outubro 23, 2014

©Eduardo Gageiro
PLAY Björk - Jóga

Os gestos não preenchem o espaço em dias de vazio porque o cansaço faz do gesto matéria inanimada. As palavras apalpam os gestos à superfície, em esquissos epidérmicos, mas que marcam. Não são as palavras que salvam o gesto morto. Nem o gestos esgrimem a intenção soberana de agir. Na existência da matéria sublime, as palavras, gestos, intenções e omissões desenham tão-somente as curvas que toldam o caminho. Mas há mais do que curvas no contorno do caminho.


Jóga

All these accidents that happen
Follow the dot
Coincidence makes sense
Only with you
You don't have to speak, I feel

Emotional landscapes
They puzzle me
Then the riddle gets solved
And you push me up to this

State of emergency, how beautiful to be
State of emergency, is where I want to be

All that no-one sees
You see
What's inside of me
Every nerve that hurts, you heal
Deep inside of me
You don't have to speak, I feel

Emotional landscapes
They puzzle me - confuse
Then the riddle gets solved
And you push me up to this

State of emergency, how beautiful to be
State of emergency, is where I want to be

outubro 21, 2014

Woodkid

Paris @raquelsav
Quando um grito, ou dois, não basta resta-nos o silêncio.



PLAY Woodkid Baltimore's Fireflies


Baltimore's Fireflies

What are the words that I'm supposed to say?
Your white skin, swirling fireflies.
Darkness has surrounded Baltimore bay.
Why don't you open your blue eyes?
Are they things that water can't wash away?
How can your absence leave no trace?
As I let you sink in Baltimore bay.
I drown myself deep in disgrace.

What is the price, am I supposed to pay?
For all the things I try to hide?
What is my fate, am I supposed to pray?
That trouble's gone with the sunlight?

A warm sun rises and ignites the bay.
I come back home and start to cry
I'll never come back to Baltimore bay.
Try to forget the fireflies.
What are the words that I'm supposed to say?
If someone knew about this lie?
If your body rises to the surface?
Through the silence of fireflies...

outubro 20, 2014

Barcelona©raquelsav


PLAY Nirvana  Lithium

Um dia o rosto dela abrir-se-á, o cabelo deixará de escurecer a imagem, um sorriso despontará e com ele morrerá, numa história indefinida.

Clarice Lispector



PLAY The Smiths - What Difference Does it Make

"Não compreendo o que vi. E nem mesmo sei se vi, já que meus olhos terminaram não se diferenciando da coisa vista. Só por um inesperado tremor de linhas, só por uma anomalia na continuidade ininterrupta de minha civilização, é que por um átimo experimentei a vivificadora morte. A fina morte que me fez manusear o proibido tecido da vida. (...) 
Talvez o que me tenha acontecido seja uma compreensão- e que, para eu ser verdadeira, tenho de continuar a não estar à altura dela, tenho que continuar a não entendê-la. Toda compreensão súbita se parece muito com uma aguda incompreensão.
Não. Toda a compreensão súbita é finalmente a revelação de uma aguda incompreensão. Todo momento de achar é um perder-se a si próprio. Talvez me tenha acontecido uma compreensão tão total quanto a ignorância, e dela eu venha a sair intocada e inocente como antes. Qualquer entender meu nunca estará à altura dessa compreensão, pois viver é somente a altura a que posso chegar- meu único nível é viver. Só que agora, agora sei de um segredo. Que já estou esquecendo, ah sinto que já estou esquecendo...."

Clarice Lispector, Paixão segundo G.H.
Relógio D'Àgua

outubro 19, 2014

©Bruno Barbey TURKEY. Istanbul. Subway. 2009
PLAY Bert Jansch The Auld Triangle 

Vivemos distraídos porque os relógios não contam as horas certas e a ilha está cada vez mais pequena. Não sabemos sair dela e já alguém nos disse que é necessário sair da ilha para ver a ilha. Resta-nos a amizade, que nos antecipa viagens e ilumina caminhos. Na amizade vivem os olhos que nos poupam à cegueira de não querer ver.

outubro 12, 2014

Uma espécie de liberdade



Danny Macaskill: The Ridge

outubro 11, 2014

©raquelsav

Roubar luz à Primavera, 
deitá-la mar fora no Outono, 
trazer o infinito no som da concha.
Enviar, por correio, o sorriso, 
mudar a hora de embarque
um dia antes do Inverno chegar.

Amar tudo
e saber a pouco.


