©raquelsav | 2022 | Castro Laboreiro |
PLAY Ash Ra Tempel | Day dream
"I will come to see after a year
To know if you'll be happier
And he vanished
In the secret of the universe
And he vanished
In the secret of the universe”
Ash Ra Tempel
|Assim repito o nome e sinto ainda o incêndio no rosto :|| paul celan |Porque é com nomes que alguém sabe | onde estar um corpo| por uma ideia, onde um pensamento | faz a vez da língua.| herberto helder
©raquelsav | 2022 | Castro Laboreiro |
PLAY Ash Ra Tempel | Day dream
"I will come to see after a year
To know if you'll be happier
And he vanished
In the secret of the universe
And he vanished
In the secret of the universe”
Ash Ra Tempel
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Funchal, década de 60 Padre João Vieira (15.02.1927 - 24.10.2022) |
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© Elliott_Erwitt | Paris. 1998. |
Eu era lume sobre sede e tu procuravas dar-me a beber, gomo a gomo, laranja-cor-de-sangue de Simic. Demoravas repetidas vezes:
- A laranja parte-se em silêncio à entrada de noites fabulosas.
E eu ouvia cada sílaba, na cadência dos teus lábios secos. Não entendia. Sempre ouvira dizer que de manhã é ouro, à tarde prata mas que, à noite, a laranja mata. E era noite. Demasiadamente noite.
Desesperada, repeti, em fuga, baixo contínuo, o que me pareceu uma troca justa.
|| Um gomo por uma nota de Bach. Uma sílaba tua por uma nota de Bach:||
Tu recusaste. Disseste que eu não tinha a cabeça de vidro.
- Não és transparente e não se come laranja com a boca suja. Não distinguirias o doce da laranja do amargo da palavra. Nunca, para ti, o gomo secreto de Al Berto. Não és do lado de fora da cidade.
Ficámos em silêncio.
Impusemos a despedida.
________________________
Hoje, ainda te oiço:
- Tu não tens como matar a sede.
Concordo. Nunca possuirei a transparência louca e ácida de quem compreende a laranja. Mas releio-me na "alta solidão que nem pode ser nossa de tão pura".
E eu sei que
não há sede que a palavra, nos teus lábios, não (me) mate.
Enquanto espero resposta, envio nova carta
branca.
Prefiro que me respondas em silêncio
também.
Ninguém vive no que escreve:
apenas reescreve o presente num passado
triste.
©Elliott Erwitt | North Carolina | 1950 |
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©raquelsav | abril 2021 |
1
ligeiramente suspenso, pensei: nunca mais
poderei esquecê-lo. as longas, secas
estradas; os passos na água, nus,
e a perfeita esfera dos versos;
o instante em que o céu é redondo e
inútil,
são-me memória deste chãos, deste cuspo
espantado, no silêncio aberto das coisas.
mudo de rosto para ver-te. nenhum deus
te possui. o caule
do vento te cobre.
e descemos a luz, a transparência
os corredores solenes da lembrança
onde dormidas fúrias anoitecem.
confio na muda boa, ó gume fulvo
de ninguém!
as palavras existem no intervalo das palavras.
nenhuma imagem é o permanente futuro dos corpos
quando se enlaçam, quando se sonham
a colina e a água,
a cidade e o rosto
móvel da multidão apaixonada,
que se afasta correndo para o lado da terra
onde jamais arderam.
António Franco Alexandre | Poemas | Assírio&Alvim
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©Robert Mapplethorpe |
"Ingeborg,
Este ano chego "indefinidamente"e tarde. Mas talvez só seja assim porque não quero que ninguém além de ti esteja presente quando eu puser papoilas, muitas papoilas, e memória, também muita memória, dois ramos grandes e brilhantes na tua mesa de aniversário. Há semanas que antecipo com alegria esse momento.
Paul"
(Paris, 20 de Junho de 1949)
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©raquelsav |