|Assim repito o nome e sinto ainda o incêndio no rosto :|| paul celan |Porque é com nomes que alguém sabe | onde estar um corpo| por uma ideia, onde um pensamento | faz a vez da língua.| herberto helder
março 31, 2015
[#11] Estou a escrever-te de um país distante
![]() |
©Thomas Dworzak. AFGHANISTAN. Kabul. 04/2002. Cemetery on the outskirts of the city |
"Escreve ela ainda:
"Nem imaginas como há no céu tanta coisa, que só vendo se acredita. Olha, por exemplo, as... mas não vou dizer-te já o nome.
Embora pareçam pesadas e ocupem quase todo o céu, não têm peso nenhum apesar de tão grandes, do tamanho de um recém-nascido.
Dá-se-lhe o nome de nuvens.
É verdade que deitam água, mas sem as apertarmos, nem triturarmos. Tão pouca têm, que seria inútil.
Mas desde que ocupem lonjuras e mais lonjuras, larguras e mais larguras, fonduras e mais fonduras e lhes dê para fazer de inchadas, com o tempo chegam a deixar cair algumas gotículas de água, sim, de água. E bem molhadas ficamos. Fugimos, furiosas por nos terem apanhado; pois ninguém sabe em que momento vão deixar cair as suas gotas; são dias, às vezes, sem as deixarem cair. E de nada valeria esperarmos em casa."
Henri Michaux, Estou a escrever-te de um país distante, Hiena Editora, 1986
(tradução de Aníbal Fernandes)
março 28, 2015
©raquelsav.Lodz.2015 |
Encenamos despedidas,
enquanto falamos por línguas de fogo,
línguas da boca para dentro,
exercícios extremos de lugar
ou tão somente de silêncio.
Insistimos nessa espécie de tempo falado,
um tempo oral das coisas que não se dizem,
subindo, como quem resvala,
por degraus que se afunilam,
inclinados sobre si.
Somos cada degrau
e o peso do desenho do pé,
a marca incerta que calca o chão morto.
Por isso, tocamos a pintura na (im)perfeição do traço,
entre pormenores fractais e borrões tolhidos,
carimbo rudimentar de tinta chinesa e permanente.
Construímos o tempo no uso dos pronomes interrogativos,
mas abominamos a senda dos pontos de interrogação.
Somos o quê da matéria que não fala,
que habita muito acima do porquê,
razão pura de hierarquia.
Por isso,
enquanto falamos por línguas de fogo,
comungamos do nosso tempo -
como extensas vítimas do silêncio.
março 27, 2015
Dia Mundial do Teatro
VAT 69
Ruy Belo, Poemas Portugueses Antologia da Poesia Portuguesa do Séc. XIII ao Séc XX, Porto Editora, 2009
Era depois da morte herberto helder
Ia fazer três anos que morrêramos
três anos dia a dia descontados no relógio
da torre que de sombra nos cobriu a infância:
rodas no adro — gira a borboleta que se atira ao ar
o jogo do berlinde o trinta e um pedradas
nas cabeças nos ninhos nas vidraças
Foi quando verdadeiramente começou
a conspiração dos líquenes cabelos e avencas
na mina onde molhámos nossos jovens pés
e tirámos retratos pra morrer mais uma vez
Os nossos filhos — nós outra vez crianças —
comiam e gostavam das laranjas essas mesmas laranjas
que mordemos em tempos ao chegar nas férias de natal
no quintal que as máximas mãos deixaram já depois abandonado
Era a seguir à morte meu poeta
era na meninice havia festa e na sala da entrada
pensávamos na morte — nunca mais — pela primeira vez
Trincávamos cheirávamos maças no muro sobre a praia
roubávamos o balde ou íamos atrás do homem dos robertos
Era nas férias havia o mar e íamos à missa
ouvíamos a campainha e o padre voltava-se pra nós
—orate frates — ou íamos ao cemitério apesar do catitinha
Era depois da morte sobre a plana infância
o primeiro natal o cheiro do jornal
lido na adega ou na casa do forno
sentados pensativos sobre a terra húmida
