palavra
dessas que não dizemos
que tenhamos colocado
sem querer no nada?

******************************
O ser começa entre as minhas mãos de homem.
O ser,
todas as mãos,
qualquer palavra que se diga no mundo,
o trabalho da tua morte,
Deus, que não trabalha.

Mas o não ser também começa entre as minhas mãos de homem.

O não-ser,
todas as mãos,
a palavra que se diz fora do mundo, 
as férias da tua morte,
a fadiga de Deus,
a mãe que nunca terá filho,
meu não morrer ontem.

Mas as minhas mãos de homem onde começam?

Roberto Juarroz | Poesia Vertical | Campo das letras| 1998


******************************

A PALAVRA HOMEM
A palavra Homem, como vocábulo
no lugar que é o seu
no dicionário Morais:
entre hombridade e homenagem.

A cidade
velha e nova,
muito animada, com árvores
também
e carros, aqui

ouço a palavra, o vocábulo
ouço-o muitas vezes aqui, podia
dizer em que bocas, podia começar
a contá-las.

Onde não há amor
não pronuncies essa palavra.
Johannes Bobrowski | Sinais de tempo in Como um Respirar- Antologia poética | Edições Cotovia| 1990


janeiro 21, 2021

 

©raquelsav | 2021

A guilhotina do dia
decapita
a nomenclatura triste das coisas
e tudo passa a ter um só nome,
pressentido, vertiginoso, impronunciável.
Tudo joga o grande jogo:
desfilar,
transitar como um gesto de adeus,
tremer, saltar, pensar ou não pensar,
sentir, cair, calar o nome.
Calar o nome,
dizê-lo
sem a palavra agreste de uma linguagem.
Toda a realidade é afinal isto:
dizer um nome do outro modo.

Roberto Juarroz | Poesia Vertical | Campo das letras| 1998

janeiro 06, 2021

Kenji Mizoguchi | Contos da Lua Vaga | 1953 | Japão

"Quem me dá certezas que o livro não tem?"


Letra: Mário Cláudio
Música: Bernardo Sassetti
Intérpretes: Carlos do Carmo & Bernardo Sassetti

Retrato
Quando a tarde passa, abre-se outra porta
Se o morcego voa, a estrela desponta
Ser de hoje ou de sempre, nada disso importa
Todo o tempo corre só por nossa conta

Sei de praias brancas, de velas queimadas
Se perdi meus passos em longa carreira
Tive pais e filhos, tive namoradas
E encontrei-me logo aqui mesmo à beira

Jogo minhas cartas na mesa da vida
Recolho moedas e penas também
Alma incandescente, de frio transida
Quem me dá certezas que o livro não tem

O vinho bebido ao sangue juntei
E os frutos da terra descobri em mim
Que ninguém me diga que morreu sem lei
Que ninguém me diga que morreu assim.

dezembro 23, 2020

dezembro 20, 2020

O rosto da voz




ALLERSEELEN

(TODOS-OS-SANTOS)

Que fiz
eu?
Inseminei a noite, como se outras
pudessem vir, mais nocturnas que
esta.

Voo de ave, voo de pedra, mil
trajectórias descritas. Olhares,
pilhados e colhidos. O mar,
provado, sorvido, absorto. Uma hora,
obscurecida de almas. A seguinte, uma luz outonal,
ofertada a um sentimento
cego, que tomou o caminho. Outras, muitas,
sem lugar e pesadas de si mesmas: avistadas e contornadas.
Rochas erráticas, estrelas,
negras e plenas de linguagem: nomeadas
por jura de silêncio rasgado.

E certa vez (quando? também isto se esqueceu):
o pulso sentiu o gancho,
quando ousava desprender-se.

Paul Celan, Não Sabemos mesmo O Que importa, Relógio D'Água, 2014
PLAY Jeff Buckley | Mojo Pin

dezembro 19, 2020

PLAY Amália Rodrigues | Meu amor Meu amor 

novembro 21, 2020

 

Filipe Melo & Juan Cavia| Balada para Sophie | 2020

novembro 06, 2020

([#1] Resposta de ninguém)

 1

ligeiramente suspenso, pensei: nunca mais

poderei esquecê-lo. as longas, secas

estradas; os passos na água, nus,

e a perfeita esfera dos versos;

o instante em que o céu é redondo e

inútil,

são-me memória deste chãos, deste cuspo

espantado, no silêncio aberto das coisas.


mudo de rosto para ver-te. nenhum deus

te possui. o caule

do vento te cobre.

e descemos a luz, a transparência

os corredores solenes da lembrança

onde dormidas fúrias anoitecem.

confio na muda boa, ó gume fulvo

de ninguém!


as palavras existem no intervalo das palavras.

nenhuma imagem é o permanente futuro dos corpos

quando se enlaçam, quando se sonham

a colina e a água,

a cidade e o rosto 

móvel da multidão apaixonada,

que se afasta correndo para o lado da terra

onde jamais arderam.

