março 18, 2024

 

©raquelsav | 2014 | Lodz

PAUL CELAN, ANTES DE ATRAVESSAR A PONTE MIRABEAU
Se um quarto se pode abrir para o sonho,
quando a noite é pesada e o barulho da chuva entra
pela janela, já o sonho não se abre para quem não
dorme, enrolado na insónia como num velho
cobertor. Então, o que se passa pela cabeça são
os pensamentos que não se deveriam ter. Mas a
noite é assim: não faz distinção entre quem dorme
e quem está acordado; e o barulho da chuva
aumenta, com o vento, trazendo o que está
fora do quarto para dentro do quarto, e obriga
quem não dorme a agarrar-se ao cobertor, como
se fosse a última bóia no naufrágio da noite.


Nuno Júdice | Fórmulas de uma luz inexplicável

março 14, 2024

 


fevereiro 19, 2024

Pipota

 

©raquelsav | 2024 | πpota


fevereiro 16, 2024

 

©raquelsav | 2022 | Somiedo


“Palavras constroem pontes em regiões inexploradas”
Não tenho como confirmar o autor desta afirmação. Será:
- do filósofo da linguagem Ludwig Wittgenstein? Até faria algum sentido, para quem, como ele, tanto indagou sobre o significado das palavras;
- do escritor Gonçalo M. Tavares? De certo modo, podia enquadrar-se na sua linha editorial;
- do papa Francisco? Por que não? Grande parte da sua ação tem consistido em (procurar) criar pontes improváveis e desafiantes.
Enfim, são muitos os candidatos a autor que eu equacionaria.
Mas diz a “internet” que esta frase foi usada (criada?) por Adolf Hitler.
Aferir a veracidade desta atribuição não é fácil e parece-me secundário, neste momento. Mas não deixa de ser, para mim, desarmante, e até confrangedor, rever-me numa ideia (supostamente) compactuada por Adolf Hitler.
Esta situação alertou-me para o perigo que consiste em embarcar numa ideia “bonita”, mas ideologicamente descontextualizada ou alheia às suas origens. Advertiu-me sobre a responsabilidade que tenho em me manter vigilante relativamente às ideias que vou ouvindo, e arrumando em gavetas circunscritas a um determinado contexto. De me situar nelas e repensar o meu “pequeno” papel de cidadã na grande ambição que é manter a (tão frágil) democracia no mundo, no meu país. Tornou-se tão exigente esse papel!
Eu ainda acredito que ao cidadão contemporâneo comum, compete não desistir de discernir entre a verdade da mentira ( ou será a mentira da verdade?). Mas não acredito em verdades absolutas (passo o paradoxo da afirmação). E, não descurando da sua relatividade, considero que há “verdades” que, realmente, são mais verdadeiras (diria interessantes, mobilizadoras e construtivas) do que outras. A democracia (o sistema mais, imperfeitamente, justo que conheço) compensa o esforço de as destrinçar.
Cuidarei, por isso, de ouvir as palavras, de as registar antes que as leve o vento, e de apanhar as verdades, nem que seja à moda dos Naifa, com enganos.

fevereiro 08, 2024

 

©raquelsav

-Boa tarde, em que lhe posso ser útil?

-Boa tarde, para mim, vai ser uma tranquilidade igual a esta, se faz favor.

-É para já, quem não tem gato, caça com cão.

fevereiro 02, 2024

 

©raquelsav | 2022 | Alcobaça (Espanha)

Quando penso em Portugal e respetivas oportunidades, alternativas, ensejos, etc., ocorre-me esta foto. Retrata uma remota localidade espanhola, fronteiriça, chamada Alcobaça - muito próxima de Castro Laboreiro. Na placa, de leitura difícil, lê-se Portugal. Para quem, de regresso, avista uma placa com o nome do seu país, é levado a respirar de alívio. Contudo, a placa conduz-nos a uma estrada estreitíssima, nada apelativa a condutores menos experientes ou afoitos. Chegamos a Portugal se confiarmos no caminho que nos indicam? Talvez! Mas não sem danificar a viatura e vendo vedada a possibilidade de inverter a marcha. A decisão não é difícil. Seguimos, então, de olhos bem fechados, pelo atalho de terra batida, ali mesmo ao lado, sem meta que se afigure, sem chão que se palpe. Não há-de ser pior do que as rasteiras do caminho “seguro”. Chegaremos, sem dúvida, sãos e salvos, mas muito tardiamente e quase mortos de cansaço. Quase mortos e só quase- porque isto de ser português de Portugal não mata, de facto, só mói.