Era na infância o sol caía enquanto água corria
entre os pés de feijão e os buracos de toupeiras
calcados prontamente pelas botas
soprava o vento e vinha a moinha da eira
o cão comia o bolo e morria debaixo da figueira
e teria sepultura com enterro e cruz e muitas flores
Havia casamentos o meu pai falava
e os noivos deitavam-nos confeitos das carroças
E os registos mistério tempo da prenhez
Era talvez no outono havia asma
havia a festa da azeitona havia os fritos
ao domingo havia os bêbados estendidos pelas ruas
havia tanta coisa no outono havia o cristovam pavia
Era a primavera o rio rápido subia
os barcos navegavam entre a vinha
e alastrava a sombra e a tarde adensava-se
num espesso e branco nevoeiro de algodão
noite dos candeeiros sombras nas paredes
e minha mãe pegava na espingarda ia à janela
e ouvia-se o chumbo no telhado lá ao longe
O leovigildo o marcolino o sítio do miguel
a sesta a monda das mulheres
a queda do bizarro exposto na igreja
isso e o almoço a saber mal
quando vinham da escola pra saber significados
Eram as despedidas de coelhos e galinhas antes das viagens
Eram as festas era o roubo dos melões
era a menstruação oculta da criada
Era talvez em tempos de tormenta
havia ferros entre a palha por baixo da galinha
que chocava os ovos dentro de um velho cesto
eram as nossas casa em adobe
e era o carnaval os bailes os cortejos
Íamos para a praia e eu lia camilo
ouvia o mar bater sem conseguir compreender
como podia estar ali se tinha estado noutro sítio
Era o tempo dos primeiros amores
eu via o pavão adoecia e só muito mais tarde lia
o trecho que me competia entre as amadas raparigas
A casa não ficava muito longe dos montes
não havia a cidade nem os outros
punham ainda em causa o meu reino de deus
senhor de tudo o que depois não tive
Era depois da morte ou era antes da morte?
Mas haveria a morte verdadeiramente?
Lia o paulo e virgínia chorava e perguntava
se tudo aquilo tinha acontecido
Era o meu pai era esse sonhador incorrigível
sem nunca mais saber que havia de fazer dos dias
Eram as folhas novas eram os perdigotos
saídos não há muito ainda da casca
Era era tanta coisa
Seria realmente após a morte herberto helder
Ia fazer três anos que morrêramos
três anos dia a dia descontados no relógio
da torre que de sombra nos cobriu a infância:
rodas no adro — gira a borboleta que se atira ao ar
o jogo do berlinde o trinta e um pedradas
nas cabeças nos ninhos nas vidraças
Foi quando verdadeiramente começou
a conspiração dos líquenes cabelos e avencas
na mina onde molhámos nossos jovens pés
e tirámos retratos pra morrer mais uma vez
Os nossos filhos — nós outra vez crianças —
comiam e gostavam das laranjas essas mesmas laranjas
que mordemos em tempos ao chegar nas férias de natal
no quintal que as máximas mãos deixaram já depois abandonado
Era a seguir à morte meu poeta
era na meninice havia festa e na sala da entrada
pensávamos na morte — nunca mais — pela primeira vez
Trincávamos cheirávamos maças no muro sobre a praia
roubávamos o balde ou íamos atrás do homem dos robertos
Era nas férias havia o mar e íamos à missa
ouvíamos a campainha e o padre voltava-se pra nós
—orate frates — ou íamos ao cemitério apesar do catitinha
Era depois da morte sobre a plana infância
o primeiro natal o cheiro do jornal
lido na adega ou na casa do forno
sentados pensativos sobre a terra húmida
Era na infância o sol caía enquanto água corria
entre os pés de feijão e os buracos de toupeiras
calcados prontamente pelas botas
soprava o vento e vinha a moinha da eira
o cão comia o bolo e morria debaixo da figueira
