![]() |
©Josef Koudelka - Romania, Constanta. 1994. Location shooting of the film 'Ulysse's Gaze', directed by Theo Angelopoulos |
Os carris estavam vazios, as minhas pernas mais fracas que dois fios. Andei metade da noite a percorrer o caminho da estação para casa. Não queria chegar jamais. Nunca mais consegui adormecer de noite.
Queria que o amor voltasse a crescer como a erva cortada. Que ele cresça de modo diverso, como os dentes nas crianças, como o cabelo, como as unhas. Que ele cresça como queira. Assustava-me a frialdade do lençol e depois o calor que aparecia sempre que eu estava deitada.
Quando, meio ano depois do seu regresso, Tereza morreu, eu quis desfazer-me da minha memória, mas dá-la a quem. A última carta de Tereza chegou depois da sua morte:
Já só consigo respirar como os vegetais no quintal. Tenho uma saudade física de ti.
O amor por Tereza voltou a crescer. Obriguei-o a isso e tive de precaver-me. Precaver-me de Tereza e de mim, como eu nos conhecia antes da visita. Tive de amarrar as mãos a mim própria. Elas queriam escrever a Tereza, dizer-lhe que eu ainda nos conhecia. Que a frialdade que tenho em mim revolve um amor contra a razão."
"Porquê e quando e como é que o amor amarrado se mistura com os esquadrões de assassínio. Queria gritar todas as pragas que não domino.
Que Deus castigue
Quem ama e parte
Que Deus o castigue
Com o passo do escaravelho
O zumbido do vento
O pó da terra.
Gritar pragas, mas a que ouvido.
Hoje é a erva que me escuta quando falo de amor. A mim parece-me que esta palavra não é honesta consigo mesma."
"Também tinha dito a Kurt: Agarra-te a Tereza. Uma amizade não é um casaco que possa herdar de ti, opinou ele. Posso enfiá-la. Vista de fora, até poderia servir, mas não aqueceria por dentro.
Tudo o que se dizia tornava-se definitivo. Espezinhar tanto com as palavras na boca como com os pés na erva, eram assim todas as despedidas.
Quem ama e parte, esse éramos nós próprios. Tínhamos levado a maldição da cantiga ao seu máximo expoente:
Que Deus castigue
Quem ama e parte
Que Deus o castigue
Com o passo do escaravelho
O zumbido do vento
O pó da terra."
"A morte de Tereza doeu-me como se eu tivesse duas cabeças a embater uma com a outra. Numa havia o amor ceifado, na outra, o ódio. Queria que o amor voltasse a crescer. Ele cresceu como erva e palha entrelaçadas e era a afirmação mais fria na minha testa. Era a minha planta mais estúpida"
Herta Müller,
A terra das Ameixas verdes
2009