janeiro 28, 2024

 

©raquelsav | 2022 | Astúrias

“NÓS SOMOS
Como uma pequena lâmpada subsiste
e marcha no vento, nestes dias,
na vereda das noites, sob as pálpebras do tempo.

Caminhamos, um país sussurra,
dificilmente nas calçadas, nos quartos,
um país puro existe, homens escuros,
uma sede que arfa, uma cor que desponta no muro,
uma terra existe nesta terra,
nós somos, existimos

Como uma pequena gota às vezes no vazio,
como alguém só no mar, caminhando esquecidos,
na miséria dos dias, nos degraus desconjuntados,
subsiste uma palavra, uma sílaba de vento,
uma pálida lâmpada ao fundo do corredor,
uma frescura de nada, nos cabelos nos olhos,
uma voz num portal e a manhã é de sol,
nós somos, existimos.

Uma pequena ponte, uma lâmpada, um punho,
uma carta que segue, um bom dia que chega,
hoje, amanhã, ainda, a vida continua,
no silêncio, nas ruas, nos quartos, dia a dia,
nas mãos que se dão, nos punhos torturados,
nas frontes que persistem,
nós somos,
existimos.”
António Ramos Rosa

janeiro 27, 2024

 

©raquelsav | 2024 | Tomar


“SOLDADO
Ai, esta eterna guerra
Ai, que me obriga a ser soldado
Já vejo a bandeira erguida
Já sinto a dor companheira
Ai, neste mar fico tão só
Por este mar
Liberdade onde vais?
Liberdade onde cais?
Esta luta é por te amar
Ai, este soldado que cerco
Ai, este soldado sou eu, sou eu!
Nos olhos a mesma dor
No peito um medo igual
Ai, sinto queimar este fogo, dentro de mim!
Liberdade onde vais?
Liberdade onde cais?
Esta luta é por te amar
Este sangue é por te amar
É por te amar”
Sitiados

Luís Miguel Cintra - "Canção X", de Luís de Camões


Apenas eu
“Vinde cá, meu tão certo secretário
dos queixumes que sempre ando fazendo,
papel, com que a pena desafogo!
As sem-razões digamos que, vivendo,
me faz o inexorável e contrário
Destino, surdo a lágrimas e a rogo.
Deitemos água pouca em muito fogo;
acenda-se com gritos um tormento
que a todas as memórias seja estranho.
Digamos mal tamanho
a Deus, ao mundo, à gente e, enfim, ao vento,
a quem já muitas vezes o contei,
tanto debalde como o conto agora;
mas, já que para errores fui nascido,
vir este a ser um deles não duvido.
Que, pois já de acertar estou tão fora,
não me culpem também, se nisto errei.
Sequer este refúgio só terei:
falar e errar sem culpa, livremente.
Triste quem de tão pouco está contente!
Já me desenganei que de queixar-me
não se alcança remédio; mas quem pena,
forçado lhe é gritar se a dor é grande.
Gritarei; mas é débil e pequena
a voz para poder desabafar-me,
porque nem com gritar a dor se abrande.
Quem me dará sequer que fora mande
lágrimas e suspiros infinitos
iguais ao mal que dentro n'alma mora?
Mas quem pode algü'hora
medir o mal com lágrimas ou gritos?
Enfim, direi aquilo que me ensinam
a ira, a mágoa, e delas a lembrança,
que é outra dor por si, mais dura e firme.
Chegai, desesperados, para ouvir-me,
e fujam os que vivem de esperança
ou aqueles que nela se imaginam,
porque Amor e Fortuna determinam
de lhe darem poder para entenderem,
à medida dos males que tiverem.(…)”

janeiro 25, 2024

 

