março 12, 2014

sobre o paraíso ou sobre uma mulher e uma garrafa de vinho tinto


[pego na garrafa para a encetar]
somente decantar no meu olhar 
o corpo fluído da mulher sentada
e assentar em finas memórias
as suspensas partículas dos seus gestos

[encho o copo bem cheio]
corpo denso de invasões florais
especiarias verdes frutos carnais 
Touriga e Carbenet

[sirvo-me de aroma]
a mulher crua
vinho de cor em escrita
de contraste em luz 
na parede que se diga 

[é tinto]
cheiro a sangue da mulher 
transparência de si 
o corpo 
rede absurda 

[trago o oxigénio ao copo]
dissecados os taninos
no corpo jovem
do tinto de casca de uva

[é lágrima no vinho que o copo verte. digo]
o álcool em vapor flui no corpo da mulher casta
tinto frutado Syrah 
oxigénio que se afasta
e regressa no olhar profundo 
da lágrima da mulher

[e é o eco do silêncio do copo depois do brinde. responde]
silêncio_______________

[sirvo-me de um gole na língua inteira, à boca cheia]
mulher que se inspira 
textura ácida verdadeira
delicada pele 
maquilhagem caseira 

[não sou mulher! diz]
nem essência-mulher
nem lógica-mulher


[e inspiro-a pla boca e sorvo-a plo nariz]

[és mulher em carne sólida. de sangue em lágrima vertida no copo depois do eco do silêncio do brinde. corpo absurdo sentado, sólido e concreto... aqui! não, não és imagem de mulher. és o seu olhar. és o seu rosto. és mecanicamente mulher. naturalmente mulher! distraidamente mulher]

[e aqui me confesso, no paraíso, exposto]
encho o copo novamente, bem cheio,
da mulher
do corpo da mulher
da mulher no seu corpo
e bebo-o num só trago