e teria sepultura com enterro e cruz e muitas flores
Havia casamentos o meu pai falava
e os noivos deitavam-nos confeitos das carroças
E os registos mistério tempo da prenhez
Era talvez no outono havia asma
havia a festa da azeitona havia os fritos
ao domingo havia os bêbados estendidos pelas ruas
havia tanta coisa no outono havia o cristovam pavia
Era a primavera o rio rápido subia
os barcos navegavam entre a vinha
e alastrava a sombra e a tarde adensava-se
num espesso e branco nevoeiro de algodão
noite dos candeeiros sombras nas paredes
e minha mãe pegava na espingarda ia à janela
e ouvia-se o chumbo no telhado lá ao longe
O leovigildo o marcolino o sítio do miguel
a sesta a monda das mulheres
a queda do bizarro exposto na igreja
isso e o almoço a saber mal
quando vinham da escola pra saber significados
Eram as despedidas de coelhos e galinhas antes das viagens
Eram as festas era o roubo dos melões
era a menstruação oculta da criada
Era talvez em tempos de tormenta
havia ferros entre a palha por baixo da galinha
que chocava os ovos dentro de um velho cesto
eram as nossas casa em adobe
e era o carnaval os bailes os cortejos
Íamos para a praia e eu lia camilo
ouvia o mar bater sem conseguir compreender
como podia estar ali se tinha estado noutro sítio
Era o tempo dos primeiros amores
eu via o pavão adoecia e só muito mais tarde lia
o trecho que me competia entre as amadas raparigas
A casa não ficava muito longe dos montes
não havia a cidade nem os outros
punham ainda em causa o meu reino de deus
senhor de tudo o que depois não tive
Era depois da morte ou era antes da morte?
Mas haveria a morte verdadeiramente?
Lia o paulo e virgínia chorava e perguntava
se tudo aquilo tinha acontecido
Era o meu pai era esse sonhador incorrigível
sem nunca mais saber que havia de fazer dos dias
Eram as folhas novas eram os perdigotos
saídos não há muito ainda da casca
Era era tanta coisa
Seria realmente após a morte herberto helder
Ruy Belo, Poemas Portugueses Antologia da Poesia Portuguesa do Séc. XIII ao Séc XX, Porto Editora, 2009
março 24, 2015
Herberto Helder
Estranho o mudar de tempo verbal:
Cobre a terra mãe quatro vezes de flores numerosas.
Que se cubram os céus de flores acumuladas.
Que se cubra de névoa a terra; cobre de chuvas a terra.
Grandes águas, chuvas, cobri a terra. Cobre a terra, ó relâmpago.
Que se ouça o trovão por sobre a terra inteira; que se ouça o trovão na terra.
Que se ouça o trovão por sobre as seis regiões da terra.
Que se ouça cobrindo a terra.
A chuva, o trovão, o relâmpago.
Cobrindo a terra.
América do Norte, Zunhis
Versão de Herberto Helder
in Rosa do Mundo: 2001 poemas para o futuro. Assírio&Alvim, 20011
Existem os poetas e EXISTE o Herberto Helder
Cobre a terra mãe quatro vezes de flores numerosas.
Que se cubram os céus de flores acumuladas.
Que se cubra de névoa a terra; cobre de chuvas a terra.
Grandes águas, chuvas, cobri a terra. Cobre a terra, ó relâmpago.
Que se ouça o trovão por sobre a terra inteira; que se ouça o trovão na terra.
Que se ouça o trovão por sobre as seis regiões da terra.
Que se ouça cobrindo a terra.
A chuva, o trovão, o relâmpago.
Cobrindo a terra.
América do Norte, Zunhis
Versão de Herberto Helder
in Rosa do Mundo: 2001 poemas para o futuro. Assírio&Alvim, 20011
março 23, 2015
©raquelsav. Muzeum Kinematografii. Lodz (Polónia) 20 Março 2015
|
Prefiro os zeros à solta
a tê-los numa fila junto ao algarismo.
Prefiro o tempo do insecto ao tempo das estrelas.
Prefiro fazer isolar.
Prefiro não perguntar quanto tempo ainda e quando.