Joy Division

©Chris Steele-Perkins, 1978.
PLAY Joy Division- Love Will Tear Us Apart

When routine bites hard
And ambitions are low
And resentment rides high
But emotions won't grow
And we're changing our ways
Taking different roads

Then love, love will tear us apart, again
Love, love will tear us apart, again

Why is the bedroom so cold?
You've turned away on your side
Is my timing that flawed?
Our respect runs so dry
Yet there's still this appeal
That we've kept through our lives

But love, love will tear us apart, again
Love, love will tear us apart, again

You cry out in your sleep
All my failings exposed
And there's taste in my mouth
As desperation takes hold
Just that something so good
Just can't function no more

But love, love wil tear us apart, again
Love, love will tear us apart, again
Love, love will tear us apart, again
Love, love will tear us apart, again

Bill Callahan


PLAY Bill Callahan - Jim Cain 

Jim Cain
I started out in search of ordinary things
How much of a tree bends in the wind
I started telling the story without knowing the end

I used to be darker, then I got lighter, then I got dark again
Something too big to be seen was passing over and over me
Well it seemed like the routine case at first
With the death of the shadow came a lightness of verse
But the darkest of nights, in truth, still dazzles
And I woke myself until I'm frazzled

I ended up in search of ordinary things
Like how can a wave possibly be?
I started running, and the concrete turned to sand
I started running, and things didn't pan out as planned

In case things go poorly and I not return
Remember the good things I've done
In case things go poorly and I not return
Remember the good things I've done
Done me in


Bill Callahan, 

outubro 10, 2014

©Antoine d’Agata: Untitled, from the series Inédites, Georgia, 2009

PLAY Tindersticks - A Night In

1
o sol ensina o único caminho
a voz da memória irrompe lodosa
ainda não partimos e já tudo esquecemos
caminhamos envoltos num alvéolo de ouro fosforescente
os corpos diluem-se na delicada pele das pedras

falam os rios deste regresso e pelas margens ressoam passos
os poços onde nos debruçámos aproximam-se perigosamente
da ausência e da sede procurámos os rostos na água
conseguimos não esquecer a fome que nos isolou
de oásis em oásis

hoje
é o sangue branco das cobras que perpetua o lugar
o peso de súbitas cassiopeias nos olhos
quando o veludo da noite vem roer a pouco e pouco a planície

caminhamos ainda
sabemos que deixou de haver tempo para nos olharmos
a fuga só é possível para dentro dos fragmentados corpos
e um dia... quem sabe?
chegaremos

Al Berto, Tentativas para um regresso à Terra, 1980
in Medo, 1997

Morphine


©raquelsav

Há uma noite que nos segue e não sabemos se nos mente.
Esbatem-se os reflexos que desfazem os dias pintados da imagem.
Não sabemos onde existir, e o que somos do espelho: se noite, se dia.
Pouco entendemos: não sabemos se gostamos ou gostamos de gostar.
Na dúvida, não existimos, vamos existindo, entre o dia e a noite.

E ainda que nos minta, não podemos senão sê-lo, entre o esboço e a pintura.


outubro 05, 2014

Madredeus

©Gilles Peress

PLAY  Madredeus "Agora"

Canto à minha idade, ó ai,
Canto às côres que ainda são,
E ao amor que me dão
As manhãs deste mundo,
São,
Janelas para ver,
São ainda,
São
Vontades de ter
Um mundo sem armas
Na mão

Canto esta verdade, ó ai,
Canto à luz do meu sol,
Sol do meu mundo inteiro
Que queria guardar, ó ai,
Guardar para ti
Ter na mão e dar
Dar-te logo a ti
Mas há tantas armas aí...
- e eu, que força tenho?
- e tu que força tens?
- temos a voz só, cantamos alto,
- a nossa voz só, canta bem alto
É agora, é a hora
É agora, é a hora
Cantai de madrugada
Até ao sol raiar
Levai a vida boa
Cantai sempre cantai
E a cada pessoa
Cantai esta canção
Lembrai ao mundo inteiro
A sua condição
E assim cantai também
Como eu sempre cantei
Cantai o amor do mundo
E tudo o que está bem
Cantai a viva voz
Pela terra inteira
E assim se ensina a paz
Da melhor maneira

outubro 04, 2014


©Chris Steele-Perkins, Pakistan 1997

PLAY Sibelius - Etude op. 76 no. 2

Em que nome repousas,
quando o estado último das coisas não te basta?

Em que voz queres soar inteiro,
quando os fragmentos que colhes soam tão pouco a ti?