António Franco Alexandre | Poemas | Assírio&Alvim


outubro 09, 2020

©raquelsav

PLAY Beverly Glenn-Copeland | Ghost House

Como pés de espectros, que fogem ao chão.

outubro 05, 2020

©raquelsav

Fôssemos folhas impermeáveis, povoadas de gotas esparsas, sem ambição de torrentes, e a história inscrita de luz alimentar-se-ia, de página em página, de nós. Mas o nosso curso é invisível, pintado entre utopias e esquecimentos. O nosso silêncio escreve-se no plural, sem conjugação, possível, em tempo futuro. Como se a beleza se diluísse na indefinição do rio e escondesse o brilho de cada uma das pequenas gotas que o constitui. 

outubro 01, 2020

©Robert Mapplethorpe

PLAY João Berhan | Roupa Nova

"Ingeborg,

Este ano chego "indefinidamente"e tarde. Mas talvez só seja assim porque não quero que ninguém além de ti esteja presente quando eu puser papoilas, muitas papoilas, e memória, também muita memória, dois ramos grandes e brilhantes na tua mesa de aniversário. Há semanas que antecipo com alegria esse momento.

Paul"

(Paris, 20 de Junho de 1949)

julho 31, 2020

©raquelsav
Secámos a semente
que lançámos à terra,
em ato polinizador acidental.
Errámos na estação:
- quem colhe,
aguarda em silêncio pela flor.
Escolhe, com exactidão,
o segundo de semear.

Mas nós despimos do grão o tegumento
e, no estio dos dias longos,
a semente secou.
Não cuidámos da espera,
sucumbimos,
na ânsia de a ver florir.
Antes de eclodir, dormimos,
para, depois, morrer.
E assim morremos sempre,
a cada Primavera.



julho 30, 2020

NAS COSTAS DE UMA FOTOGRAFIA
Vou curvado, indeciso.
A outra mão tem três anos.
Uma mão de oitenta anos e uma de três anos.
Agarramo-nos. Com força, agarramo-nos.”
Pilinszky János | Antologia da Poesia Húngara| Âncora Editora

julho 28, 2020



Este homem que esperou
humilde em sua casa
que o sol lavasse a cara
ao seu desgosto

Este homem que esperou
à sombra duma árvore
mudar a direcção
ao seu pobre destino

Este homem que pensou
com uma pedra na mão
transformá-la num pão
transformá-la num beijo

Este homem que parou
no meio da sua vida
e se sentiu mais leve 
que a sua própria sombra

António Ramos Rosa (1960) | Antologia da novíssima poesia portuguesa | Círculo de poesia - Moraes Editores



julho 24, 2020


PLAY António Fragoso (1897-1918) | Prelúdio "Petite Suite"

13
explicar com palavras deste mundo
que partiu de mim um barco levando-me

Alejandra Pizarnik (1936-1972)
Antologia Poética, O correio dos Navios, 2002

julho 20, 2020

junho 09, 2020

PLAY Tamino | Indigo Night

"- Odeio gente que se mete com a literatura e depois não a sofre.
(...)
Acha que se as pessoas vivessem segundo os livros maiores estavam vivas?
- Os melhores não sobrevivem."


Maria Velho da Costa | Myra

maio 21, 2020

©raquelsav | maio 2020

PLAY Bernardo Sassetti | Prelúdio para uma história invisível

Pão e vinho sobre a mesa e um relógio a fazer contas ao tempo - longínquo mas presente. Aromas de tanino e de fermento fazem crescer os minutos nas horas, que os segundos não são unidade que se preze à contemplação. A mão que mede e amassa é a mesma que brinda, é a mesma que empresta ao pêndulo a regularidade da oscilação e dos dias. Pelos ouvidos, de boca e olhos cerrados, come-se o pão no seu crepitar e bebe-se o vinho no seu choro hemático. O pão, o vinho e os dias de ontem não são iguais mas a história repete-se, invisível aos olhos de quem não sabe respirar.

abril 12, 2020

©raquelsav |abril2020


Há um método doloroso das coisas singulares e belas:
enquanto o ventre se veste de fogo e luz,
do dorso respiga a seiva aspergida.

A mão não se lava com a chuva que o vento engole,
nem a voz cerzida se faz ouvir na noite clara.