©raquelsav | 2024

O REGRESSO DO MUNDO

Abrir os olhos, já depois da noite
ter recluído os astros em sua ampla gruta límpida,
e ver, por trás do vidro,
já visíveis os pássaros
na redoma ainda pálida do sol,
a mover-se nos ramos.
E cantos que tornam minha a abóboda do ar.
E sentir que ainda pulsa em meu peito
o coração daquele menino,
e na manhã amar a vida que passou,
e esta mágica surpresa
de amar ainda o mundo na manhã.
E no nome do mar, que está longínquo
e azul, sempre estendido
desde o distante amanhecer do mundo,
minha testa persignar, depois o peito,
os delicados ombros que ora toco,
e beijar, com o lábios do menino que regressa,
este mundo tão velho,
que não consigo hoje saber
porque, se não morreu o amor,
me quer abandonar.

Francisco Brines | A última Costa |Assírio & Alvim | 1997

janeiro 18, 2024

 

©raquelsav

PLAY dEUS | How to replace it

HOW TO REPLACE IT

Did you ever get to think about
How to replace it?
Now the night turns in
Into a poker tell
And the day runs dry
Where once was a well”
An enormous chill
That you need to quell
Hear the fisherman’s cough
And the seagulls cry
How they call your bluff
When you touch the sky
Do you ever feel (after setting sail)
What looks far away
Doesn’t get any closer by
We don’t know enough of what we have until it’s gone
They say it’s heaven over there until the devil has another say
You pray
As if time will ever tell
Politics and sympathies, 200 different kinds of glee
I wonder what the world would be
When everybody’s in the sea
I wait
As if time will ever tell
Let the preachers whine
They haven’t got a clue
When the signal dies
What do I really lose
There are many ways
How to replace
These tired lines
Of these modern blues
So the summer creaks
When the daughter speaks
It is in our gift to plug up the leaks?
Do you ever think
As if time will ever tell?
Garbage in the mail today, I’ll send them on a holiday
Someone should tell them they should stay
Around the clock, eternity
We’ll see as if time will ever tell
Suspicion is the lightning rod
Believe in you, believe in God
I tried it out, I liked it not
I love your feet, they make me hot
We wait as if time will ever tell
We are careful
We’re not running to the hills
Our feathers will be sticking to our skin
What are we in for?
When the night comes, we won’t falter
We had years of light and we get smaller
We will win
What are we in for
Was it good for you?
‘Cause I can hardly speak
When the flesh is strong
Then the mind is weak
Still we soldier on
We turn up the noise
So we don’t hear the gong
Of our losing streak
Do you ever think about how to replace it?
How the night turns in into a fire hose
For you to get your daily dose
You stand naked as the cold wind blows
Leave no traces, abandon everything
Don’t replace it, you won’t miss a thing
And feel
As if time will ever tell
Tracks are covered when you’re looking back
Names and lovers lost under the stack
It seems
Now it’s time to break the spell
Now break it up
Now break it up
As if time will ever tell

dEUS 2023

janeiro 14, 2024

 

©msvgon |2024

Padre: Sentes alegria com o suicídio da tua madrasta?
Hipólito: Não. Ela era humana.
Padre: Então onde é que vais buscar essa alegria?
Hipólito: Cá dentro.
Padre: Acho difícil de acreditar.
Hipólito: Claro que achas. Tu pensas que vida não tem sentido a menos que haja outra pessoa para nos torturar.
Padre: Não tenho ninguém para me torturar.
Hipólito: Tu tens o pior amante de todos. Não só pensa que é perfeito, como é. Sinto-me satisfeito por estar só.
Padre: A auto-satisfação é uma contradição logo à partida.
Hipólito: Eu posso confiar em mim. Nunca me desiludo.
Padre: A verdadeira satisfação vem com amor.
Hipólito: E quando o amor morre? O despertador toca é hora de acordar, o que é que se faz então?
Padre: O amor nunca morre. Evolui.
Hipólito: Tu és perigoso.

Sarah Kane | O amor de Fedra

janeiro 02, 2024

 

©msvgon

Aprendeu, de uma lenda antiga, que o olhar que pressente outro olhar não precisa de ver.