Sabes que te conheço
                          pelos nós
com que atas o firmamento à inquietude,
como se fossem meus os teus 
                         gritos sibilantes que te adivinham.

Talvez possas espreitar o limbo,
onde nada acontece.
Talvez devas rezar Adeus,
e simular um momento de despedida.
Ou, então, simplesmente forjar
                            um nome,
não sei...

mas sei que o estado último das coisas já não te basta,
e não tens onde
                           repousar.

Roberto Juarroz

©Brassai
PLAY  Sibelius Violin Concerto - Maxim Vengerov, Daniel Barenboim, Chicago S.O. (CSO)

Registar todos os dados, 
embora não saibamos decifrá-los.

Registar, por exemplo, 
que também os esquecimentos têm diferentes cores
e há assim esquecimentos verdes ou vermelhos,
que sustêm seguramente olhares vegetais
ou apagam sombrios desníveis da vida.
E registar que há lembranças completamente transparentes,
lembranças que não sabemos de quê, mas lembranças,
excessos de memória
ou esquinas de não ser no que foi.

Registar que os sonhos geram cristais
que servem como lentes para olhar o mundo
e também o seu revés.
Registar que há flores sem perfume
e perfumes sem flor que não se encontram,
materiais para acabar de construir o homem
e materiais para começar a construir deus,
caminhos até tudo e até nada,
amores com os olhos para cima
e amores com os olhos para baixo
e até amores sem olhos,
dura, violentamente cerceados.

Registar que entre o céu e a terra tudo acontece,
mas também que tudo acontece às vezes entre a terra e a terra,
embora os sinos toquem em momentos equivocados
ou com sons que são para outra coisa.

Registar as palavras de perto e nunca de longe,
como os rostos e a morte.

E registar o mais palpável, as ausências,
as que sempre o foram,
as que nunca o foram,
o seu desafio ao ser,
a sua correcção do ser
a partir do oásis do não-ser.

Sim. Registar todos os dados,
embora não haja quem os decifre.
Talvez no final não haja necessidade de os decifrar. 

Roberto Juarroz, Poesia Vertical, Campo das Letras

setembro 21, 2014

©raquelsav

Há abraços que nunca se fecham:
não sabemos como os iniciar,
não saberíamos como os findar.

Há abraços que morrem sem terem nascido.

Edmundo de Bettencourt

©Chris Steele-Perkins
Japan. Tokyo. Virtual Reality helmets. Tokyo motor show
PLAY Eddie Vedder - Guaranteed


A máquina prisioneira

A máquina acabava o dia a mastigar
e aos poucos os dentes lhe caíam
perdendo-se na espuma do ar negro,
ondulante, da fábrica.

Um desejo insubmisso
de cercar os átomos gigantes
vinha encher um braço
donde surgia um corpo
lacerado
sangrento!
e donde surgia um braço
cheio de sangue novo
que libertava a máquina!

A sorrir desdentada
a máquina adormecia...

Edmundo de Bettencourt, Poemas de Edmundo de Bettencourt, 

Assírio & Alvim


Guaranteed

On bended knee is no way to be free
Lifting up an empty cup, I ask silently
All my destinations will accept the one that's me,
So I can breathe...

Circles they grow and they swallow people whole
Half their lives they say goodnight to wives they'll never know
A mind full of questions, and a teacher in my soul
And so it goes...

Don't come closer or I'll have to go
Holding me like gravity are places that pull
If ever there was someone to keep me at home
It would be you...

Everyone I come across, in cages they bought
They think of me and my wondering, but I'm never what they thought
I've got my indignation, but I'm pure in all my thoughts
I'm alive...

Wind in my hair, I feel part of everywhere
Underneath my being is a road that disappeared
Late at night I hear the trees, they're singing with the dead
Overhead...

Leave it to me as I find a way to be
Consider me a satellite, forever orbiting
I knew all the rules, but the rules did not know me
Guaranteed


setembro 20, 2014

©raquelsav

"Dai de comer a quem tem fome e de beber a quem tem sede"

©Herbert List (1903-1975)
GREECE. Attica. Glifadha near Sounion. "Mise en scene with George HOYNINGEN-HUENE"

O contrário de vivo é um gesto de braço solto para baixo.
Não há como resistir à gravidade quando nos demitimos de ser (a termos sido por algum momento).
Entre um extremo e o outro há um meio pelo qual, nem sempre, queremos passar. Nele mora a liberdade. Porque a liberdade também vive na indiferença do equilíbrio, esse lugar onde nos demitimos de ser.