Mas há um rito na passagem:
entre a pétala e o espinho 
-  arde o milagre da vida.
  


abril 11, 2020

COMPOSIÇÃO DO LUGAR

Não caibo nesta tarde que me desfolhas
sobre o coração. Renovam-se sob os passos
todos os caminhos e o dia é uma página que lida
e soletrada descubro inatingível como o vento a rua e a vida
As mesmas mãos que antes desfraldavam
domésticas insígnias baixo dos beirais
emprestam novos pássaros às árvores
Pétala a pétala chego à corola desta minha hora
Roubo o meu ser a qualquer outro tempo
não há em mim memória de alguma morte
em nenhum outro lugar me edifiquei
Arredondas à minha volta os lábios para me dizer
recuo de repente àquele princípio que em tua boca tive
Eu sei que só tu sabes o meu nome
tentar sabê-lo foi afinal o único
esforço importante da minha vida
Sinto-me olhado e não tenho mais ser
que ser visto por ti. Há no meu ombro lugar
para o teu cansaço e a minha altura é para ser medida
palmo a palmo pela tua mão ferida

Ruy Belo | Todos os poemas | Assírio & Alvim

"O medonho sentimento de incompletude de que nasce um antagonismo entre nós e o mundo talvez pudesse desaparecer, desde que um dos dois se modificasse: ou o mundo, ou nós; quimeras de insensatos, que eu execrava. No entanto, tendo chegado depois de uma longa introspecção a essa convicção de que, se o mundo se modificasse, eu deixaria de existir, e reciprocamente, descobri aí de modo bastante paradoxal uma reconciliação, uma possibilidade de compromisso. No sentido em que a coexistência era possível entre o mundo, por um lado, e por outro o pensamento de que não poderiam amar-me tal como eu era. A armadilha na qual o enfermo acaba sempre por cair não é a de resolver o antagonismo que o opõe ao mundo mas assumir integralmente esse antagonismo. E é por isso que o enfermo é incurável... incurável..." 

Yukio Mishima | O templo dourado | Assírio & Alvim | p.84

abril 09, 2020


"283. A liberdade é a possibilidade do isolamento. És livre se podes afastar-te dos homens, sem que te obrigue a procurá-los a necessidade do dinheiro, ou a necessidade gregária, ou o amor, ou a glória, ou a curiosidade, que no silêncio e na solidão não podem ser alimento. Se te é impossível viver só, nasceste escravo. Podes ter todas as grandezas de espírito, todas da alma; és um escravo nobre, ou um servo inteligente: não és livre. (...) Nascer liberto é a maior grandeza do homem."
Fernando Pessoa (Bernardo Soares) | Livro do desassossego |Assírio & Alvim

fevereiro 03, 2020

janeiro 29, 2020


©Thomas Dworzak | KYRGYZSTAN | Bishkek | March 2005.
PLAY Linda Martini |Tremor essencial

A língua foge para tocar a dor.

Às vezes, é bom doer.

A dor,
espécie de carta registada,
com aviso de recepção:
em jeito de nos fazer vivos,
assim, como quem adia a morte,
por extenso.

janeiro 28, 2020

 


"Joan used to say: all you need is someone to love, something to do and something to wish for"

Derek

Vida suspensa

raquelsav2020
PLAY Linda Martini | Este mar

Se ao corpo, que dói, cortarmos a raiz
o que sobra,
depois?:
- Corjas de folhas secas em voo rasante?
- Troncos verdes de rachar em lenha?
- Punhados de terra, em húmus,
prontos a alimentar a dor?

É quase um regresso em coisa pouca:
nem a terra é tudo,
nem do osso renasce a pele.

janeiro 27, 2020

Karl Pilkington / Dougie in ''Derek'' Finale S01

Dylan Thomas reciting his villanelle 'Do Not Go Gentle into that Good Night"

janeiro 12, 2020

Ossos do ofício

 

©raquelsav | 2020 | Peniche

dezembro 31, 2019

raquelsav 2014
"Windisch vai empurrando a bicicleta. Olha para a lua. O guarda-noctuno diz em voz baixa, mastigando: ‹‹o homem é um grande faisão sobre a terra.›› Windisch levanta o saco e coloca-o na bicicleta. ‹‹o homem é forte››, diz ele, ‹‹mais forte que as bestas.››
Herta Müller | O homem é um grande faisão sobre a terra | 1993 | Cotovia

dezembro 30, 2019

Não são as estrelas que não chegam,
no céu diário e nocturno,
quando vemos cair,
sem espanto,
o sol a pique.
Achamos que é um loop habitual,
e cegamos de ignorância,
ora por excesso, ora por ausência
de luz.

Cai o sol,
enquanto nascem,
pela manhã, outras estrelas
cuja luz não nos ilumina:
queremos mais de amanhã,
como ontem queríamos de hoje.
Esperamos pelo erguer de um sol,
impacientes,
por uma lua magoada que não há-de vir:
quando chega,
traz notícias do sol,
mas, hoje,
                 a lua perdeu o sol de vista.

dezembro 26, 2019

História inventada

raquelsav | 2019
Era uma vez um poema que chorava. Era um poema que chorava por não ser lido.
Um dia, o poema saltou para um livro da Sophia. Esperou, esperou, mas ninguém o leu.