Prefiro levar em consideração até a possibilidade
do ser ter a sua razão.
Extracto de POSSIBILIDADES de
Wislawa Szymborska (Trad. Aleksandar Jovanovic e Henry Siewierski)
Rosa do Mundo- 2001 poemas para o futuro. 2001. Assírio&Alvim
março 21, 2015
Dia Mundial da Poesia
Não dizia palavras,
Aproximava apenas um corpo interrogante,
Porque ignorava que o desejo é uma pergunta
Cuja resposta não existe,
Uma folha cujo ramo não existe,
Um mundo cujo céu não existe.
Entre os ossos a angústia abre caminho,
Ergue-se pelas veias
Até abrir na pele
Jorros de sonho
Feitos carne interrogando as nuvens.
Um contacto ao passar,
Um fugidio olhar no meio das sombras,
Bastam para que o corpo se abra em dois,
Ávido de receber em si mesmo
Outro corpo que sonhe;
Metade e metade, sonho e sonho, carne e carne,
Iguais em figura, iguais em amor, iguais em
desejo.
Embora seja só uma esperança,
Porque o desejo é uma pergunta cuja resposta ninguém sabe.
Luis Cernuda Antologia Poética Edições Cotovia, 1990
Aproximava apenas um corpo interrogante,
Porque ignorava que o desejo é uma pergunta
Cuja resposta não existe,
Uma folha cujo ramo não existe,
Um mundo cujo céu não existe.
Entre os ossos a angústia abre caminho,
Ergue-se pelas veias
Até abrir na pele
Jorros de sonho
Feitos carne interrogando as nuvens.
Um contacto ao passar,
Um fugidio olhar no meio das sombras,
Bastam para que o corpo se abra em dois,
Ávido de receber em si mesmo
Outro corpo que sonhe;
Metade e metade, sonho e sonho, carne e carne,
Iguais em figura, iguais em amor, iguais em
desejo.
Embora seja só uma esperança,
Porque o desejo é uma pergunta cuja resposta ninguém sabe.
Luis Cernuda Antologia Poética Edições Cotovia, 1990
PLAY Herberto Helder - Rodrigo Leão
Minha cabeça estremece com todo o esquecimento.
Eu procuro dizer como tudo é outra coisa.
Falo, penso.
Sonho sobre os tremendos ossos dos pés.
É sempre outra coisa, uma
só coisa coberta de nomes.
E a morte passa de boca em boca
com a leve saliva,
com o terror que há sempre
no fundo informulado de uma vida.
Sei que os campos imaginam as suas
próprias rosas.
As pessoas imaginam os seus próprios campos
de rosas. E às vezes estou na frente dos campos
como se morresse;
outras, como se agora somente
eu pudesse acordar.
Por vezes tudo se ilumina.
Por vezes canta e sangra.
Eu digo que ninguém se perdoa no tempo.
Que a loucura tem espinhos como uma garganta.
Eu digo: roda ao longe o outono,
e o que é o outono?
As pálpebras batem contra o grande dia masculino
do pensamento.
Deito coisas vivas e mortas no espírito da obra.
Minha vida extasia-se como uma câmara de tochas.
- Era uma casa - como direi? - absoluta.
Eu jogo, eu juro.
Era uma casinfância.
Sei como era uma casa louca.
Eu metias as mãos na água: adormecia,
relembrava.
Os espelhos rachavam-se contra a nossa mocidade.
Apalpo agora o girar das brutais,
líricas rodas da vida.
Há no esquecimento, ou na lembrança
total das coisas,
uma rosa como uma alta cabeça,
um peixe como um movimento
rápido e severo.
Uma rosapeixe dentro da minha ideia
desvairada.
Há copos, garfos inebriados dentro de mim.
- Porque o amor das coisas no seu
tempo futuro
é terrivelmente profundo, é suave,
devastador.
As cadeiras ardiam nos lugares.
Minhas irmãs habitavam ao cimo do movimento
como seres pasmados.
Às vezes riam alto. Teciam-se
em seu escuro terrífico.
A menstruação sonhava podre dentro delas,
à boca da noite.