Mas espreitou, pelo sim, pelo não. E os olhares cruzaram-se. E foi bonito.

- Não há lenda sem excepção.

 

©raquelsav | 2024

PLAY Squid | Pamphlets

Legs still but the herd is in motion

Could you do another and could we be in motion?

Pamphlets through my door and pamphlets on my floor
Open wide, we’ve got everything, everything that you like
Squid 

dezembro 17, 2023

 

©raquelsav | 2023 | Lagoa de Maiorca


Olhamos tudo em silêncio na linha da praia

De olhos na noite suspensos do céu que desmaia;

Ai lua nova de Outubro, trazes as chuvas e ventos,

A alma a segredar, a boca a murmurar tormentos!


Descem de nuvens de assombro taínhas e bagres

Se as aves embalam os peixes em certos milagres;

Levita-se o corpo da alma, no choro das ladainhas,

Na reza dos condenados, nas pragas dos sitiados,

Na ilha dos ladrões, quem sai?

E leva este recado ao cais:

São penas, são sinais. Adeus.


Livra-me da fome que me consome, deste frio;

Livra-me do mal desse animal que é este cio;

Livra-me do fado e se puderes abençoado

Leva-me a mim a voar pelo ar!


Como se houvesse um encanto, uma estranha magia,

O sol lentamente flutua nas margens do dia.

Despe o meu corpo corsário, seca-me a veia maruja,

Morde-me o peito aos ais, das brigas, dos punhais,

Da ilha dos ladrões, quem sai?

E leva este recado ao cais:

São penas, são sinais. Adeus.


Andamos nus e descalços, amantes, sedentos

Se o véu da noite se deita na curva do tempo.

Ai lua nova de Outubro,

Os medos são medos das chuvas e ventos,

Da alma a segredar, da boca a murmurar


Adeus

Fausto Bordalo Dias

novembro 27, 2023

 

©raquelsav | 2023

Na Terra, não havia imunidade a ideias parvas… Na Terra, as ideias são como emblemas de amizade ou de inimizade. O seu conteúdo não importa. Os amigos concordam com amigos para expressar a sua amizade. Inimigos discordam de inimigos para expressar a sua inimizade… As ideias, como os emblemas, não puxava carroças… para ele, só havia uma maneira de a Terra ser: tal como era.”

Kurt Vonnegut | Pequeno-almoço de campeões

novembro 24, 2023

 

©raquelsav


PLAY  Fausto Bordalo Dias | Quando eu morrer 

Quando eu morrer
Não me dêem rosas
Mas ventos
Quero as ânsias do mar
Quero beber a espuma branca
Duma onda a quebrar
E vogar

Ah, a rosa dos ventos
A correrem na ponta dos meus dedos
A correrem, a correrem sem parar.
Onda sobre onda infinita como o mar.
Como o mar inquieto
Num jeito
De nunca mais parar.

Por isso eu quero o mar.
Morrer, ficar quieto,
Não.
Oh, sentir sempre no peito
O tumulto do mundo
Da vida e de mim.
E eu e o mundo.
E a vida.

Oh mar
O meu coração
Fica para ti
Para ter a ilusão
De nunca mais parar


Fausto Bordalo Dias

novembro 23, 2023

 

©Gilles Peress | ZAIRE. Goma. 1994. Near the border of Rwanda

Na noite anterior à sua partida, o discípulo dirigiu-se ao mestre:

- Mestre, estou de partida para a guerra. Disponho de inúmeras armas: facas, catanas, machados, espadas, armas de fogo, de entre muitas outras. Qual me aconselhas usar?

O mestre manteve-se em silêncio por alguns segundos e respondeu:

- Armas para combater homens?

- Sim, meu mestre - respondeu o discípulo.