Era uma vez um poema que chorava. Era um poema que chorava por não ser lido.
Um dia, o poema subiu à torre do castelo e projectou-se no céu. Mas era noite das festas da cidade e, na confusão das luzes, ninguém o viu.

Era uma vez um poema que chorava. Era um poema que chorava por não ser lido.
Um dia, trepou para um quadro exposto no corredor da biblioteca municipal e, vaidoso, via multidões a passar. Esperou, esperou, mas ninguém o admirou.

Era uma vez um poema que chorava. Era um poema que chorava por não ser lido.
Um dia, escondeu-se numa música popular. Todos a trauteavam mas ninguém a ouvia.

Era um poema que chorava. Era um poema cada vez mais triste.
Até que uma menina pediu, para ele, um final feliz. O poema saía, palavra por palavra, da história contada,  pela boca da mãe.
- A menina sou eu?
O poema sorriu e a menina também.

dezembro 11, 2019

Dor boomerang

PLAY Nick Cave | Spinnin song

And I love you, and I love you, and I love you, and I love you
And I love you, and I love you, and I love you
Peace will come, and peace will come, and peace will come in time
Time will come, and time will come, a time will come for us
Peace will come, and peace will come, and peace will come in time
Time will come, and time will come, a time will come for us

novembro 08, 2019

Déjà vu

"Abri o meu último maço de cigarros e ficámos na cama a beber e a fumar.
- Estás completamente lá - disse ela.
- Como assim?
- Nunca conheci um homem como tu.
- Ah foi? - Os outros só estão dez por cento lá ou vinte por cento, tu estás completamente lá, todo tu estás muito lá, é uma grande diferença.
- Não faço ideia.
- És viciante, sabes viciar uma mulher. "

Charles Bukowski (1975) | Factotum | Alfaguara | 2017

novembro 05, 2019

PLAY Fausto | Por que me olhas assim

Por que rio
deste
(a)mar,
em choro?

"cruzando outras pontes de mares que são rios"

outubro 19, 2019


©Cristina Garcia Rodero | USA. Nevada. Burning Man Festival. Candle-man.
Hão-de cair máscaras até ao nascer do dia,
e inventaremos palavras e chaves
que nos hão-de cobrir o rosto.
Mas nem uma flor veremos abrir,
porque não sabemos como não falhar
à Primavera.

outubro 18, 2019

©MC Escher

PLAY Fausto | Lembra-me um sonho lindo

Este odor estival,
sem vestígios de Primavera,
lembra o tédio de um solistício abortado
sem memórias de parto.

outubro 04, 2019

Lorne Malvo: " O seu problema é ter passado a vida a achar que existem regras. Não existem. Nós costumávamos ser gorilas"

outubro 01, 2019

So happy birthday

raquelsav | set 2019
PLAY Laurie Anderson | Born, never asked


Atirei um pau à vida
mas a vida não morreu
e acordei eternamente
no berro que a vida deu.

agosto 10, 2019

©raquelsav | agosto 2019 | mm
PLAY Peter Gabriel | My body is a cage

"My body is a cage that keeps me
From dancing with the one I love
But my mind holds the key"
 

junho 19, 2019

Na impossibilidade da amizade ter um fim,
continuar a amar é dizer adeus.

Daniel Faria (1971 -1999) | Poesia | Edições Quasi | 2006

junho 18, 2019

©six_feet_under
"Debaixo destes tectos, entre cada quatro paredes, cada um procura reduzir a vida a uma insignificância. Todo o trabalho insano é este: reduzir a vida a uma insignificância, edificar um muro feito de pequenas coisas diante da vida. Tapá-la, escondê-la, esquecê-la. O sino toca a finados, já ninguém ouve o som a finados. A morte reduz-se a uma cerimónia, em que a gente se veste de luto e deixa cartões-de-visita. Se eu pudesse restringia a vida a um tom neutro, a um só cheiro, o mofo, e a vila a cor mata-borrão. Seres e coisas criam o mesmo bolor, como uma vegetação criptogâmica, nascida ao acaso em sítio húmido. (...)

Sempre as mesmas coisas repetidas, as mesmas palavras, os mesmos hábitos. Construímos ao lado da vida outra vida que acabou por nos dominar. Vamos até à cova com palavras. (...)

Se nos detivéssemos com palavras, se avançássemos, todos ao mesmo tempo, esquecendo o que é inútil, para esta coisa que nos devora, subjugávamo-la. Conquistávamo-la por uma vez, por maior que ela fosse. Mas nenhum de nós se atreve e passamos a vida a fingir que não existe "      

Raul Brandão (1917) Húmus | Relógio d'Água | 2015