Cantava muito baixo.
Parecia fluir.
Rodear as mesas, as penumbras fulminadas.
Chovia nas noites terrestres.
Eu quero gritar paralém da loucura terrestre.
- Era húmido, destilado, inspirado.
Havia rigor. Oh, exemplo extremo.
Havia uma essência de oficina.
Uma matéria sensacional no segredo das fruteiras,
com as suas maçãs centrípetas
e as uvas pendidas sobre a maturidade.
Havia a magnólia quente de um gato.
Gato que entrava pelas mãos, ou magnólia
que saía da mão para o rosto
da mãe sombriamente pura.
Ah, mãe louca à volta, sentadamente
completa.
As mãos tocavam por cima do ardor
a carne como um pedaço extasiado.
Era uma casabsoluta - como
direi? - um
sentimento onde algumas pessoas morreriam.
Demência para sorrir elevadamente.
Ter amoras, folhas verdes, espinhos
com pequena treva por todos os cantos.
Nome no espírito como uma rosapeixe.
- Prefiro enlouquecer nos corredores arqueados
agora nas palavras.
Prefiro cantar nas varandas interiores.
Porque havia escadas e mulheres que paravam
minadas de inteligência.
O corpo sem rosáceas, a linguagem
para amar e ruminar.
O leite cantante.
Eu agora mergulho e ascendo como um copo.
Trago para cima essa imagem de água interna.
- Caneta do poema dissolvida no sentido
primacial do poema.
Ou o poema subindo pela caneta,
atravessando seu próprio impulso,
poema regressando.
Tudo se levanta como um cravo,
uma faca levantada.
Tudo morre o seu nome noutro nome.
Poema não saindo do poder da loucura.
Poema como base inconcreta de criação.
Ah, pensar com delicadeza,
imaginar com ferocidade.
Porque eu sou uma vida com furibunda
melancolia,
com furibunda concepção. Com
alguma ironia furibunda.
Sou uma devastação inteligente.
Com malmequeres fabulosos.
Ouro por cima.
A madrugada ou a noite triste tocadas
em trompete. Sou
alguma coisa audível, sensível.
Um movimento.
Cadeira congeminando-se na bacia,
feita o sentar-se.
Ou flores bebendo a jarra.
O silêncio estrutural das flores.
E a mesa por baixo.
A sonhar.
Herberto Helder, Poemacto in Poesia Toda, 1990, Assírio&Alvim
Alguns gostam de poesia
Wislawa Szymborska
Alguns -
quer dizer nem todos.
Nem a maioria de todos, mas a minoria.
Excluindo escolas, onde se deve
e os próprios poetas,
serão talvez dois em mil.
Gostam -
mas também se gosta de canja de massa,
gosta-se da lisonja e da cor azul,
gosta-se de um velho cachecol,
gosta-se de levar a sua avante,
gosta-se de fazer festas a um cão.
De poesia -
mas o que é a poesia?
Algumas respostas vagas
já foram dadas,
mas eu não sei e não sei, e a isto me agarro
como a um corrimão providencial.
quer dizer nem todos.
Nem a maioria de todos, mas a minoria.
Excluindo escolas, onde se deve
e os próprios poetas,
serão talvez dois em mil.
Gostam -
mas também se gosta de canja de massa,
gosta-se da lisonja e da cor azul,
gosta-se de um velho cachecol,
gosta-se de levar a sua avante,
gosta-se de fazer festas a um cão.
De poesia -
mas o que é a poesia?