O mestre refletiu, uma vez mais, e respondeu:

-Usa ratoeiras.

novembro 17, 2023

 

©raquelsav | 2023

é dela o acto calmo

os poros sapientes o sexo sorridente

a espera pouco lenta o lamento pouco longo a ausência

a serviço da presença

na cabeça farrapos de céu os pontos enfim mortos do coração

toda a graça tardia de chuva estiando

quando cai uma noite

de Agosto


é dela vazia

ele puro

de amor


Samuel Beckett | Poemas (1937-1939)

outubro 29, 2023

 

Fotograma do filme “o quadrado” de Ruben Östlund (2017)

APELO
De vez em quando paramos de crescer. É da chuva, do frio, desta humidade a que estão sujeitos no norte ossos e barcos, árvores e pedras. É então grande a tentação da pocilga. Como se o fecundo calor do porco fosse uma promessa, um apelo, às nossas trevas, do sol escondido na palha apodrecida”.

Eugénio de Andrade, 1.12.1985

outubro 03, 2023

 

Fotogramas de "Drive my car" de Ryusuke Hamaguchi

debaixo do queixo e começa a tocar e, de repente, algo se mexe dentro dela e ela é levantada e ergue-se mais e mais e na música que ele toca… ela sabe o que sabe e deste modo ela está ali presente no seu próprio futuro e tudo em aberto e tudo é difícil menos a canção, essa está ali e deve ser a canção a que chamam amor, e assim ela só está presente na música que está a ser tocada e não quer existir em nenhum outro lugar…
Jon Fosse | Triologia


outubro 01, 2023

 

©raquelsav | 2023 | Loret del Mar

PLAY Tuxedomoon | In a manner of speaking

In a Manner of speaking

I just want to say

That I could never forget the way

You told me everything

By saying nothing

In a manner of speaking

I don't understand

How love in silence becomes reprimand

But the way that i feel about you

Is beyond words

O give me the words

Give me the words

That tell me nothing

O give me the words

Give me the words

That tell me everything

In a manner of speaking

Semantics won't do

In this life that we live we live we only make do

And the way that we feel

Might have to be sacrified

So in a manner of speaking

I just want to say

That just like you I should find a way

To tell you everything

By saying nothing.

O give me the words

Give me the words

That tell me nothing

O give me the words

Give me the words

Give me the words

Tuxedomoon

setembro 24, 2023

 


setembro 21, 2023

 

©raquelsav | 2023 | Switzerland Matterhorn


Eu queria mais altas as estrelas,
Mais largo o espaço, o sol mais criador,
Mais refulgente a lua, o mar maior,
Mais cavadas as ondas e mais belas;

Mais amplas, mais rasgadas as janelas
Das almas, mais rosais a abrir em flor,
Mais montanhas, mais asas de condor,
Mais sangue sobre a cruz das caravelas!

E abrir os braços e viver a vida,
— Quanto mais funda e lúgubre a descida
Mais alta é a ladeira que não cansa!

E, acabada a tarefa... em paz, contente,
Um dia adormecer, serenamente,
Como dorme no berço uma criança!
Florbela Espanca

setembro 15, 2023

 

©raquelsav | 2023
Ser moderno é encontrar-se num ambiente que promete aventura, poder, alegria, crescimento, auto-transformação e transformação das coisas em redor - mas ao mesmo tempo ameaça destruir tudo o que temos, tudo o que sabemos, tudo o que somos. A experiência ambiental da modernidade anula todas as fronteiras geográficas e raciais, de classe e nacionalidade, de religião e ideologia: nesse sentido, pode-se dizer que a modernidade une a espécie humana. Porem, é uma unidade paradoxal, uma unidade de des-unidade: ela despeja-nos a todos num turbilhão de permanente desintegração e mudança, de luta e contradição, de ambiguidade e angústia. Ser moderno é fazer parte de um universo no qual, como disse Marx, "tudo o que é sólido se dissolve no ar".Marshall Berman | Tudo o que é sólido se dissolve no ar

setembro 11, 2023

 

Fotograma da série "Halt and Catch Fire"

"A verdadeira segurança é não confiar em ninguém"

agosto 02, 2023

 



Fotograma de Sånger från andra våningen | Roy Andersson

julho 16, 2023

 

©raquelsav | 2023 | Budapeste

QUEM LEVARÁ O AMOR?

Quando meu ser pra sempre se fundir,

quem adorará violino do grilo?