Ser vivo é um braço no ar onde o sangue custa a chegar.


Jacqueline Du Pré



Demorando-se 
em tudo o que é água
este dia primaveril termina

Issa, O Crisântemo Branco: Antologia de Haiku

Ed. Pedra Formosa


Trailer Hilary and Jackie

Filme com notas biográficas  de  Jacqueline Du Prè

setembro 08, 2014

Roberto Juarroz

©Harry Gruyaert Mali. Town of Gao. 1988. Terrace of a local hotel.

Há palavras que não dizemos
e que pomos sem dizê-las nas coisas.

E as coisas guardam-nas,
e um dia respondem-nos com elas
e salvam-nos o mundo,
como um amor secreto
em cujos dois extremos
há uma só entrada.

Não haverá uma palavra
dessas que não dizemos
que tenhamos colocado
sem querer no nada?

Roberto Juarroz

setembro 07, 2014

©raquelsav

Ser sombra. Não marcar a areia. Depurar a matéria. Expurgar o excesso que nos faz sombra de nós. 
Ser leve ou, então, não ser.
                                                                              
The land returns to how it has always been
Thyme carried on the wind(...)
Cruel nature has won again
©raquelsav 

A chuva chove e eu chovo com ela.
Chovo com a chuva, enquanto a chuva chove.

setembro 01, 2014

- o que é estar morto?
- é um braço para baixo.

agosto 31, 2014

©raquelsav
PLAY Yann Tiersen - Rue des Cascades 

A casa é fria porque o vazio, quando sopra, é de norte.
Não são chaves que destrancam as portas,
são as mãos,
as que atam e desatam os nós
na garganta do alpendre.
A gargantilha enleia a garganta,
mas não a aquece.
A casa é fria porque o vazio soprou,
e quando sopra é de norte.
A casa é fria porque o calor, quando nasce, é de dentro.
E hoje a casa está tão vazia.

RUE DES CASCADES
When I'm asleep in Cascade Street
When I'm asleep in Cascade Street
I don't, I don't
See anything

When I'm asleep in Cascade Street
When I'm asleep in Cascade Street
I hear, I hear
Nothing, nothing

In the cascade, in the cascade
You washed me

When I wake up in Cascade Street
When I wake up in Cascade Street
I feel nothing
I feel nothing

When I'm asleep in Cascade Street
When I'm asleep in Cascade Street
I don't remember
I don't remember

In the cascade, in the cascade
You washed me

When I wake up in Cascade Street
When I wake up in Cascade Street
I feel nothing
I feel nothing

In the cascade, in the cascade
You washed me



agosto 30, 2014

©raquelsav
-Olha, a árvore caiu. Achas que se magoou?
-As árvores, quando caem, não se magoam porque não têm mãos. 

agosto 29, 2014

©Ferdinando Scianna FRANCE, Paris- french researcher Jean Pierre VIGIER


...ocorreu-me que não há equações difíceis, há-as apenas possíveis e impossíveis. E basta mudar um sinal, uma incógnita, um número para transformar uma na outra. Das possíveis, as que mais gosto são as indeterminadas, por admitirem infinitas soluções.


Are you such a dreamer
To put the world to rights?
I stay home forever
Where two and two always makes up five

I lay down the tracks
Sandbag and hide
January has april's showers
And two and two always makes up five

Its the devil's way now
There is no way out
You can scream it, you can shout
It is too late now

Because

You have not been paying attention

agosto 27, 2014

©raquelsav
Há livros transformados em árvores de folha caduca, que se perdem no tempo em chão de prateleira cheia. Constam da infindável lista de espera para transplante. Aguardam, no órgão ansiado, o eterno retorno à ideia que os viu nascer, antes de o serem em folha-papel.

Eu espero com eles, a chegada desse dia, e lançarei ao vento cada uma das suas folhas mortas, para as ver renascer em essência. Um livro consubstancia-se na sua imaterialidade. Possui-lo apenas pode ser sinónimo de transportar o seu sentido, em alguma parte de nós, perto do sítio que nos faz ser.

O paraíso será, como na imaginação de J. L. Borges, uma espécie de livraria. Mas de estante vazia, repleta de livros invisíveis, que concretizaram a metamorfose da crisálida de papel em borboleta de ideia, que encherão de movimento e cor - da palavra-  o espaço outrora tão lotado, mas tão perfeitamente vago.

(um silêncio para a deixar voar)