Algumas respostas vagas
já foram dadas,
mas eu não sei e não sei, e a isto me agarro
como a um corrimão providencial.
março 19, 2015
A F A S T A R
rima como
A P R O F U N D A R
PLAY Frédéric Chopin- Arthur Rubinstein Noctunes
março 18, 2015
P A R T I D A
rima com
E N C O N T R O
PLAY Henryk Górecki Sinfonia n.º 3 ©raquelsav. VARSÓVIA. 18 de Março 2015
março 15, 2015
PLAY Pearl Jam Ten
DIEPPE
ainda o refluxo derradeiro
a pedra morta
a meia-volta e em seguida os passos
na direcção das luzes mais antigas
DIEPPE
ainda o refluxo derradeiro
a pedra morta
a meia-volta e em seguida os passos
na direcção das luzes mais antigas
Samuel Beckett
Poemas Escolhidos- Cadernos de Poesia 10
Publicações Dom Quixote, 1970
(Trad. Jorge Rosa e Armando da Silva Carvalho)
![]() |
©Bruno-Boudjelal |
que ferais-je sans ce monde sans visage sans questions
où être ne dure qu'un instant où chaque instant
verse dans le vide dans l'oubli d'avoir été
sans cette onde où à la fin
corps et ombre ensemble s'engloutissent
que ferais-je sans ce silence gouffre des murmures
haletant furieux vers le secours vers l'amour
sans ce ciel qui s'élève
sur la poussieère de ses lests
que ferais-je je ferais comme hier comme aujourd'hui
regardant par mon hublot si je ne suis pas seul
à errer et à virer loin de toute vie
dans un espace pantin
sans voix parmi les voix
enfermées avec moi
Instante
que farei sem este mundo sem rosto e sem perguntas
onde ser apenas é um instante e onde cada instante
vai cair no vazio no olvido de ter sido
sem esta onda e onde no final
o corpo e a sombra entre si se devoram
que farei sem este silêncio abismo de murmúrios
fremente furioso por amor por socorro
sem este céu que se ergue
sobre a poeira dos seus alicerces
que farei farei como ontem como hoje
olhando pelo postigo se não estiver sozinho
a vaguear e a girar longe de qualquer rumor
num espaço fantoche
sem voz entre as vozes
fechadas dentro de mim
que farei sem este silêncio abismo de murmúrios
fremente furioso por amor por socorro
sem este céu que se ergue
sobre a poeira dos seus alicerces
que farei farei como ontem como hoje
olhando pelo postigo se não estiver sozinho
a vaguear e a girar longe de qualquer rumor
num espaço fantoche
sem voz entre as vozes
fechadas dentro de mim
Samuel Beckett Poemas Escolhidos- Cadernos de Poesia 10
Publicações Dom Quixote, 1970
(Trad. Jorge Rosa e Armando da Silva Carvalho)
[#10] Estou a escrever-te de um país distante
![]() |
fotograma. "Tempos modernos". Charlie Chaplin |
" "As formigas nunca nos cercaram como agora.", diz a sua carta. Inquietas, de ventre pelo chão, empurram poeiras. Não querem saber de nós.
Nem uma levanta a cabeça.
Sociedade mais fechada não existe, apesar de se espalharem constantemente lá fora. Não faz mal, projectos a realizar, preocupações... estão como em sua casa.... seja onde for.
E até hoje nenhuma olhou para nós. Ainda se arriscava a ser esmagada."
Nem uma levanta a cabeça.
Sociedade mais fechada não existe, apesar de se espalharem constantemente lá fora. Não faz mal, projectos a realizar, preocupações... estão como em sua casa.... seja onde for.
E até hoje nenhuma olhou para nós. Ainda se arriscava a ser esmagada."
Henri Michaux, Estou a escrever-te de um país distante, Hiena Editora, 1986
(tradução de Aníbal Fernandes)
março 14, 2015
[#9] Estou a escrever-te de um país distante
"Não posso deixar-te com dúvidas, prossegue ela, com falta de confiança. Gostava de falar-te uma vez mais do mar. Mas persiste o embaraço. Os ribeiros avançam: ele é que não. Olha, não te zangues, juro que é verdade, nem pela cabeça me passa deixar-te enganado. É assim, o mar. Por mais agitado que esteja, pára à frente de um pouco de areia. É muito indeciso. Por certo queria avançar, mas na verdade é que não o faz.
Mais tarde, um dia, talvez ele avance."
Henri Michaux, Estou a escrever-te de um país distante, Hiena Editora, 1986
(tradução de Aníbal Fernandes)