Chama quem soprará no ramo frio?

Quem se deitará sobre o arco-iris?

Chorando, quem abraçará rochosas

ancas ora campos de leves ondas?

Quem acariciará duros cabelos

de raízes nas paredes, artérias?

E à fé devastadora erigirá

quem uma de injúrias catedral?

Quando meu ser pra sempre se fundir,

quem os abutres amedrontará?

E quem levará para a outra margem

o Amor em seus dentes apertado?


Nagy László (1925-1978) | Antologia da poesia húngaras | Âncora Editora | 2002 | 

Trad. e Selec. Ernesto Rodrigues

julho 15, 2023

 

©raquelsav | 2023 | Budapeste

DESENLACE

Talvez eu esteja no meio.

Talvez seja noite. Talvez, crepúsculo.

Uma certeza: faz-se tarde.

Pilinszky János (1921 - 1981) | Antologia da poesia húngara | Âncora Editora | 2002 | 

Trad. e Selec. Ernesto Rodrigues

 

Fotograma da série "Grantchester"

"- Homicídio dá pena de morte.
- A vida também, Inspector"

maio 20, 2023

 

©raquelsav 

“Perguntou se trazia dinheiros. Respondeu-lhe D. Quixote que nem branca, porque nunca tinha lido nas histórias dos cavaleiros andantes que nenhum os tivesse trazido”
Cervantes

fevereiro 21, 2023

 


fevereiro 08, 2023

 

Fotograma de “A pior pessoa do mundo” de Joachim Trier

dezembro 13, 2022

©raquelsav | 2022 | Castro Laboreiro

PLAY Ash Ra Tempel | Day dream

"I will come to see after a year

To know if you'll be happier

And he vanished

In the secret of the universe

And he vanished

In the secret of the universe”

Ash Ra Tempel

novembro 20, 2022

Lembra-me um sonho lindo

 

©raquelsav | 20 novembro 2022 | Aula Magna

PLAY Fausto Bordalo Dias | Lembra-me um sonho lindo 

outubro 29, 2022

Funchal, década de 60
Padre João Vieira (15.02.1927 - 24.10.2022)


Ao homem leve, sobram coisas às coisas,
faltam adjetivos aos nomes
e assomam os verbos fora do tempo,
entre um passado por vir 
e um futuro que passou.

O homem leve não tira os pés do chão,
para conduzir os passos no ar,
perfila-os bem assentes na terra,
 equilibrados sem agravo
e sem tropeço.
Quando caminha, 
impele ao corpo a dança,
constante, decidida,
casta e lídima.
Não se eleva nem levita,
porque ao redor do homem leve
tudo gira, 
tudo orla,
tudo rima
e gravita.

outubro 09, 2022

 


outubro 01, 2022


 © Elliott_Erwitt | Paris. 1998. 

Eu era lume sobre sede e tu procuravas dar-me a beber, gomo a gomo, laranja-cor-de-sangue de Simic. Demoravas repetidas vezes:

- A laranja parte-se em silêncio à entrada de noites fabulosas.

E eu ouvia cada sílaba, na cadência dos teus lábios secos. Não entendia. Sempre ouvira dizer que de manhã é ouro, à tarde prata mas que, à noite, a laranja mata. E era noite. Demasiadamente noite.

Desesperada, repeti, em fuga, baixo contínuo, o que me pareceu uma troca justa.

|| Um gomo por uma nota de Bach. Uma sílaba tua por uma nota de Bach:||

Tu recusaste. Disseste que eu não tinha a cabeça de vidro.

- Não és transparente e não se come laranja com a boca suja. Não distinguirias o doce da laranja do amargo da palavra. Nunca, para ti, o gomo secreto de Al Berto. Não és do lado de fora da cidade.

Ficámos em silêncio. 

Impusemos a despedida.

________________________

Hoje, ainda te oiço:

- Tu não tens como matar a sede.

Concordo. Nunca possuirei a transparência louca e ácida de quem compreende a laranja. Mas releio-me na "alta solidão que nem pode ser nossa de tão pura". 

E eu sei que

não há sede que a palavra, nos teus lábios, não (me) mate.